BBB: jejum intermitente faz células boas 'comerem as cancerígenas'? Veja o que dizem os estudos

DO TEXTO: Pedro Scooby comentou que fica mais de 16 horas sem comer como uma estratégia anticâncer, de forma que as ‘células boas comeriam as ruins, as cancerí

Fazer jejum intermitente não é nenhuma novidade, pois o jejum é uma estratégia terapêutica utilizada desde os primórdios da medicina e um hábito, ou melhor, uma tradição de algumas religiões como o islamismo, que prega o Ramadã, mês no qual os fiéis não se alimentam durante o dia.


Pedro Scooby comentou que fica mais de 16 horas sem comer como uma estratégia anticâncer, de forma que as ‘células boas comeriam as ruins, as cancerígenas’. Embora alguns estudos sinalizem benefícios contra o câncer, ainda não há consenso científico

São Paulo – 11/04/2022 - Fazer jejum intermitente não é nenhuma novidade, pois o jejum é uma estratégia terapêutica utilizada desde os primórdios da medicina e um hábito, ou melhor, uma tradição de algumas religiões como o islamismo, que prega o Ramadã, mês no qual os fiéis não se alimentam durante o dia. “De uns tempos para cá, o jejum tem ganhado cada vez mais adeptos, por motivos de saúde. O jejum intermitente ganhou considerável repercussão científica e popular, sendo introduzido como método de alimentação sob certas condições na prática clínica, principalmente por causa da evolução dos índices de obesidade no mundo, que leva a comunidade cientifica a buscar estratégias para combatê-la. Nos últimos anos, milhares de estudos científicos relataram as vantagens e limitações do jejum intermitente para tratar a obesidade e outras disfunções metabólicas. Passou, assim, a ser mais conhecido e aceito no meio acadêmico”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez*, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). Com o sucesso do método, é comum o jejum estar “na boca do povo”, mas como sabemos quem conta um conto costuma aumentar um ponto, por isso resolvemos investigar algumas falas do surfista Pedro Scooby no BBB22 que causaram polêmica. O confinado disse que praticava o jejum de 16 horas, pois “as células começam a se consumir. Daí as células boas comem as ruins, as cancerígenas”, disse Pedro. Mas é realmente assim que funciona? “Em resumo, embora exista evidências de que o jejum intermitente possa ser uma forma de diminuir a inflamação e o estresse oxidativo, assim prevenindo o câncer, ainda não há consenso científico sobre o assunto e mais pesquisas ainda precisam confirmar a hipótese”, analisa a Dra. Marcella.

Segundo a médica nutróloga, estudos pré-clínicos e ensaios clínicos mostraram que o jejum intermitente apresenta benefícios de amplo espectro para muitas condições de saúde, como obesidade, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, cânceres e distúrbios neurológicos. “Modelos animais mostram que o jejum intermitente melhora a saúde ao longo da vida, resta determinar se as pessoas podem manter o jejum intermitente por anos e potencialmente acumular os benefícios observados em modelos animais. Os efeitos benéficos do jejum intermitente envolvem trocas metabólicas e resistência ao estresse celular. No entanto, algumas pessoas são incapazes ou não querem aderir a um regime de jejum intermitente”, explica a médica. A hipótese mais estudada é de que a restrição alimentar por longos períodos de tempo, em protocolos de 16 a 48 horas, pode estar relacionada com a modulação da autofagia, um fenômeno de degradação e reciclagem que as células utilizam para eliminar toxinas. Um  estudo brasileiro da UNIFESP, publicado em 2018, aponta a possibilidade de usar a manipulação dietética como um modulador de autofagia “bem como uma intervenção custo-efetiva para aumentar a resposta na desafiadora arena oncológica. Além disso, o jejum pode proteger as células normais da toxicidade dos agentes anticancerígenos, reduzindo os efeitos colaterais nos pacientes e aumentando os efeitos nocivos da quimioterapia, radioterapia e terapia direcionada em células tumorais”, diz o estudo.

Em agosto do ano passado, um estudo publicado na ACS (American Cancer Society) Journals concluiu que os efeitos do jejum intermitente em resultados de câncer clinicamente relevantes, como incidência de câncer e prognóstico após o diagnóstico de câncer, são desconhecidos porque há uma falta de estudos em humanos. “Estudos em humanos avaliando os efeitos do jejum intermitente na sinalização de crescimento da insulina e outros marcadores hormonais e inflamatórios pertinentes da carcinogênese parecem ser clinicamente insignificantes, pelo menos com os dados atuais, que muitas vezes carecem de poder estatístico e acompanhamento de longo prazo”, destacou o estudo. Apesar disso, o trabalho mostrou que a obesidade, com suas alterações metabólicas, moleculares e imunológicas associadas, aumenta o risco e piora o prognóstico de muitos cânceres comuns, dessa forma, o controle de peso é crucial para pacientes com câncer e sobreviventes de câncer. “Estudos mostraram evidências de que os programas de restrição calórica intermitente (jejum intermitente) produzem perda de peso equivalente quando comparados com os de restrição calórica contínua, com 9 dos 11 estudos revisados mostrando nenhuma diferença entre os grupos em peso ou perda de gordura corporal. Mas é necessário pontuar que o déficit calórico (comer menos do que o corpo gasta) deve ser mantido. Se não houver um planejamento e o consumo de calorias for excessivo nos períodos de ingesta alimentar, pode haver ganho de peso e piora de perfil metabólico”, pontua a Dra. Marcella Garcez. Dessa forma, o jejum intermitente, como uma dieta restritiva, pode ser uma estratégia de restrição energética periódica ou alimentação com restrição de tempo, com periodicidade variável. “Portanto pode ser benéfico quando bem indicado e conduzido ou resultar em consequências e resultados indesejados, quando não tiver acompanhamento adequado”, explica a médica.

