S. João do Porto

DO TEXTO:

S. João: É Povo na Rua


Dos santos populares de Junho, o S. João Baptista é o que mais se festeja na Europa – João, Joan, Jean, John, Iván, Sean, consoante o país onde a festa aconteça.


Mas é na cidade do Porto que as celebrações em seu louvor atingem o mais alto grau de espontaneidade. Festa grande, de tirar o ventre de misérias, o S. João tripeiro* tem de ser entendido como uma grande manifestação de massas, eminentemente festiva, de puro cariz popular e que dura toda uma noite, com uma cidade inteira na rua, em alegre e fraterno convívio colectivo.

Festa cíclica, de raiz nitidamente pagã, o S. João do Porto assenta, fundamentalmente em “sortes” amorosas, encantamentos e divinações que se devem relacionar, por um lado, com o casamento, a saúde e a felicidade, mas que andam também estreitamente ligadas aos antigos cultos pagãos do Sol e do fogo e às virtudes das ervas bentas, ao orvalho, às fogueiras, à água dos rios, do mar e das fontes.

Quem saltar a fogueira na noite de S. João, em numero ímpar de saltos e no mínimo três vezes, fica por todo o ano protegido de todos os males .Diz a tradição que as cinzas de uma fogueira de S. João curam certas doenças de pele. Para certos males, são benéficos os banhos que se tomem na manhã do dia de S. João, mas antes do Sol nascer. No Porto, os que se tomavam nas praias do rio Douro ou nos areais da Foz, valiam por nove...

As orvalhadas têm a ver com a fecundidade. Uma mulher que se rebole de madrugada sobre a erva húmida dos campos (“...para tomar orvalhadas / nos campos de Cedofeita”) fica apta para conceber. Segundo um conceito antigo as orvalhadas eram entendidas como o suor ou a saliva dos deuses da fertilidade. Uma outra velha tradição assegura que os namoros arranjados pelo S. João são muito mais duradouros do que os que se formam pelo Carnaval “que não vêm chegar o Natal..."

Um antigo costume são-joanino consiste em fazer subir balões confeccionados com papéis de várias cores. Sobem ao ar como sóis iluminados sob o impulso do fumo e o calor de uma chama que consome uma mecha de petróleo ou resina. Estas práticas são velhos resquícios de um antigo culto ao Sol. S. João é também casamenteiro. Ao toque da meia noite a menina casadoira atira um cravo para a rua. Se for apanhado por um rapaz, em breve ela casará. O mês de Junho passa célere por entre o canto fruste das cigarras e a risada vermelha das papoilas. Mas a folha da oliveira também entra no sortilégio das cantigas de amores: “Ó meu S. João Baptista / ouvi-me que eu sou solteira / destinai o meu marido / nestas folhas de oliveira...” Havia no Porto, ainda há relativamente pouco tempo, o costume de se erguerem arcos de madeira com que se enfeitavam determinadas ruas para a grande festa. O cimo desses arcos terminava em triângulo, que era a forma ou o símbolo do Sol para certas religiões antigas.

O cristianismo soube, de forma inteligente, reconheça-se, cristianizar as festas pagãs em geral e o S. João em particular. O nome do santo percursor passou, depois disso, a dominar e a proclamar uma festa que no Porto se celebra na noite de 23 para 24 de Junho com desfiles de marchas, arraiais nos quatro cantos da cidade e bailaricos. O S. João do Porto é o povo na rua, a multidão que transborda de avenidas, praças e ruas, desemboca de vielas e azinhagas, de alho porro na mão ou brandindo o martelinho, mas sempre com um chiste travesso na boca, a descambar, em regra, para o brejeiro mas que atirado ao ar em jeito de chalaça assume o sentido de um verdadeiro hino de solidariedade.

É este cheiro a gente, a manjerico e erva cidreira, é esta poesia popular impregnada do espírito folgazão do povo que enche Junho no Porto e se expande do coração da gente, sobe ao ar como um fogo de artifício que estreleja e ilumina a noitada.

