Entre padres e promessas: o drama da fé

Fernão entra na Companhia de Jesus, mas enfrenta desilusões com a fé institucional e opta por sair após nove meses de conflito interior.
Missionários cristãos em terras asiáticas durante a era das grandes navegações, retratando o encontro de culturas e o desafio da fé no século XVI.

Fernão vive a fé com intensidade, mas também as frustrações do espírito

"Fiz-me da Companhia de Jesus, e estive nela nove meses."
Fernão Mendes Pinto, Peregrinação


Por: Armindo Guimarães


NOTAS DE BORDO
Local: Goa, Malaca e Japão
Evento-chave: Ingresso e saída da Companhia de Jesus
Ano estimado: 1548–1549
Ação: Vida missionária, ensinamentos, desilusões
Estado: Dividido entre fé sincera e o desencanto institucional

"A fé move montanhas — mas Fernão descobriu que, às vezes, também ergue muros."
Vímara Porto

Depois do Japão, Fernão mergulha numa nova travessia — dentro de si mesmo. Vendo-se rodeado de jesuítas em missão evangelizadora, cedo é tocado pelo zelo e pela disciplina desses homens que "nada tinham e tudo davam". Encantado com a causa espiritual e com o ideal do martírio, resolve juntar-se à Companhia de Jesus.

Mas nem tudo é êxtase e iluminação. Durante os meses na Companhia de Jesus, Fernão viveu entre orações e silêncios, mas também entre dúvidas e inquietações. O rigor da ordem, que a princípio lhe parecia sublime, começou a sufocar-lhe o espírito errante. Os dias eram marcados por disciplina, os pensamentos por censura. E o fervor que o atraíra começou a parecer mais uma prisão do que uma vocação.

Fernão descobre, aos poucos, as contradições da fé institucionalizada, os jogos de influência, a rigidez das hierarquias e até um certo desprezo pelos que, como ele, vinham do mundo "pecador" da guerra e do comércio.

Tentou adaptar-se. Jejuou, meditou, calou-se. Mas a sua alma, moldada por tempestades e encontros com o mundo, não cabia nos corredores estreitos da ortodoxia. 
 
Mesmo desejando uma vida de devoção, Fernão sente-se forasteiro no templo, acusado de ser impulsivo, de falar demais, de pensar por si. E isso, para alguns padres, era pecado grave. 
  
Um padre mais velho disse-lhe:

"A tua fé é fogo. Mas aqui, só aceitamos velas."
 
Passa nove meses na ordem — um "nascimento" às avessas, que acaba em desilusão e saída voluntária.

Fernão saiu sem rancor, mas com uma nova clareza: a espiritualidade não se mede pela obediência, mas pela honestidade interior. E ele, que já enfrentara piratas e reis, sabia que a maior coragem era admitir que não pertencia ali.

Ainda assim, nunca perdeu o olhar espiritual sobre o mundo. Apenas percebeu que nem todas as cruzes valem o peso de serem carregadas.
 
"A fé é caminho," escreveu. "E nem todos os caminhos passam por conventos."

CURIOSIDADE HISTÓRICA:
 
A entrada de Fernão nos jesuítas causou estranheza. Um aventureiro e mercador entre teólogos disciplinados? Apesar da sua saída precoce, foi um dos primeiros portugueses leigos a tentar seguir os passos dos missionários no Oriente. E a contar, com rara franqueza, o que viu.

NOTA DE BORDO FINAL

Este é o oitavo relato da viagem de Fernão — Entre padres e promessas: o drama da fé, onde crenças e desilusões se entrelaçam no destino do viajante.

Segue-se o episódio 9 — Piratas e traições: um jogo de vida ou morte, onde a astúcia vale tanto quanto a espada.

DIÁRIO DE FERNÃO

Excerto imaginário inspirado na Peregrinação

Vi padres prometerem o céu e homens venderem a alma por pão. 

Descobri que a fé consola, mas também divide — e que nem sempre os que pregam vivem o que dizem.

NOTA FINAL DO ESCRIBA
 
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