Portugal, Brasil e os perigos da retórica populista

Declarações populistas e distorções históricas por líderes políticos ameaçam a verdade e fragilizam as relações entre Portugal e Brasil.
Ilustração com as bandeiras de Portugal e do Brasil em balões de diálogo, destacando o título "Portugal, Brasil e os perigos da retórica populista", com ícones de alerta e setas representando tensão política e comunicação.

Quando a História vira arma política, perdem-se factos e enfraquecem-se alianças

 
"Liderar um país exige conhecimento, responsabilidade e respeito pela História."
Vímara Porto

Por: Armindo Guimarães

Espera-se dos políticos, sobretudo daqueles que desempenham altos cargos públicos, uma postura condizente com a responsabilidade que assumem.

De um presidente ou ministro de um país, espera-se que atue, a nível nacional e internacional, de forma a dignificar a sua nação e o seu povo perante os países parceiros, com os quais mantém interesses económicos e políticos. Em suma, espera-se uma diplomacia ativa e construtiva, assente numa postura equilibrada e respeitosa, que fortaleça as relações comerciais, culturais e históricas com esses países.

A conduta ética, a capacidade de diálogo e o respeito pela diversidade de opiniões por parte de um alto representante impactam diretamente a reputação do seu país no exterior. Uma postura diplomática, aberta à negociação e ao multilateralismo, tende a favorecer os interesses nacionais, enquanto atitudes intempestivas ou isolacionistas podem comprometer a credibilidade internacional.

Em resumo, espera-se que o presidente de um país atue como estadista, promovendo o desenvolvimento interno e a imagem externa da nação, sempre guiado pela responsabilidade, ética e compromisso com os interesses do seu povo.

Infelizmente, não é isso que temos testemunhado nos últimos anos por parte de vários líderes de países que outrora se pautavam por posturas honrosas. O que vemos é a banalização da função pública, com declarações irrefletidas na praça pública, típicas de conversas de café. Hoje elogia-se, amanhã critica-se, para logo a seguir desdizer o que se disse — ou até surpreender-se por tê-lo dito. Soma-se a isso uma impreparação cultural gritante, confundindo a geografia do mundo ou até a do próprio país.

Muitos destes políticos parecem encarar a governação como um jogo de Monopólio,  em que uns enriquecem e outros vão à falência, ou pior, como o jogo Risco, onde se vence à custa da conquista de territórios, mesmo que isso custe vidas — civis e militares — e multiplique tragédias.

Um dos exemplos mais insólitos veio do então ministro da Justiça do Brasil, que, durante o lançamento de um programa de bolsas de estudo, comentou um incidente ocorrido no aeroporto do Porto entre uma cidadã portuguesa e uma brasileira, dizendo:

"A cidadã brasileira pode ser enviada de volta, mas juntamente com o ouro do Brasil", e ainda:

"Vocês estão a invadir Portugal. Se foi isso, nós temos direito à reciprocidade porque em 1500 eles invadiram o Brasil."

Ora, como é possível falar-se de uma "invasão" a um território que nem sequer era país? O incidente, de pequena monta, apenas ganhou visibilidade porque a cidadã brasileira filmou e divulgou apenas a parte em que a portuguesa se manifestava, sem mostrar o contexto ou os antecedentes.

Em vez de relativizar o episódio, o ministro optou por sensacionalismo político, extrapolando um desentendimento pessoal para um confronto diplomático entre nações irmãs.

No passado dia 1 de julho, foi a vez do Presidente do Brasil, Lula da Silva, afirmar na Bahia: 

"É verdade que D. Pedro fez o grito da Independência, mas pouca gente sabe que foi no dia 2 de julho de 1823 que os baianos conseguiram fazer com que os portugueses voltassem para Portugal definitivamente."

E prosseguiu:

"Isso não é conhecido da História porque não está nos livros didáticos brasileiros."

Quando disse que "É verdade que D. Pedro fez o grito da Independência", parece-nos que Lula da Silva não acredita muito no que disse, já que 1 ano antes, teria dito "Tem a independência que foi o grito do imperador, que a gente nem sabe se deu o grito mesmo"
 
Por outro lado, Lula, ao chamar a atenção que "Isso [a expulsão dos portugueses] não é conhecido da História porque não está nos livros didáticos brasileiros", parece-nos ter dado um tiro no pé, já que muitos outros aspetos da história brasileira também não o estão. 
 
200 anos depois, persiste-se numa narrativa que coloca os portugueses como os vilões de tudo o que corre mal no Brasil — uma visão redutora e contraditória que, em vez de unir, aprofunda divisões.

A verdade é que a independência do Brasil foi proclamada por um português. O próprio Lula, descendente de portugueses (como o indica o seu apelido Silva), deveria reconhecer que a construção do Brasil envolveu a contribuição conjunta de portugueses e povos indígenas. Ao contrário do que se pretende agora celebrar — a “expulsão” dos portugueses — a realidade é que a esmagadora maioria permaneceu e os que regressaram foram, em grande parte, militares ao serviço da Coroa.

Paradoxalmente, muitos dos grupos sociais que ansiavam pela independência, como os indígenas e os escravizados, viram as suas condições piorar após 1822. Portugal aboliu a escravatura em 1869, enquanto o Brasil apenas o fez em 1888, 66 anos depois da independência. Este facto, por si só, deveria levar a uma revisão mais séria da narrativa histórica.

Obras como O Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, do jornalista Leandro Narloch, oferecem uma visão alternativa à versão oficial da História, criticando a demonização dos portugueses e a santificação acrítica dos indígenas e escravizados. Embora controverso, o livro levanta pontos válidos e estimula a reflexão.

Sendo a maior parte da população brasileira descendente de portugueses, é desconcertante ver representantes políticos escamotear esta realidade. Governar exige conhecimento da História e responsabilidade no discurso. Se não conhecem os factos ou têm dúvidas sobre a veracidade dos mesmos, o melhor será consultar especialistas antes de falar — em nome de uma diplomacia responsável e de uma relação fraterna entre povos que partilham mais do que os separa.

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1 Comentários

Comentários

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  1. Nobre colega Armindo, por força de saúde na família estou um pouco afastado, mas não poderia me furtar em comentar este post. Nos últimos anos a não diplomacia do Brasil tem impactado as relações econômicas, politicas e culturais entre diferentes países. O caso citado por você é um deles. Não vou entrar em detalhes sobre o que foi comentado, mas faço apenas um reparo no dado referente a abolição da escravidão no Brasil. O Ceará foi a primeira província brasileira a abolir a escravidão, em 25 de março de 1884 (Data Magna do Estado do Ceará, o que faz dela feriado estadual) , quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea (13 de maio de 1888).

    Um forte abraço

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