O pequeno sobrado de número 13 na rua João de Deus Madureiro, em Cachoeiro do Itapemirim, interior do Espírito Santo, amanheceu mais triste na segunda-feira 19. Em silêncio, apenas com o som do farfalhar da bandeira preta hasteada na fachada da casa entrecortando os ambientes. A quietude do lugar marcou o luto vivido para homenagear os moradores mais ilustres do endereço. Foi ali que a costureira Laura Moreira Braga ensinou os primeiros acordes de piano e violão ao seu filho caçula, Roberto Carlos. Foi lá também que o garoto aprendeu a rezar e onde se tornou devoto de Nossa Senhora, santa que serviria - anos mais tarde - de inspiração para uma das músicas mais tocadas nas rádios no Brasil. Foi a casa onde a costureira, lançada à condição de Lady, transformou o menino em Rei.Música e religiosidade.Entre tantas, estas duas certamente foram as principais heranças deixadas por Lady Laura a Roberto Carlos. E isso dá a exata dimensão da dor embutida em cada lágrima do cantor ao sepultar a mãe, na ensolarada manhã daquela segundafeira, no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, na zona oeste do Rio. O cantor, com mais de 100 milhões de discos vendidos e acostumado a fortes emoções, chorou. Muito. Copiosamente. Estava abatido, desolado. Havia perdido o pilar mais importante dos seus 69 anos de vida completados, aliás, no mesmo dia.Lady Laura faleceu às 18h20 do sábado 17, aos 96 anos, vítima de uma infecção pulmonar agravada por duas paradas cardíacas. No dia 30 de março, ela fora internada na Unidade de Terapia Intensiva do hospital Copa D'Or, em Copacabana, de onde não conseguiu mais sair.O cantor soube da perda na mesma noite, logo após o show que fazia em Nova York - seu último pela turnê comemorativa dos 50 anos de carreira. Coube ao empresário dele, Dody Sirena, dar a triste notícia. Muito emocionado, Roberto desabou em lágrimas ainda no camarim e não voltou ao palco para o tradicional 'bis'. "Ele ficou muito abalado e lamentou não ter chegado a tempo de dar o último beijo na mãe ainda em vida", relatou Dody. O maestro Eduardo Lages avisou a plateia que lotava a casa de espetáculos que o show estava encerrado devido à morte de Lady Laura e pediu uma salva de palmas em homenagem a mãe do cantor.Tristeza na volta"Vou enterrar a minha mãe no dia que ela me trouxe ao mundo", disse o cantor ao empresário no voo em jato fretado de volta ao Brasil. Foi uma das poucas manifestações de Roberto nas nove horas e meia de voo entre Nova York e o aeroporto do Galeão, no Rio. Na bagagem, lembranças que o faziam chorar a todo instante e o pesar de não estar ao lado da mãe em sua despedida.Durante o período de internação, Roberto sempre esteve presente e fazia visitas diárias.Médico de Lady Laura há 20 anos, o doutor Milton Kazuo Yoshino destacou que a relação entre os dois sempre foi permeada de muito amor. Quando viajou para os Estados Unidos, Roberto ligava diariamente para o médico e para a família querendo saber notícias.Seu último telefonema foi duas horas antes do show que fez no Radio Music Hall, para a enfermeira particular da mãe. "Quando ela saiu do respirador, falava normalmente. Dizia que estava na hora de ir embora. Ela era uma pessoa muito positiva, não ia admitir morrer sem lutar. Em nenhum momento deixou de ter esperança. Os dois trocavam palavras de conforto, conversavam muito e ele não demonstrava a ela sua preocupação. Dona Laura estava bem, tanto que ele decidiu viajar. Ela estava confiante na sua recuperação e o Roberto sempre teve esperança que ela ficaria bem", conta o doutor.O tratamento carinhoso entre filho e mãe fica evidente em um episódio relembrado pelo médico. Prestes a ser internada, Lady Laura pediu a Yoshino que avisasse Roberto. Mas, ao olhar o relógio e perceber que eram 12h, ela impediu o médico: "Não faça isso, doutor. Meu 'menino' ainda está dormindo", pediu. O doutor, então, alertara que já passava do meio-dia, sendo retrucado em seguida por ela. "Ah, ele trabalha muito. Tadinho..."Uma ligação muito forte, desde o nascimento. Lady Laura deu à luz o caçula em sua própria cama. "A parteira veio até aqui e ele nasceu no quarto da mãe", conta Luiz Banguê, um dos organizadores da Casa de Cultura Roberto Carlos, que funciona na antiga moradia do cantor na pequena cidade do Espírito Santo. Entre as lembranças de Banguê, ele conta do quintal onde Roberto - ainda criança e apelidado de 'Zunga' - observava a mãe cuidando do jardim. Foi a partir disso que ele adquiriu o famoso hábito de conversar com plantas.Foi para a mãe que ele anunciou em primeira mão que seria cantor. Em entrevista concedida na quinta-feira 15, em Nova York, por conta de um prêmio que recebera de uma gravadora, Roberto contou que o grande sonho da mãe era que fosse médico. Mas, após sua primeira exibição na rádio XYL-9, de Cachoeiro, tudo mudou. "Quando eu voltei para casa, falei para minha mãe: Você quer que eu seja médico, mas eu não quero ser mais médico não. Eu agora quero ser cantor. E nunca mais mudei minha cabeça", recordou. E ela o incentivou.Também foi Lady Laura quem esteve ao lado do cantor no momento mais doloroso da sua vida - a perda de parte da perna esquerda, aos 9 anos, por causa de um acidente com um trem. Graças à força e à coragem da mãe, o trauma que ficou foi menor até do que os médicos, então, haviam prognosticado.
"Lalá sempre foi uma mulher forte, querida e carinhosa.
Sempre colocava o Roberto no colo.
A forma carinhosa com que eles se tratavam era linda.
Vamos referenciar o corpo físico, porque ela vai
permanecer viva em nossa memória"
Wanderlea
"Quando chequei ao Rio fiquei longe da
minha mãe e da minha famíla e a dona Laura
me ajudou muito.
Ela foi uma espécie de segunda mãe.
Para o Roberto vai ser muito difícil
porque ele é um grande ídolo e a
gente sabe que quanto maior a fama, maior a solidão"
Jerry Adriani
"Dona Laura é a alma gêmea de Roberto. Ela foi sua maior admiradora, uma pessoa de amor e do bem.Roberto e seus irmãos são o resultado dessa criação"
Rosemary"Ela ficava na coxia, não queria as primeiras mesas do espetáculo e sempre esperava o filho com uma toalha depois dos shows. Ela pedia para nós da produção cuidarmos muito bem do filho dela"Luís Carlos Miele"Ela sempre foi muito dedicada aos filhos, netos e amigos agregados. Não media esforços para que todos estivessem bem, Ela era muito humilde e tinha uma solidariedade que era sua marca"Myriam Rios
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Bruno Deminco, Camilla Gabriela e Léo Pinheiro
RevistaIstoÉ
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