A
cantora Maria Bethânia durante entrevista no bairro de São Conrado, no Rio
NELSON
DE SÁ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Em 13 de fevereiro de 1965, aos 17
anos, no Teatro de Arena do Rio, Maria Bethânia cantou "Carcará" com
olhos fixos no público, muito próximo: "Carcará, mais coragem do que
homem/ Carcará pega, mata e come".
Entremeou
com estatísticas da grande seca: "Em 1950, dois milhões de nordestinos
viviam nos Estados natais. 10% da população do Ceará emigrou, 15% da
Bahia". E voltou a cantar, com sua voz grave, como um aviso: "Carcará
não vai morrer de fome... Pega, mata e come!".
A baiana
adolescente, recém-chegada, havia sido chamada para o "Opinião",
espetáculo dirigido por Boal, escrito por Vianninha, Ferreira Gullar e outros,
com Zé Keti e João do Vale, autor de "Carcará", junto com José
Cândido.
"Foi o primeiro 'não' à
ditadura", diz. "Eu sabia exatamente o que era. Porque nós [os oito
irmãos] fomos criados pelo lado socialista. Meu pai era um socialista radical,
assim, 'Dinheiro o homem tem que ter o que lhe seja útil, nenhum vintém a
mais'."
Hoje, meio
século depois: "Continuo. Minha cabeça é essa". Mas como ela vê a
política do país, já na democracia, em Brasília, no Rio, por exemplo, com a
corrupção?
"Estou
com muita pena do Brasil. Tenho pena, mas não desanimo, porque acho o Brasil
maior, de algum modo ele ganha. Já vi lindas respostas do Brasil e não falo só
das pessoas, falo da floresta, das águas. Você vê que está todo o mundo zangado
[ri]. A água foi se aquietar, esperando para ver se volta ou não."
Bethânia
iniciou pelo Rio a turnê do show dos 50 anos de carreira, "Abraçar e
Agradecer", que leva a São Paulo a partir de 14 de março. Antes, a partir
de 25 de fevereiro, mostra na cidade "Bethânia e as Palavras",
espetáculo com textos entremeados por canções que será lançado em CD e DVD
neste ano.
Destaca o
Sermão de Santo Antônio, do padre Vieira, de 1654: "É aquele sermão brabo.
Ele acaba com a política, um espetáculo [ri]. Eu falo e brasileiro morre de
rir."
BERRÉ
Em Salvador,
a comemoração começou com um ciclo acadêmico sobre Bethânia –que esteve
presente, assistiu à sua cena com "Carcará", filmada por Paulo Cesar
Saraceni, e à leitura pública de um texto da escritora Aninha Franco,
"Berré a.C.", seu apelido e o período "antes de 'Carcará'".
Franco
relata que ela cantava no conjunto Celene Belos, na cidade natal de Santo Amaro
da Purificação (BA), "mas não queria ser cantora, queria ser atriz".
Aos 13 anos, mudou-se para Salvador com o irmão Caetano Veloso.
Bethânia
recorda: "A escola de teatro e todas as artes na Bahia nessa época
brilhavam, porque tínhamos um grande reitor [na universidade federal, Edgard
Santos] e todo o movimento de Glauber [Rocha], dona Lina Bardi, Sante
Scaldaferri, João Ubaldo [Ribeiro].
Éramos os menores, meninos ainda".
"Tinha
o clube de cinema, a escola de dança, a de música. Tudo era muito forte. Os
grandes atores se apresentavam. Eu assistia, todas as noites, a Antonio
Pitanga, Helena Ignez." Sua estreia no palco foi na peça "Boca de
Ouro", de Nelson Rodrigues: "Eu fazia a abertura, ninguém nem me via,
cantando uma música do Ataulfo Alves. Ficava escondidinha lá atrás. Mas era
muito menina, 14 anos. Fiz a estreia, fiz mais um dia e meu pai disse, 'Vou lá,
hoje'. Acabou de ver, 'Vamos para casa, acabou'."
A escritora
Mabel Velloso, sua irmã, resumiu "Boca de Ouro" como "uma mulher
nua e a voz de Bethânia ao fundo", além dela própria, Mabel,
"apavorada com tudo aquilo". A adolescente fez depois shows com
Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé.