Segundo a médica, vários regimes de restrição de ingestão calórica intermitente ganharam popularidade nos últimos anos como estratégias para alcançar a perda de peso e outros benefícios metabólicos à saúde. “Esses protocolos envolvem períodos recorrentes com pouca ou nenhuma ingestão de energia (por exemplo, 16 a 48 h), alternados com períodos intermediários de ingestão de alimentos. Entre as principais estratégias estão o jejum intermitente com restrição energética (diminuição de calorias na dieta) de aproximadamente 60% em 2 ou 3 dias por semana ou em dias alternados e alimentação com restrição de tempo, com limitação do período diário de consumo alimentar para uma ‘janela’ (período em que se pode comer) de 10h, 8h ou menos, diariamente ou na maioria dos dias da semana”, diz a médica. Ela enfatiza, no entanto, que o jejum intermitente deve ser alternado com uma dieta saudável, equilibrada e variada. “Qualquer outra dieta de grande restrição deve ser evitada. Também não há sentido em uma alimentação desequilibrada, com alto consumo de calorias liberadas, alternada com períodos de jejum”, diz a médica.

Outro ponto importante é aproveitar a janela do sono para o jejum. “O ideal é acompanhar o ritmo circadiano e fazer jejum no período noturno, para não alterar o ciclo diário de sono e vigília”, explica a Dra. Marcella. Não há um período pré-definido para o jejum e ele pode ser feito no resto da vida, desde que o paciente não se enquadre em nenhuma das contraindicações (crianças, idosos, gestantes, diabéticos, portadores de insuficiência renal, pessoas com anemias, imunodeprimidos e na presença de doenças infecciosas). “Porém, é muito difícil a manutenção de um protocolo de jejum intermitente por tempo indeterminado e contínuo. O melhor a fazer é ter um acompanhamento médico nutrológico para adoção dessa ou de outras estratégias”, completa a médica.

Outras dietas contra o câncer

Outros padrões de dieta também estão sendo testados contra o câncer. Em julho do ano passado, um estudo publicado na Neurology, revista médica da American Academy of Neurology, avaliou a segurança da dieta cetogênica, rica em gordura e pobre em carboidratos no tratamento de tumores cerebrais. “O pequeno estudo demonstrou que a dieta era segura e viável para pessoas com tumores cerebrais chamados astrocitomas, que poderiam ser de baixo grau ou alto grau. Não há tratamentos curativos para esses tipos de tumores cerebrais e as taxas de sobrevivência são baixas, portanto, quaisquer novos avanços são muito bem-vindos. Todas as pessoas haviam completado o tratamento de radioterapia e quimioterapia. A dieta levou a mudanças no metabolismo do corpo e do cérebro, mas o estudo não foi desenhado para determinar se a dieta poderia retardar o crescimento do tumor ou melhorar a sobrevida, apenas para determinar a segurança, viabilidade e mudanças no metabolismo tumoral”, destaca o Dr. Gabriel Novaes de Rezende Batistella*, médico neurologista e neuro-oncologista do HCor, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA).

Segundo a médica nutróloga, nessa dieta, o corpo muda o que usa para obter energia - em vez de carboidratos, usa o que se chama cetonas. “Fisiologicamente falando, faz sentido diminuir o apetite através da produção dos corpos cetônicos, mas a prática traz efeitos colaterais relevantes e não deve ser iniciada sem o acompanhamento de um especialista. As refeições nessa dieta geralmente contêm proteínas de alto valor biológico, consumo de gorduras saudáveis e quantidades muito restritas de carboidratos complexos”, explica a médica. "As células cancerosas dependem, em parte, da glicose e frutose, e de seu metabolismo, para se dividir, crescer e se manterem viáveis. Como a dieta cetogênica é pobre em açúcar, as células cerebrais normais poderiam sobreviver com cetonas, mas a teoria é a de que as células cancerosas não podem usar cetonas como energia e dependeriam de outras formas para sobreviver, no entanto, é absolutamente improvável que sozinha a dieta cetogênica seja útil no tratamento, assim como não temos qualquer evidência hoje de que compense sugerir este tipo de dieta para pacientes que tratam um tumor cerebral", explica o Dr. Gabriel. “Esperamos que mais estudos ajudem a determinar se essa dieta pode prevenir o crescimento de tumores cerebrais e ajudar as pessoas a viver mais, mas esses resultados mostram que a dieta pode ser segura para pessoas com tumores cerebrais e produzir mudanças no metabolismo do corpo e do cérebro com sucesso”, finaliza o Dr. Gabriel.

*DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez
*DR. GABRIEL NOVAES DE REZENDE BATISTELLA: Médico neurologista e neuro-oncologista, membro do corpo diretivo da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA). Formado em Neurologia e Neuro-oncologia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, hoje é assistente de Neuro-Oncologia Clínica na mesma instituição e Neuro-Oncologista do Hcor. Instagram: @neuro.oncologia.batistella

 


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