António Araújo: "Queremos que nos leiam"

DO TEXTO:
Foto Gonçalo Villaverde/Global Imagens

António Araújo, diretor das publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos, faz o balanço de 9 anos de livros para dar a conhecer Portugal

Lina Santos

"Um milhão de livros", lança António Araújo, enquanto posa para a fotografia. A justificação vai na direção de Maria João Valente Rosa com quem se cruza no corredor do sétimo andar da sede da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Lisboa. "Vai já para a Pordata", brinca a diretora da plataforma de compilação, análise e estudos de estatísticas de Portugal para o diretor de publicações da instituição.

Esse milhão de livros de que fala António Araújo é aquele que chegou às mãos dos portugueses desde 2009, ano em que ele próprio se tornou curador da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), entre os exemplares vendidos e os oferecidos a bibliotecas.

Pelas suas mãos (e olhos) passam todos os ensaios e retratos e recebe o DN para uma conversa em torno dos nove anos de edições que a Fundação Francisco Manuel dos Santos assinala em 2018 e a propósito dos novos lançamento editoriais - esses livros de 3,5 euros que, relembra, foram alvo de críticas por serem vendidos na rede de supermercados Pingo Doce, detidos pelo grupo Jerónimo Martins que financia a instituição. "Há um projeto de chegar às pessoas. Se não temos fins lucrativos, queremos que nos leiam", diz falando do livro Silêncio na Era do Ruído (um dos vários que cita), escrito por Erling Kagge, norueguês, editor, que usou o mesmo canal de distribuição.




"A grande clivagem 
na sociedade 
portuguesa é entre elites 
e não elites"





Começaram nos Ensaios, cresceram para os Retratos, reportagens alargadas, em 2015. A primeira foi de João Pedro George, Prematuros. "Ele é pai de uma criança prematura, e o que ele notou é que não havia uma publicação sobre o assunto". Este mês, foi lançado Filhos da Quimio, de outro jornalista, Nelson Marques, que se estreia nos livros.

Promete para 2019, um sobre idosos, um assunto a que a FFMS pretende dar atenção. "Normalmente, não repetimos autores, até porque há muita gente com qualidade a querer escrever, mas para o ano vamos ter um sobre idosos. "Ainda estou a afinar [a abordagem] com a autora, Ana Catarina André [autora de Os Peregrinos, outro retrato da coleção]".

"Nos Retratos há um mundo para falar", afirma. "Quando começamos esta coleção, havia os ensaios. Temos os estudos que são o produto da nossa atividade, com conhecimento primário. Para o grande público pode não tem interesse imediato e por isso estamos a fazer um esforço para ter umas sinopses alargadas, de 20, 30 páginas, de distribuição gratuita, como são os nossos estudos".

Com os ensaios, uma ideia de António Barreto, primeiro presidente da FFMS, "era fazer textos de autor". "Procuramos que tenham opinião. Se está o professor Sobrinho Simões a escrever sobre cancro é mais didático do que opinativo, ainda que tenha a opinião dele, como eminente cientista e investigador".

Estes livros são já 81 e, aceita, ainda há "lacunas". Crime, por exemplo. "Talvez por dificuldade em encontrar o autor certo. Queremos um estudo académico, não temos sobre transportes. Sobre energia iremos ter. Ainda faltam..."
E, de futuro, mais a FFMS até vai ter mais economia. "Porque isso também depende muitos dos presidentes e da sua marca". António Barreto (2009-2014): "Mais virada para a sociologia e tivemos uma preocupação grande com questões que não eram faladas - a demografia, o inverno demográfico, o envelhecimento, as crises de natalidade, muito em ligação com a Pordata". Nuno Garoupa (2014-2016): "Tem muito interesse em Direito e Economia e tivemos algumas coisas sobre justiça e tribunais. Jaime Gama (desde 2016): "Devido à crise económica muito aguda, teve a perceção que nos devemos preocupar com a sustentabilidade da nossa dívida, o endividamento dos portugueses, questões como a precariedade do emprego. Cresceu mas é mais precário porque é do turismo, qual o risco da terceirização da economia. Como é que Portugal está no sector secundário? Como é que o ensino está a dar resposta a isso? Será que o ensino deve preparar para o mercado trabalho?" E, nota, as publicações terão de falar do sistema financeiro e bancário. "Um banqueiro português pode ser mais sensível às pequenas e médias empresas? Qual o lugar no sector secundário?".