Nara Leão a
viu num desses shows, "Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova", e dois
anos depois sugeriu que entrasse em seu lugar no "Opinião". No Rio,
Bethânia convenceu Boal a incluir a canção "É de Manhã" e no mesmo
ano lançou um compacto com "Carcará" e "É de Manhã",
primeira música de Caetano a sair em disco.
Iniciou
então a trajetória propriamente musical, mas sem abandonar o teatro, que
considera a sua marca como cantora, pelas mãos de diretores teatrais como Fauzi
Arap, que conheceu no Teatro de Arena em 1965 e depois dirigiu seus shows
históricos, Elias Andreato, de "Bethânia e as Palavras", e Bia Lessa,
de "Abraçar e Agradecer".
Leia a
integra das respostas de Bethânia:
EM SALVADOR
Eu era uma
menina, tinha 14 anos. Era fã da escola de teatro, via todos os espetáculos e
conhecia os atores, porque não saía de lá. Eu gostava de ver, mas nunca estudei
teatro. No "Boca de Ouro", do Alvinho [Guimarães], o que eu fazia era
uma abertura, antes de a peça começar, cantando a cappella uma música do
Ataulfo Alves.
Eu ia à
noite, ficava escondidinha lá atrás, ninguém nem sabia nem nada, cantava e ia
embora. Mas era muito menina. Fiz a estreia, fiz mais um dia e meu pai disse,
"eu vou lá, hoje". Acabou de ver, "vamos para casa, acabou essa
graça".
A escola de
teatro e todas as artes na Bahia nessa época brilhavam, porque tínhamos um
grande reitor e tínhamos todo o movimento de Glauber, dona Lina Bardi, Sante
Scaldaferri, João Ubaldo. Todo mundo era aquela efervescência. Nós éramos os
menores, éramos meninos ainda.
Tinha o
clube de cinema, tinha a escola de dança, a escola de música. Tudo era muito
forte. Os grandes atores se apresentavam, os grandes autores do mundo eram
encenados. Eu assistia, todas as noites, Antonio Pitanga, Helena Ignez.
NO RIO
Eu vim para
um espetáculo teatral também, quer dizer, músico-teatral. Era um musical de
Vianninha, Ferreira Gullar, o mais moço, que morreu, lindo, Armando Costa. Nós
tínhamos um roteiro e o espetáculo tinha direção de Boal. Seguia a linha do
Teatro de Arena dele, em São Paulo. Quando vim, já existia o espetáculo.
No primeiro
convite, disseram que era porque a Nara estava rouca e queria que alguém a
substituísse até ficar boa. Quando cheguei, ela disse logo, "É tudo
mentira, não estou nada rouca, eu não quero fazer mais. É para você
fazer". Falei, "Mas não posso, tenho que voltar".
Tinha que
voltar porque estava de segunda época em matemática. E voltei. Eles não
entenderam nada. Meu compromisso com a minha família era voltar. Aí eles
disseram, "Fala que a gente quer você". Meu pai e minha mãe deixaram.
[A estreia não foi] nada nervosa.
Estudei
muito, fiquei 12 dias ensaiando com a maestrina Geni Marcondes, fiquei na casa
dela. Tinha aula de manhã e ensaio à tarde. Ela dirigiu musicalmente, ajudou
harmonicamente, já com Nara. Uma grande senhora, uma grande professora.
Me levou
para casa e falou, "Você vai ficar comigo para aprender", porque era
tudo novo, um espetáculo que eu não conhecia. Foi ela quem me ensinou a fazer.
Todas as canções, de oito da manhã às oito da noite.
Aquele personagem
era móvel. Antes, enquanto eu estava estudando, a Suzaninha de Moraes, que Deus
a tenha, fez uma semana no lugar da Nara, para eu poder aprender. Cada pessoa
que entrava tinha a sua historinha para contar. Era livre. Vianninha, Ferreira,
Tereza Aragão, todos [escreviam]. O Opinião era um grupo muito bom, muito
forte.