Nas ruas mais centrais que, nessa noite, até ao nascer do sol, registam invulgares enchentes de povo, aparecem à venda as ervas santas e plantas aromáticas com evidente predominância do manjerico, a planta símbolo por excelência desta festa; o alho porro, em que muitos julgam ver reminiscências de antigos cultos fálicos; os cravos e a erva cidreira. Estas e outras ervas, por virtude especialmente do orvalho da noite, possuem, no entender do povo festeiro, virtudes especificas que são indiferentemente utilizadas com fins terapêuticos; para garantir amores felizes ou casamento próximo; resolver com sucesso empreendimentos em negócios ou como protecção contra os raios e os maus olhados.



Mas a tradição portuense criou uma outra forma única de festejar o S. João, ao colocar a sua imagem na típica “cascata” – verdadeira obra prima de imaginação criativa e de primorosa execução artística exclusivamente tripeira. Lá está a figura do santo com o seu inseparável símbolo, o bíblico carneirinho que por sua vez, aparece associado a elementos pastoris e ao rebanho que nos traz à memória o manjar tradicional desta quadra festiva: o anho ou cabrito assado com batatas assadas e arroz de forno. Mas também não faltam, em arraial que se preze, a sardinha assada na brasa e o caldo verde da praxe e, ao calor das fogueiras, o café acompanhado pelo pão quente barrado com manteiga.

Germano Silva
Porto Turismo
__________________________________________________________*Os naturais do Porto são conhecidos, no resto do país, como "tripeiros", designação que, segundo a lenda, se deve ao sacrifício que fizeram para apoiar a preparação da armada para a conquista de Ceuta, em 1415: diz-se que ofereceram aos expedicionários toda a carne disponível, ficando apenas com as tripas, razão pela qual o prato tradicional da cidade ainda é, hoje em dia, as "tripas à moda do Porto".

5 Comentários

Comentários

  1. Olá Armindo!

    Por acaso pensei hoje, para comigo! "O Armindo, deve estar a preparar a cabeça, para logo à noite, levar marteladas.Ehehehehehe.

    Pois é noite de S. João e há festa no Porto.É feriado também não é verdade?

    Gostei das vossas tradições e saber que também saltam a fogueira na véspera!

    Eu quis por um post, também, sobre
    S. João que é padroeiro da Ilha Brava, mas não tinha muita informação na net.
    É a grande festa na Brava. Hoje, falei com a minha mãe ao telefone e, ela e disse-me, que começaram a festejar desde ontem.

    Desejo-te uma boa festa de S. João, com umas boas marteladas na cabeça. Eheheheheh

    Beijinhos

    ResponderEliminar
  2. Ah Armindo!

    Esqueci de te dizer, que além dos nomes que mencionaste, para S. João, faltou o S.Djon, "S.João"que é como é conhecido na Brava.

    Não digas que não te ensino o crioulo, de Brava! Eheheheheh

    Boas festas Populares.

    Beijinhos

    ResponderEliminar
  3. Olà Mindo! eu tambem gostaria de me encontrar là junto com tigo à volta de uma fogueira e com uns garrafoes de vinho ligados a uma mangueira par juntos apanhar-mos uma grande burracheira. Mas tudo isto Mindo é so para a brincadeira porque nos aprecia-mos mais um café la na ribeira.Abraços

    ResponderEliminar
  4. Olá Armindo!

    Gostei de ler sobre as festas de S.João, embora você já tenha me contado. Muito interessante.
    Você vai,ou já está lá...

    Espero, se for, que pule a fogueira em número impar de vezes e mais de trêss, para nada de ruim te aconteçer.

    Ótima festa!

    Parabéns pela bela postagem.

    Beijos mil,
    Carmen Augusta

    ResponderEliminar
  5. Oi Armindo!

    Imagino como deve ter sido boa a festa na véspera do dia de São João! Deve ter passado à noite na folia, por isso nem andou por aqui hoje.

    E os cabritos assados com arroz de forno e batatas comeram bastante? As sardihas assadas? Ai que tanta comida gostosa, é de dar água na boca só de pensar!

    E o café com pão, fiquei ainda mais a pensar seu portuga, você que é um louquinho por café, deve ter tomado bastante!

    E a Dina lembrou bem, as marteladas foram muitas? Ah, coitado! Ehehehhehehe

    Ja dormiu muito, acorda, vem aqui no blog e veja o que se passa dorminhoco!

    Muito bom a Festa de São João do Porto, eu já conhecia, pois o ano passado você tinha me enviado uns arquivos falando dessa festa lembra?

    Parabéns pelo post e um beijo grande!

    Mazé Silva

    ResponderEliminar