Médicos precisam ser mais sensíveis à espiritualidade dos pacientes

DO TEXTO:

Se até pouco tempo a medicina e espiritualidade eram consideradas áreas incompatíveis, hoje o discurso mudou. Essa tendência pode ser demonstrada pelo aumento crescente no número de estudos realizados sobre o tema

                                                                                                                                         
Alda Jesus
Portal Splish Splash

Se até pouco tempo a medicina e espiritualidade eram consideradas áreas incompatíveis, hoje o discurso mudou. Essa tendência pode ser demonstrada pelo aumento crescente no número de estudos realizados sobre o tema. Em um levantamento recente do banco de artigos “Pubmed”, é possível encontrar mais de 30 mil artigos publicados com as palavras-chave “spiritual” ou “religio” nos últimos 15 anos.

“A fé, ou melhor, a espiritualidade, vem trazer luz ao nosso trabalho em saúde não só médico, mas de toda a equipe porque o modelo de saúde baseado somente na eficiência, produtividade, perfeição física e envelhecimento com sucesso não é sustentável e real. A saúde física não é tudo. Centenas de pesquisas têm se apresentado em todo o mundo abordando essa dimensão que traz em si um tanto de mistério, mas também um mundo de carinho e amor. A revista The Lancet publicou um número inteiro tratando do assunto. Se colocarmos na busca do Google, as palavras 'saúde' e 'espiritualidade' aparecem em mais de 3,6 milhões de referências”, explica Paulo Fontão, que integra o Grupo de Trabalho de Saúde e Espiritualidade da Sociedade Brasileira de Medicina e Família (SBMFC).

Um desses estudos, feito em 2012 pela Santa Casa de Porto Alegre, mostrou como a dupla medicina e espiritualidade é importante no tratamento médico. No levantamento feito por dois médicos da instituição com 260 pacientes, 70% gostaria que o médico falasse sobre religião, mas apenas 15% o fazem. Além disso, mais de 84% dos pacientes entrevistados acreditava que ter fé faz bem à saúde e 88,2% usava a fé como conforto na doença. A conclusão? A fé influencia no tratamento de doenças.

Religião e espiritualidade não estão restritas a uma área médica específica e muitos locais têm buscado integrar a espiritualidade na prática médica. A Association of American Medical Colleges (AAMC) orienta que os currículos médicos devem ser capazes de orientar os alunos quanto ao papel da espiritualidade no cuidado dos pacientes em diferentes situações. Nas escolas médicas brasileiras, por exemplo, tem havido um crescimento de cursos de graduação com disciplinas de religião e espiritualidade.

Num levantamento feito em 2012 com 86 escolas médicas do país, 10,4% possuíam cursos eletivos ou obrigatórios de religião e espiritualidade e mais de 40% vinculavam esse conteúdo para a graduação. Dos diretores das escolas médicas brasileiras, 54% acreditavam que esse assunto é importante para ser ensinado em faculdades de medicina. Enquanto nos Estados Unidos a percentagem de escolas médicas que incluem a espiritualidade nos seus currículos chegue a 85%, no Brasil há ainda um interesse tímido, embora crescente pelo tema.

“Essa é uma disciplina obrigatória nos dois semestres da formação médica aqui porque entendemos a importância da espiritualidade na formação dos futuros médicos. Esses fatores no modelo atual da relação médico-paciente tendem a ser pouco explorados. Temos que tratar e cuidar de pessoas com princípios enraizados numa dimensão espiritual. Ou seja, sem julgar o outro e o aceitando incondicionalmente inclusive sua tradição religiosa que pode 'jogar a favor' do seu processo terapêutico”, garante Fontão que também é Professor de Espiritualidade e Tanatologia na Faculdade de Medicina do Hospital Santa Marcelina da capital paulista.

Acolher a espiritualidade do paciente

Paulo Fontão entende que, quando médico dá oportunidade para o paciente falar sobre sua intimidade, o que inclui suas crenças espirituais, ele se sente mais acolhido. Mas, ressalta, essa aproximação deve ser feita com delicadeza e respeito.

“Na prática, temos que buscar entender a conveniência, a oportunidade e o quanto essa abordagem pode, de fato, contribuir para o bem-estar daquela pessoa. Não somos todos iguais e nossa abordagem como médicos de família e como profissionais de saúde também não pode ser”, reforça. Essa intersecção entre medicina e espiritualidade tem ganhado tanta importância que, segundo Paulo, alguns hospitais já contam com serviços de capelania. Alguns países da América do Norte já reconhecem o capelão profissional como profissional da saúde. Reconhecendo a importância desse debate, um grupo de médicos de São Paulo e do Brasil criou em 2015 o “Coalizão Inter-Fé em Saúde e Espiritualidade”. Composto por médicos de especialidades e tradições religiosas diversas, o grupo enfatiza a importância da espiritualidade nos hospitais.

Quem é o médico de família e comunidade (MFC)?

A medicina de família e comunidade é uma especialidade médica, assim como a cardiologia, neurologia e ginecologia. O MFC é o especialista em cuidar das pessoas, da família e da comunidade no contexto da atenção primária à saúde. Ele acompanha as pessoas ao longo da vida, independentemente do gênero, idade ou possível doença, integrando ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde. Esse profissional atua próximo aos pacientes antes mesmo do surgimento de uma doença, realizando diagnósticos precoces e os poupando de intervenções excessivas ou desnecessárias.

É um clínico e comunicador habilidoso, pois utiliza abordagem centrada na pessoa e é capaz de resolver pelo menos 90% dos problemas de saúde, manejar sintomas inespecíficos e realizar ações preventivas. É um coordenador do cuidado, trabalha em equipe e em rede, advoga em prol da saúde dos seus pacientes e da comunidade. Atualmente há no Brasil mais de 3.200 médicos com título de especialista em medicina de família e comunidade.

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