"CARCARÁ"
Eu assisti
agora, no congresso na Bahia, à minha estreia. Existe, com imagem. Porque o
Saraceni estava fazendo um filme e me botou cantando "Carcará", na
minha estreia. No palco, no dia 13. Depois me afastei mesmo, um ano e meio, de
"Carcará".
Não
aguentava mais. Só queriam "Carcará". Gravei, mas era um disco em que
eu cantava tudo, os compositores baianos, os cariocas, os amigos que fiz logo
que cheguei. Tinha o "Carcará" porque tinha que ter. Antes do LP, fiz
um compacto simples, "Carcará" e "É de Manhã", do Caetano.
Abria o "Opinião" cantando "É de Manhã". Eu pedi.
Cheguei e
falei para o Augusto, "Olha, meu irmão é um compositor, gosto dessa
música, queria entrar cantando". Aí cantei a música, eles adoraram.
Vinicius [de Moraes] deu a maior força. Voltei da Bahia um ano e meio depois,
mas com uma condição: "Não canto 'Carcará'. Só quero cantar música de
amor".
Vim e fiz a
boate Cangaceiro. Era completamente diferente, vestido vermelho, mil perucas,
para quebrar aquilo, tirar. Já estava dona de mim.
Tem
"Carcará" [no novo show], mas não sou eu que canto, não. [ri] São os
meninos. Os meninos fizeram o encerramento deles com "Carcará", de um
modo, sei lá, deles. Os músicos chegaram ali no "Carcará" não sei por
quê. Achei lindo. Ficou lá.
E eu adoro,
porque não canto. Ouço. [ri] Ela nunca foi problema. Sempre foi a maior
maravilha da minha vida. O problema era a burrice das pessoas. Essa coisa
comum: faz sucesso, só quer ouvir aquilo. E eu não estou para isso. Quero
cantar o que eu quero, o que me dá vontade. Deus me deu voz e liberdade para
isso. Então, começaram a me amarrar e falei, "Ih, nem pense, tchau".
Quando disseram "pode fazer o que quiser", voltei.
GRAVADORAS
A Biscoito
Fino é uma gravadora que possibilita ao artista fazer o que quer. Mas eu, antes
da Biscoito, sempre fui assim. Mesmo nas multinacionais, sempre fiz o que quis.
Se tinha pressão, saía, ia para outra. Aí pressionavam lá e eu voltava para
aquela. [ri] Gravei em 1978 o "Álibi", que vendeu um milhão de
cópias, em seguida fiz o "Mel", que vendeu um milhão, e aí eles
queriam dez. Igual "Carcará".
Aí não dá
para mim, aí tem que sair. As gravadoras que lidam com essa coisa de número,
muito custo, não tem outro jeito: Eles têm que correr para o que vende, para o
que as pessoas gostam de ouvir. Aí vira uma conversa ao contrário, porque eles
é que imprimem o gosto, ao mesmo tempo. Então, obrigam a si próprios a fazer
aquilo. [ri] Fica um bate-bola sem graça. Eles já sabem, não tem nenhuma
novidade.
Dentro da
Biscoito, um dia, falando sobre outros artistas, a Kati [de Almeida Braga, que
dirige a gravadora] me perguntou, "Você tem vontade de ter uma espécie de
selo dentro da Biscoito?". Era para fazer uma coisa diferente dos discos
Biscoito Fino, da "cantorona Maria Bethânia".
Fazer uma
coisa mais difícil de ser ouvida, digamos, de ser escolhida. Era uma conversa
antiga minha com o Waly [Salomão]. Sempre gosto de fazer muita coisa ao mesmo
tempo, e o Waly também gostava. Achei uma oportunidade. Aí idealizei o
"Brasileirinho", a gente adorou. Aí ficou a Quitanda [selo da
Biscoito Fino].Tenho o maior orgulho da Quitanda, acho que os discos são todos
lindos, todos. Lógico que tenho as minhas preferências.
O da Rosinha
[de Valença], por exemplo, para mim é um disco inesquecível, na minha vida. No
"Capoeira de Besouro", ele [Paulo Cesar Pinheiro] chegou, "Tenho
um disco sobre Besouro [Mangangá], somente capoeira". Fui à casa dele,
Paulinho me mostrou umas três canções. É lindo.