Retratos, longas reportagens

Regressamos os Retratos, 30 títulos desde 2015 (regionais, institucionais ou mais pessoais). "O que senti necessidade, quer pela missão de Fundação, quer por se notar uma lacuna no mercado editorial português. São livros ainda mais subjetivos, porque os ensaios têm uma carga científica, académica, e estes são experiências mais localizadas e também sentimos interesse do ponto de vista dos potenciais autores, jornalistas e escritores. Já tivemos Rentes de Carvalho, Bruno Vieira Amaral e agora vamos ter Luísa Costa Gomes". Uma reportagem longa sobre a Costa de Caparica, onde a autora vive, que "foge um bocadinho ao padrão dos romances e contas dela". "Não é uma monografia, mas é um retrato dela, com trabalho de investigação, típico de um jornalista."
Em preparação está um retrato do Açores, segundo Joel Neto, outro sobre o Buçaco, mais adiante sobre o Algarve, talvez Afonso Cruz sobre cervejas ("Nós também alinhamos no trendy", ri-se). "Não estamos a querer cobrir o território de Portugal todo como o guia de Raul Proença, mas era interessante ter o conhecimento do País desta forma".

"Também entendemos que com alguma crise na comunicação social, aquilo que estamos a fazer na coleção Retratos são as grandes reportagens que existiram. Aquilo que os americanos chamam long reads [leituras longas] não têm muito espaço nos jornais e isso acaba por se repercutir no trabalho dos jornalistas, que têm de fazer um trabalho mais imediatista, mais sob pressão", explica. "Sinto que há frustração no trabalho que desenvolvem, porque há sempre coisas que ficaram por escrever, portanto, acabámos por dar oportunidade aos jornalistas, porque faz parte da missão da fundação".

Mais:"Subitamente, eu notei que há uma série de pessoas disponíveis para escrever. Seja porque entraram em precariedade, seja porque o horizonte é mais incerto, há pessoas e há aqui um efeito mimético. Se começam a aparecer autores e jornalistas com qualidade, os outros também querem. Há muitos que sou eu que contacto, alguns vêm com uma proposta."

"Eu quando contacto um autor é porque li alguma coisa interessante. Foi assim, por exemplo, que falei com o Ricardo J. Rodrigues [repórter da Notícias Magazine]. Ele tinha publicado aquela história dos lobos. Acabou por enriquecer o Retrato em relação à reportagem, e é muito interessante porque são duas comunidades que se estão a destruir uma à outra, a dos homens e dos lobos. Não é recuperar um Portugal ruralista, mas é mostrar um Portugal que não se fixa em Lisboa".

O título é Malditos - Histórias de Homens e Lobos, e vai ser lançado em audiolivro, como Alentejo Prometido, de Henrique Raposo, A Porteira, a Madame e Outras Histórias de Portugueses em França, de Joana Carvalho Fernandes, Longe do Mar, de Paulo Moura, e Trás-os-Montes, o Nordeste, de J. Rentes de Carvalho.

Pergunta-se pela reação dos leitores a estes formatos longos. "Tem tido uma adesão muito grande". "Nós não produzimos papel para ficar aqui. Ainda que tenhamos canais de distribuição fora do mercado livreiro muito apoiados, a rede de supermercados Pingo Doce, nós não somos uma entidade com fins lucrativos, o que dá uma grande tranquilidade a quem dirige a coleção de livros, é uma grande privilégio para mim", afirma. As publicações ocupam 320 mil euros do orçamento da FFMS, como estará no Relatório & Contas de 2017.

"Não quer dizer que eu edito o que quero, tenho de cumprir a missão da fundação, mas tenho uma liberdade grande", afirma António Araújo, nascido em 1966, mestre em Direito, doutor em História Contemporânea, professor universitário, assessor do Tribunal Constitucional, consultor de assuntos políticos do Presidente da República, autor do blog Malomil e leitor voraz, mas modesto. "Não leio o que devia e o que gostava. As pessoas é que leem pouco".

Como é como editor? "É quase impossível que a minha subjetividade não esteja naquilo que li, mas eu não sou um editor que edita os livros de que gosta, é uma fundação e procuro que os critérios se adequem à missão estatutária ["estudar, divulgar e debater a realidade portuguesa. Com liberdade e independência", resume o site] e que tenham qualidade e que sejam objetivamente interessantes e do interesse do público". A mesma liberdade e independência que diz ter nas suas escolhas. "Nunca recebi um telefonema para contratar ou descontratar um autor e quem fala em autor".

A aposta na inovação tecnológica e nas plataformas online da FFMS estava nas perspetivas de 2017, resumidos no Relatório & Contas de 2016. Diz o diretor de publicações, "nunca vamos deixar e ter o objeto físico". "Não estou contra o digital", sublinha. "Estou contra formas mais imediatistas e repentistas de assimilar a informação, através de twitters, poucas palavras. Estamos nas redes sociais como anúncio, mas temos de distinguir do universo o que podemos ter como instrumentos para anunciar e plataformas de venda e leitura", diz. "Se é aí que os jovens estão é aí que devemos estar". Sobretudo, aqueles que têm entre 12 e 25 anos. "Só as leituras juvenis é que acabam por nos marcar muito", diz. É o que demonstra o psicólogo holandês Douwe Draaisma em Nostalgia Factory. Obra citada por António Araújo.

In DN

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