50 anos de Reinado

DO TEXTO:

Roberto Carlos comemora cinco décadas de carreira com espírito renovado: está saindo mais de casa, voltou a contar piadas e agora prefere "ficar" do que namorar.

Como em um de seus maiores sucessos, "uma força estranha" parece mover o momento atual de Roberto Carlos.

Prestes a dar a largada dos 50 anos de carreira, ele inaugura uma nova fase de vida - mais alegre e solar. A cor marrom o incomoda menos, as superstições vão sendo esquecidas e até faz piada sobre o Transtorno Obsessivo Compulsivo do qual é vítima.

"Se já canto 'se o bem e o mal existem', quem sabe daqui a pouco não encaro o 'e que tudo mais vá pro...", disse Roberto no cruzeiro Emoções em Alto-Mar, que realiza religiosamente a cada ano desde 2005 e cuja última versão aconteceu entre os dias 7 e 11 deste mês.

Em tempo: a frase completa, com a palavra que ele ainda não consegue pronunciar, é "e que tudo mais vá pro inferno", justamente a música que o lançou ao estrelato.

Aos 67 anos, o Rei estreia como candidato a celebridade no Rio de Janeiro, onde mora - melhor seria dizer onde se esconde. Melhor ainda: onde se escondia. Os cariocas, acostumados a nunca ver Roberto Carlos, a não ser em fotos ou quando aparece na sacada de sua casa, na Urca, se surpreendem: agora o cantor sai para jantar e é flagrado dirigindo um de seus carros pela orla.

Também em São Paulo, Roberto tem dado o ar de sua graça. Recentemente, foi jantar na filial paulistana do restaurante Antiquarius e causou alvoroço.

Funcionário do estabelecimento há 31 anos, Evaldo Aragão é quem sempre anota os pedidos do artista desde os tempos em que o atendia na matriz carioca. Ele conta que o Rei não costuma fazer exigências - ao contrário, pede sempre o mesmo prato, bacalhau a lagareiro, com "Um vinho em especial o encantou aqui, na noite em que ficou noivo de Maria Rita: o Aliança, que se tornou escolha constante até sair do mercado", diz Aragão.

Da última vez, ele estava com um seleto grupo de amigos e foi a simpatia em pessoa. A pergunta constante é se tem nova companhia feminina. Ninguém sabe. Há rumores de que o cantor estaria namorando uma estudante paulista de 24 anos. Ele descarta a especulação, mas diz que anda gostando da moda do "ficar", adotada pelos jovens de hoje.

"Vivo de acordo com a época. Todo mundo tem direito ao que é bom", diz o Rei com o rosto vermelho, aparentando estar envergonhado pela franqueza. Admite casar-se novamente sem, entretanto, dar dicas sobre a possibilidade de um romance.

O novo Roberto cuida do corpo e disso não se envergonha. Ele diz que malha sim, e muito, para se manter jovem: "É sempre muito bom poder tirar a camisa de luz acesa." A referência, claro, remete a um encontro sexual. A passagem do tempo o incomoda e muito.

"Envelhecer, bicho?", pergunta com uma gíria que ele não abandona desde os tempos da jovem guarda, nos anos 1960. "Na verdade, não tenho medo da velhice. Tenho pânico! Faço tudo que posso para evitar ou enganar isso. De todas as formas, física e mental." No primeiro caso, não se trata apenas de malhação.

O Rei assumiu ter feito cirurgia plástica para dar "uma puxadinha" no pescoço e amenizar uma cicatriz no queixo. Nada de mais.

Essa boa fase é percebida pelos amigos. Para o produtor musical Nelson Motta, que participou de seu último programa especial de fim de ano, Roberto é quase outra pessoa: "Sendo alguém que não gosta de mudar, fazer um disco de bossa nova com Caetano Veloso foi uma grande novidade." Com acesso direto aos bastidores do espetáculo, apresentado no Rio de Janeiro e em São Paulo, a diretora do show, Monique Gardenberg, fala sobre a disciplina nos ensaios: "Lembrava mais um menino em busca de seu espaço do que um rei aclamado."

O humor parece ter renascido. Seu parceiro mais constante, Erasmo Carlos - 51 anos de amizade - aponta uma característica do cantor, perdida desde o falecimento de sua mulher, Maria Rita: Roberto voltou a contar piadas. "Ele tem sempre uma anedota na ponta da língua", diz Erasmo.

Na autobiografia que lançará em junho, ele incluiu histórias compartilhadas com Roberto, como a que envolve a composição de Sentado à Beira do Caminho, um dos maiores sucessos da dupla. Os dois trabalharam por dois meses na canção até que, exausto num dos encontros, Roberto tirou um cochilo e acordou com as frases: "Preciso acabar logo com isso. Preciso lembrar que eu existo." Tinha encontrado o refrão da música.

"Ainda lembro da marca do botão da almofada no rosto do Roberto, quando ele levantou meio atordoado", lembra Erasmo.

A espirituosidade do Rei, que volta agora nesse meio século de carreira, foi comprovada em sua temporada em alto-mar: ele chegou dirigindo um calhambeque, tema de seu grande hit da jovem guarda. A bordo do navio italiano Costa Mágica, 3.070 fãs pagaram no mínimo US$ 1.500 (preço da cabine mais barata) para assistir aos shows, quase intimistas. Ao todo foram três espetáculos num teatro com capacidade para cerca de 1.300 pessoas.

O humorista Tom Cavalcante, que também se apresentou no cruzeiro, disse que levou o maior susto quando viu Roberto Carlos na plateia: "Foi uma honra muito grande. Ele está mais festivo, entrou no camarim fazendo brincadeiras.

Segundo Dody Sirena, empresário de Roberto Carlos, nem a crise da indústria fonográfica tira o sorriso de seu rosto. Roberto continua recebendo convites para cerca de 500 shows por ano, cobrando um cachê de aproximadamente R$ 1 milhão. O cantor se dá ao luxo de não disponibilizar oficialmente nenhuma canção no formato digital. "Estamos esperando o mercado aquecer mais um pouco. A indústria vai se modernizar. E estaremos lá", diz Sirena.

As comemorações de 50 anos vão começar oficialmente em abril. Para o artista, que cantou pela primeira vez ainda criança em uma rádio de sua cidade natal, Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, o início de sua carreira se deu quando ele fez da música profissão.

O marco é a contratação como crooner pela boate do Hotel Plaza, em Copacabana, no Rio de Janeiro, em 1959. Sirena adianta que a celebração será histórica, com direito a show no Maracanã, CD com composições inéditas e turnês nacional e internacional.

Até para o Guinness, o livro dos recordes, o artista vai entrar como o cantor que vende mais discos em língua não-inglesa. Aproveitando a onda dos musicais, Roberto será tema de mais um, com a assinatura da premiada dupla Charles Moëller e Claudio Botelho.

E vai embalar o filme À beira do caminho, de Breno Silveira, o mesmo do arrasa-quarteirão 2 filhos de Francisco. O artista Roberto Carlos merece toda essa festa. Afinal, ele é o Rei.

Por Renata Cabral

ISTOÉ - Independente

Roberto Carlos - Côncavo e Convexo

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