A garganta de ouro se cala

DO TEXTO:
Ele se chamava José Alves dos Santos, mas quando se uniu ao amigo Romeu Januário de Matos, ninguém mais conheceria os dois por seus nomes de batismo. Passariam a ser para gerações de fãs da música sertaneja brasileira a dupla Milionário & José Rico, os Gargantas de Ouro. Uma delas se calou ontem, em um hospital de Americana, no interior de São Paulo, vítima de um infarto. José Rico, 68 anos, deu entrada na unidade com problemas cardíacos e renais na manhã de ontem e morreu no meio da tarde. Seu falecimento foi anunciado na página oficial da dupla no Facebook. “Vamos rezar por este homem que tanta alegria nos deu. É impossível descrever nossa tristeza, estamos todos em estado de choque”, diz a nota de sua assessoria.

Foi realmente uma supresa a notícia da morte de José Rico, que nas últimas eleições chegou a concorrer a uma vaga de deputado federal por Goiás, pelo PMDB, não conseguindo se eleger. Na mesma página oficial da dupla, fotos mostram Milionário & José Rico cantando, com o pique de sempre, em shows no sábado e domingo últimos, nas cidades paulistas de Boituva e Osasco. No sábado, a dupla teria apresentação marcada para o Parque de Exposições de Jataí. Ele nunca escondeu seu carinho por Goiás e gostava de dizer que alguns de seus maiores sucessos foram compostos por aqui. “Goiânia faz parte da nossa história. Nossa carreira teve um grande avanço por conta dos goianos”, disse José Rico em entrevista concedida em 2008.

O sucesso da dupla começou no início dos anos 1970, quanto interpretavam canções românticas e algumas músicas dançantes. A crítica, naquela época, torceu o nariz para o estilo considerado brega, mas o que poucos sabiam é que Milionário & José Rico estava inaugurando um outro estilo do sertanejo. Mesmo bebendo nas fontes da música de raiz de Tonico & Tinoco e Tião Carreiro & Pardinho, os dois pavimentaram um caminho pelo qual depois passaram duplas como Chitãozinho & Xororó e, posteriormente, Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano. Era uma sonoridade ligada ao interior, mas já bem urbanizada, que conquistou um público numeroso. Os quase 35 álbuns que gravaram na carreira venderam, juntos, mais de 35 milhões de cópias.

Um desses discos, que tinha como carro-chefe a canção Estrada da Vida, bateu a marca de 2 milhões de cópias vendidas, um recorde impossível de se alcançar hoje em dia. “Fico feliz em ser referência para a rapaziada do sertanejo”, declarou José Rico. “Uma responsabilidade muito grande. Mas, por outro lado, fico aborrecido quando aparece gente querendo inventar o que não sabe, fazer algo sobre o qual não tem conhecimento. Estes mais atrapalham que ajudam.” A admiração que Milionário & José Rico gozava junto às novas gerações, porém, era incontestável. Em um quadro sobre o tema no Fantástico, no ano passado, o cantor Michel Teló fez questão de levar a dupla. Até mesmo Roberto Carlos recebeu os dois amigos em alguns de seus especiais na TV.

José Rico, tão ligado ao universo sertanejo, era versátil. Com voz poderosa e afinada, ele transitava por outros ritmos. Chegou a integrar o Trio Bandeirantes, cuja especialidade era boleros. Pernambucano de nascimento, tinha em Luiz Gonzaga um ídolo e uma influência. Também gostava de Nelson Gonçalves e Anísio Silva. “Levei essas admirações para a música sertaneja”, afirmava. O visual pouco ortodoxo era outro diferencial. Enquanto o parceiro Milionário era adepto do chapelão, José Rico preferia grandes óculos escuros e muitas, muitas correntes e pulseiras. Sobre isso, ele revelou: “Às vezes, eu mesmo faço uma corrente. Pego um pedaço de madeira, coloco um espelhinho e pronto.” Ele não contabilizou aí, é claro, as peças de ouro que ostentava.

Em 2012, José Rico disse que a dupla tinha muita vontade de continuar nos palcos. “Queremos ficar assim até quando puder”, garantiu na época, durante a turnê comemorativa dos 40 anos de carreira. Em 2008, ele já avisava. “Pensar em parar? De jeito nenhum. Só paro quando Deus quiser”. Sua vontade foi feita. Na época, ele estava feliz com os filhos gêmeos, que hoje têm 14 anos de idade, filhos do casamento com Berenice Martins. Ele dividia as atenções com o público, que nunca o abandonou. E ele retribuía toda essa fidelidade de anos. “Quero atender o povo. É com ele que me preocupo. Sou uma pessoa feliz.”


Nota da Redação: Relembre Milionário e José Rico cantando "A distância", no DVD "Emoções Sertanejas", em 2010: 



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