Meu pai
conheceu o Besouro, quando menino. O Besouro é de Santo Amaro, não viveu o
tempo todo lá, mas ficava no Recôncavo. Meu pai falava sempre muito orgulho, um
homem daquele, um capoeira extraordinário. Um guerreiro do Recôncavo.
Mas disco é
uma coisa que vai durar pouco, vai ter pouco tempo. Tem toda uma melancolia,
toda uma história bonita, mas eu acho que vai sumir naturalmente. E é o mesmo
movimento [das gravadoras], em maior escala. Mesmíssimo movimento. Gravam
aquilo, entra no ouvido, fica, "É disso que eu gosto".
Nem ouviu
outro, para saber. Eram assim as gravadoras, no radinho, agora imagina na
internet, dentro de tudo... [aponta o smartphone e ri] Aí é uma escala imensa.
Mas tem coisa boa que toca. Não sou de ouvir rádio, muito menos esses negócios
[smartphone]. É um pouco de preguiça, igual matemática.
Peço para os
meus sobrinhos netos, para me darem prontinho. Por que é que eu vou perder
tempo, aprendendo isso agora? Não demora, tudo fica obsoleto. É essa correria
do mundo. Não é de agora, mas agora está acelerado, é diferente.
FAUZI ARAP,
BIA LESSA, ELIAS ANDREATO
Fauzi eu
conheci lá [no Arena do Rio]. Ele estava atuando em 1965, fazendo "Dois
Perdidos numa Noite Suja", do Plínio Marcos, segundas, terças. Nas folgas
ele estava lá. Foi quando o conheci. Aí ficamos amigos primeiro, antes de
qualquer coisa. Depois, em 67, é que fomos trabalhar. Mas nunca nos separamos,
nos conhecemos e ficamos juntos.
Em 67 eu
falei para ele que queria fazer outro show de teatro, não mais de boate. Eu
queria fazer teatro. Aí fizemos o "Comigo me Desavim". Foi nosso
primeiro trabalho juntos. é talvez o mais dramático, o mais cheio de
dramaturgia, junto com "A Cena Muda". Muito texto de Fauzi, Clarice
[Lispector], Sá de Miranda, mas principalmente Clarice.
Os shows com
Fauzi são todos teatrais. É um diretor maravilhoso, muito rígido, mas, assim,
uma doçura pura. Quando falo rígido, era assim, "Mentira, não".
Mentiu, para ele, estava acabado. Ele nem respondia. Você podia ser Fernanda
Montenegro de boa atriz que ele sacava que tinha mentira, se tivesse alguma.
Isso foi
muito bom para mim, porque eu acho que é assim mesmo, combina comigo. Ele
gostou de mim por isso, porque eu também dizia, "Isso não está muito na
veia, não".
Bia [Lessa]
é outro teatro, outra praia, mentalidade. Fauzi era o nada, só a verdade
interior. Bia é uma mulher que quer toda aquela verdade interior, mas ela tem o
teatro dela. Um teatro imenso, uma ribalta, que ela venera, que ela é uma deusa
fazendo.
É uma
artista plástica extraordinária, grande criadora. Então, ela faz o espetáculo
junto, o espetáculo dela junto com o meu. Fauzi gostava de tudo nu. Eu dizia,
"Fauzi, bota alguma coisa".
Ele
respondia, "Vou pensar". Aí um dia entrei no palco cantando, olhei
para trás, tinha uma sooombra, mas uma sombra tão tênue que falei, "Era
isso que você falou que ia botar?". Ele falou, "Não está
lindo?". [risos] Fauzi não gostava de nenhum adereço. Era nu e o que
tivesse dentro.
"Palavras"
foi uma coisa pequenininha que fiz para a Universidade Federal de Minas. Eles
têm um programa deles lá, no auditório do campus, Sentimentos do Mundo.
Convidam jornalistas, cineastas, cantores. Abrem o auditório e os meninos, os
alunos, professores, entram e tem uma palestra. Paulinho Pinheiro vai lá e fala
sobre compor ou sobre capoeira.
