O Quê? Quem? Quando? Onde? Como? Porquê?

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DO TEXTO: O que se seguiu está registado nas notícias: a coragem dos timorenses que exigiram a independência, no referendo de 30 de agosto; o rasto de destruiçã
Jacarta, 19-02-1999, Xanana Gusmão em prisão domiciliária, recebe o jornalista Pedro Mesquita.



 
Por: Pedro Mesquita*
 

Fevereiro de 1999 - Desci a escada do avião sob um calor abrasador e uma humidade que nunca tinha sentido na pele.
 
À chegada a Timor, misturou-se a curiosidade do repórter com o desconforto da incerteza e algum receio, confesso. Ainda no aeroporto, aproximou-se de mim um militar indonésio. Pediu-me o passaporte e desapareceu com ele. Nos longos minutos que se seguiram, até me devolver o documento, fiquei sem chão.
 
Ainda em sobressalto, no meio de uma multidão de jovens, um ancião veio falar comigo, em português. Num sussurro, aquele homem, com rugas vincadas no rosto e nas mãos, deu-me as boas-vindas. Depois de um abraço, como se nos conhecêssemos há muito, deixou-me de boca aberta ao tirar do bolso uma velha cigarreira com a bandeira de Portugal cravada na parte de cima. Contou-me que a guardava consigo, escondida, há longos anos. Era um símbolo da resistência de todo um povo, silenciado, amordaçado, sequestrado na sua própria casa, desde a invasão das forças indonésias, em 1975.
 
Dois dias antes, em Jacarta, tive a oportunidade - juntamente com outros jornalistas portugueses - de visitar Xanana Gusmão, que se encontrava em prisão domiciliária.
 
Nas palavras e nos gestos, o líder histórico da resistência timorense já pressentia que os ventos da história estavam a mudar. E soltou uma frase que jamais esquecerei:
 
"Uma barraca com uma bandeira já é um país... e pronto."
 
Na despedida, Xanana ofereceu-me uma fotografia de quando já estava preso, na Indonésia. Na imagem, aparece de pé e com o braço erguido. A mão está cerrada, exceto dois dedos, que libertou em forma de V. E no verso escreveu:
 
 "O grito da vitória que você tem o dever de transmitir ao mundo."
 
Ainda a guardo.
 
O que se seguiu está registado nas notícias: a coragem dos timorenses que exigiram a independência, no referendo de 30 de agosto; o rasto de destruição e morte deixado pelas milícias integracionistas; a transição para a paz garantida pela ONU... e a independência, que seria hasteada a 20 de maio de 2002. O parto foi muito difícil, mas tive a felicidade, enquanto jornalista da Rádio Renascença, de transmitir ao mundo "o grito da vitória" do povo timorense.
 
Sempre me disseram que este é o papel dos jornalistas: ver e ouvir as pessoas, sem preconceitos. Fazer perguntas, validar os factos e dar a notícia. Contar tudo com imparcialidade, com o máximo rigor possível e sem adjetivar. Só assim se constrói a história dos dias que passam.
 
Quando cheguei à Rádio Renascença, em setembro de 1989, ainda não havia computadores e muito menos Internet. Também não existiam telemóveis, as entrevistas eram gravadas em cassetes e os sons das notícias alinhados em bobinas. Os textos que lia ao microfone eram escritos à máquina, ou à mão quando o tempo apertava.
 
Nas "Presidências Abertas" de Mário Soares - então Presidente da República - os jornalistas formavam fila à porta de um café para enviar as notícias, através de um telefone fixo.
 
Depois chegou a Internet.
 
Com as novas tecnologias, as notícias entram-nos pelo telemóvel, pelo computador e por centenas de canais de televisão disponíveis, de todo o mundo. Já não é preciso ter pilhas para ouvir rádio, nem folhear um jornal de papel para ler as suas notícias. Os sites das rádios, das TVs e dos jornais apresentam vídeos, sons e textos.
 
Todos temos acesso a tudo, ao mesmo tempo e em qualquer latitude. Mas este "admirável mundo novo" é, sobretudo, inquietante. Com as redações vazias e orçamentos limitados, os jornalistas lutam contra o tempo para validar e contextualizar as notícias. É trabalho que demora, quando a informação já escorre das redes sociais... sem escrutínio, sem contraditório e sem intermediários.
 
E os políticos também já sabem disso. É, cada vez mais, pelas suas contas no X, Instagram, TikTok ou Facebook, que anunciam medidas e fazem promessas. Falam diretamente às pessoas, sem passar pelo crivo dos jornalistas. É popular e escapam, assim, à maçada das perguntas incómodas.
 
Mas será prudente, para eles próprios - os políticos - dispensarem os jornalistas? Na era da Inteligência Artificial, aquele texto, aquela imagem, aquela voz, serão mesmo verdadeiros?
 
Há vídeos e mais vídeos libertados em rede, onde nos aparecem líderes políticos de todo o mundo - também de Portugal - a cantar, a dançar ou a defender ideias que, manifestamente, não defendem. Até começa por ser divertido, mas rapidamente soa o alarme: estamos a vê-los e a ouvi-los, mas não são eles. É a ficção que ultrapassa a realidade à velocidade do som e da luz. É a ficção que coloca em dúvida tudo aquilo em que acreditamos.
 
Todos nós já tropeçamos, na Internet, em notícias falsas ou imagens descontextualizadas, que os "polífrafos" - trabalhados pelos jornalistas - facilmente desmentem. Mas é impossível ir a todas... e há quem já não se importe, sequer.
 
O papel dos jornalistas é, no mínimo, validar seis perguntas-chave antes de dar uma notícia:
 
O quê? Quem? Quando? Onde? Como? Porquê?
 

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*Pedro Mesquita: Repórter principal e jornalista da Rádio Renascença desde 1989. Em agosto de 2024, foi condecorado com a Ordem de Timor-Leste pelo Presidente e Nobel da Paz, José Ramos-Horta.
 
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NOTA DA REDAÇÃO:
O presente artigo foi publicado no jornal Tempo Livre da Fundação INATEL - Mar/Abr-2025, a quem agradecemos a deferência, bem como ao autor.
🖼️Fotos de arquivo do Autor.

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