Os pais da música surfe brasuca ainda são uma onda

DO TEXTO:


Era ele, Manito, o saxofonista de Os Incríveis, um dos grandes grupos da Jovem Guarda



Recentemente, em Belo Horizonte, a gente batia um papo, Arnaldo Antunes, Lula Queiroga e eu, no backstage, de um dos palcos do Conexão Vivo na Praça da Liberdade. Um senhor, magrinho, baixinho, cabelos acaju, olhos pequenos e muito azuis aproximou-se. Passou um tempo escutando, em seguida pediu desculpas por interromper a conversa. Queria cumprimentar Arnaldo Antunes. Foi muito rápido, até meio tímido. Teceu uns dois ou três elogios. Antes de ir embora. Disse seu nome: “Manito, vou tocar com o grupo”. Todos ficamos boquiabertos! Era ele, Manito, o saxofonista de Os Incríveis, um dos grandes grupos da Jovem Guarda, do sucesso O milionário, que toda bandinha de garagem aprendeu a tocar nos idos de 1967.


Os Incríveis tinham um, pra usar o termo da hora, “diferencial”, em relação a outros conjuntos de iê iê iê: tocavam muito bem, não faziam músicas tão ingênuas e evoluíram. Nem sempre caminhando na linha certa. Entre 1970 e 1972 foram dos que mais gravaram a dupla Dom & Ravel, que assinaram canções ufanistas de suporte à ditadura, como a marcha Eu te amo meu Brasil. Numa época em que não se podia usar símbolos nacionais, a não ser em solenidades oficiais, Os Incríveis lançaram, em 1971, um compacto simples com o Hino Nacional e o Hino da Independência.

Pra juventude alienada de então, o grupo continuava sendo ídolo, mas para a esquerda, sobretudo os radicais jornalistas e cartunistas do hebdomadário O Pasquim, traidores, oportunistas ou arrivistas. Salvo engano, Os Incríveis foram vítimas do cruel Caboco Mamadô, personagem do cartunista Henfil. Eu te amo meu Brasil foi um sucesso, com perdão do trocadilho, incrível, em 1970. Dom & Ravel provavelmente a compuseram inspirados na marcha Pra frente Brasil, de Luis Gustavo, o hino oficial da seleção de 70.

Manito era, e ainda é, grande saxofonista e tecladista. Em 1974, ele já tava noutra. Tempos de rock progressivo, Mutantes, Casadas Máquinas, Som Nosso de Cada Dia, foi neste último que ele tocou, para depois voltar a Os Incríveis, que chegaram aos 2000, embora sem o mesmo sucesso dos anos 60 e começo dos 70. Manito tava em BH como convidado dos Jordans, o único grupo instrumental da Jovem Guarda ainda na estrada (o The Pop’s também continua por aí, mas não chegou a ser exatamente da Jovem Guarda). É certo que passaram 15 anos parados, mas voltaram com gosto de gás. Como ratificaram as pouco mais de mil pessoas que foram à bela Praça da Liberdade, naquele sábado.


Muitos nem tinham idéia do que iriam ouvir. Começaram com Blue star, um dos mais melodiosos instrumentais da época. “Ah, é surfe”, exclamou alguém na platéia, quando irromperam as guitarras de Aladim (solo) e Sinval (base), com o baixo de Tony, os três da formação original do grupo, que começou em 1958, no programa de Tony Campelo e Cely Campelo. O pessoal de BH parece sentir nostalgia do mar que não existe por lá. Até um Festival de Surfe Music (sic), rola em Minas.

O que o The Jordan toca flui leve e solto. O esforço que bandas instrumentais fazem para conseguir aquele som encorpado dos Shadows, Ventures e dos próprios Jordans, Aladim, o guitarra solo tira com a maior facilidade. É a praia dele, e nem tão com as guitarras vintage, que com a qual tocavam nos idos dos 60 (lançaram o primeiro álbum em 1962). O baixista Tony, ainda tem o baixo inglês, comprado naquela década. Eles eram presença constante no programa Jovem Guarda. A influência maior eram The Shadows e The Ventures, os dois mais célebres grupos do gênero. Houve outros como o Pipelines, Santo & Johnny (do clássico Sleepwalk), Dick Dale (de Mirslou), que ficou famoso mesmo quando Mirslou entrou na trilha de Pulp fiction, de Tarantino, mas nada comparável a guitarra Fender de Hank Marvin, dos Shadows, banda que começou acompanhando Cliff Richard.
Os Shadows eram ingleses, e a Inglaterra fascinava músicos brasileiros de rock nos anos 60, e 70. Em 1967, Aladim, Tony e Sinval foram conhecer Londres. Conheceram mais do que a capital do império britânico. Conheceram os deuses da Inglaterra, os Beatles:


“A gente queria ver eles, e ficou num restaurante, quase em frente à gravadora, onde eles mixavam Yellow submarine”. Uma tarde a gente tava no restaurante e entraram Ringo e Paul. Falamos com eles e dissemos que tocávamos num conjunto de rock brasileiro. Eles ficaram interessados, e nos convidaram pra ir com eles ao estúdio. George não tava lá, mas John tava e também se interessou. Ringo sentou na bateria e começou a tocar uma coisa parecida com bossa nova. John quis saber o que a gente tocava. Tocamos alguma coisa, depois eles se juntaram. Quer dizer tocamos com os Beatles, não foi em público, mas tocamos”, ri o veterano baixista. Que perto na casa dos 70, volta à estrada e aos palcos: “Acabamos de gravar um disco, o pessoal jovem se interessa novamente ela música que tocamos”. E tome Tema de Lara, Apache, Noites em Moscou, Love is blue...

http://ne10.uol.com.br/coluna/toques-digitais/
Publicado em 06.05.2010


Eu te amo meu Brasil, Dom & Ravel







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