E me
chamaram para eu fazer uma dessas apresentações. Falei, "Mas vou fazer o
que, cantar no auditório? Isso não está bom". "Não, você poderia
conversar com os alunos." Demorei um pouquinho e aí pensei, "Tenho
tanto texto que trabalho há anos, vou tentar juntar alguns deles e fazer um
roteirinho".
Juntei, dava
uns 35, 40 minutos, e fui. Eu, a viola e Deus. [ri] Botei o pedestal com meu
caderninho anotado, lendo tudo, e de vez em quando o poema me lembrava alguma
canção e eu dizia alguma frase musical. E foi lindo, parecia que a sala estava
vazia, não tinha um ruído. Fui fazendo, adorando, e foi um sucesso.
E aquilo
ficou. Quem me deu uma ajuda, de ter uma coisa um pouco mais rigorosa, foi
Elias Andreato. Que é meu grande amigo e foi aluno de Fauzi. O Elias foi lindo.
Fez uma luz bonita, branca, quadrada. Elias é um grande homem de teatro.
NICINHA
Eu perdi
três pessoas da minha vida, em dois anos foi todo mundo embora. Minha irmã, que
tomava conta de mim a vida toda, minha mãe e Fauzi. Minha irmã é de criação.
Ela era a mais velha de todos. Na verdade, quando meu pai se casou com minha
mãe, ela foi dama de honra.
Tinha três
aninhos. Era filha de um grande amigo de meu pai, morava defronte, atravessando
a rua. Ela gostava de brincar na casa de meus pais. É a história que me contam.
Deu uma tempestade, aí minha mãe mandou avisar que não ia deixar ela atravessar
porque tinha muita água, que ela ia dormir ali.
Ela nunca
mais foi embora. [risos] É lindo. Ficou lá para sempre, nossa irmã mais velha.
E quando eu vim trabalhar ela veio um pouco, mas ela era santamarense muito
enraizada, não conseguia ficar fora. Ela vinha e voltava, vinha e voltava. Aí
chegou uma hora em que falei, em 1972, "Olha, preciso que você venha, não
quero mais ficar sem". Ela veio e ficou direto, a vida toda, enquanto
viveu.
RELIGIÃO
Sou
católica, de berço. Mas nunca fui carola, nunca fui radical, nada. Estudei em
colégio de freiras, e isso até me afastou um pouco da Igreja Católica. Depois é
que voltei, naturalmente. Colégio de freiras é difícil. Metem muito medo, é
muita culpa, Deus me livre.
Deus começa
a ficar feio, difícil, começa a ficar incompreensível, longe. É tudo o que é
errado. Para mim, Deus é perto, Deus é lindo, um gato, é generoso, é simpático,
é bem-humorado. E me vendiam o peixe errado. Então, tive que esfriar, esvaziar
[ri] e voltar com o meu Deus, minha leitura. Foi quando conheci a religião
africana, Candomblé, e fiquei apaixonada pelos ritos.
Acho aquilo
lindo demais, cantar, dançar, comer, vestir, ter aquela alegria. Isso tem
dentro de mim. Por exemplo, para o show dos 50 anos, chegamos a pensar em fazer
somente voz e um instrumento. Falei, "É tudo o que eu quero, porém eu
tenho ritmo dentro de mim, sou do Recôncavo da Bahia, tem horas em que preciso
de outros elementos".
É a mesma
coisa. Não é que tenha abandonado uma religião e escolhido outra, trocado.
Convivo muito bem numa e noutra. Minha mãe católica, completa, mas grande amiga
de Mãe Menininha. Ela e meu pai.
PADRE VIEIRA
Eu fiz uma
leitura, uma única noite, na Igreja da Misericórdia, na Bahia, que é onde o
padre Antônio pregava. Tem o púlpito do Vieira. Nos seiscentos e não sei o que
lá anos, o chefe da Misericórdia pediu para eu fazer uma leitura dos Sermões.
Como sou louca pelos Sermões, falei, "Eu vou!". [ri]
Sou
apaixonada por ele. Já fui a Portugal e li um Sermão dele, aquele brabo, de
Santo Antônio. Ele acaba com a política, é um espetáculo. [ri] É uma coisa
maravilhosa. Eu falo e brasileiro morre de rir, aplaude, [ri] mas português
ficou um pouquinho rosado, assim. [imita constrangimento e ri] Ele é muito
avançado, que homem maravilhoso.
Vai sair a
leitura em CD e DVD. A minha leitura, mas tem o padre Antônio. Como sai pela
ala de literatura e história da universidade, eles pediram alguns personagens
muito fortes, históricos. Então tem o padre, tem o Sepé Tiaraju, que é o índio nosso
do Rio Grande do Sul, dos guaranis, é maravilhoso.
Agora eu
digo um sermão também muito forte, muito útil. Algo assim, "O ministro de
não sei o que rouba? Rouba!". [ri] "Não sei quem leva? Leva
sim!." [ri] Fica engraçado, porque é de mil e seiscentos.
"OPINIÃO",
HOJE
"Opinião"
era um manifesto. Eu sabia exatamente o que era o espetáculo e concordava.
Porque meu pai... Nós todos fomos criados muito pelo lado socialista. Meu pai
era um socialista radical, assim, "Dinheiro o homem tem que ter que lhe
seja útil, nenhum vintém a mais".
Um homem
muito lindo, um estudioso de poesia, mas um homem assim. Então, o
"Opinião" nós sabíamos do que se tratava, e eu apoiava, estava do
lado. Foi o primeiro espetáculo de protesto contra a ditadura, o primeiro
"Não!". "Podem me prender/ Podem me bater/ Que eu não mudo de
opinião." Continuo [socialista, hoje]. Minha cabeça é essa. Meu pensamento
é esse.
Estou com
muita pena do Brasil. Acho que o Brasil é tão lindo, mas... Tenho pena do
Brasil, mas eu não desanimo, não. Porque acho o Brasil maior. De algum modo o
Brasil ganha, consegue passar. Eu espero. Eu já vi gratas respostas do Brasil,
lindas respostas, e não falo somente das pessoas, não.
Falo da
floresta, falo das águas. Você vê que está todo o mundo zangado. A água foi se
aquietar, está esperando para ver se ela volta ou não. [ri] Ela já falou,
"chega, está bom para mim, vou chegar ali um pouquinho, na volta a gente
vê". Isso eu acho lindo. No mundo, o Brasil particularmente está... E é a
terra da água.
Na Amazônia
está demais, está tudo dez metros acima. Eu estive lá, no ano passado. Ir lá é
útil, tem que ir. Aí talvez você compreenda um pouco o que digo, que o Brasil
tem uma autoridade. O Brasil aceita um pouco, mas ele se manda. Tem uma hora em
que ele levanta a cabeça.
Lá no
Amazonas você chega e já fica muito pequeno. Adorei ver o telejornal lá. A
grande chamada local era assim, "Foram encontrados os corpos de dois
homens que saíram para não sei o quê".
Aí pensei,
"Também aqui matam?". Mas chega de noite e, na cabeça do "Jornal
Nacional", "Foram encontrados. A onça comeu". [risos] Achei isso
maravilhoso. [ri] Não morreu de bala, nada disso. "A onça comeu!"
[gargalhadas] Eu quero é mais. Você olha Brasília e fica looonge. [ri] "A
onça comeu!" Isso eu acho maravilhoso.
BETHÂNIA E
AS PALAVRAS QUANDO25, 26 e 28/2, 21h;
1º/3, 18h ONDETeatro Paulo Autran,
Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400 QUANTOde R$ 18 a R$ 60
(vendas a partir de 17/2)
ABRAÇAR E
AGRADECER QUANDO14, 19 e 21/3, 22h;
15 e 22/3, 20h (ingressos esgotados) ONDEHSBC Brasil, r.
Bragança Paulista, 1.281, tel. (11) 4003-1212
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
QUANDO 25, 26 e 28/2, 21h; 1º/3, 18h
ONDE Teatro Paulo Autran, Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO de R$ 18 a R$ 60 (vendas a partir de 17/2)
QUANDO 14, 19 e 21/3, 22h; 15 e 22/3, 20h (ingressos esgotados)
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