O incrível primeiro filme com Roberto Carlos

DO TEXTO:
Por David Havt

Mais ou menos há meio se século algo interessante aconteceu na minha vida. Eu trabalhava em produção de cinema brasileiro e americano. Você está lendo certo, cinema brasileiro. Eu poderia encher um livro inteiro com acontecimentos interessantes e até controversos.

Para encurtar a estória, todos me perguntam  detalhes da produção sobre a travessia do túnel do Pasmado, no Rio de Janeiro, num helicóptero, Hugh 300. Uma  temeridade – e bota temeridade nisso.

Mas antes de tudo devo dizer que o RC do titulo deste artigo é o nosso rei, Roberto Carlos.

Uma tarde em São Paulo eu e meu amigo, o diretor Roberto Farias, fomos conviados pelo Jean Manzon, um produtor franco-brasileiro radicado no Brasil, para tomar as rédeas da produção do filme do Roberto Carlos do cineasta paulista Person, pois ele havia pedido as contas alegando que um filme com Roberto Carlos não iria dar certo, no máximo resultaria numa boa chanchada.

Para esclarecer um pequeno ponto dessa estória, o Roberto Farias havia começado sua carreira cinematográfica dirigindo chanchadas, antes de produzir e dirigir o clássico do cinema brasileiro e internacional, “O Assalto ao Trem Pagador” , também chamado de “Train Robbery Confidential” pelos americanos . Para os mais jovens recomendo que vejam esse filme e ver como se fazia um filme clássico no Brasil na década de 60.

O melhor elogio feito na época pelos cineastas brasileiros  era que o filme parecia até filme americano.
Passadas quatro semanas do convite inicial, fomos convidados a comparecer ao escritório do Manzon e despedidos sumariamente. A razão era que o filme era muito caro, não iria dar certo. Caro sim, uma quantia nunca investida em nenhuma produção brasileira, já não dar certo era um ponto de interrogação.

Tentamos argumentar com o Manzon e nada o demovia, ele perdia o sono com o custo de meio milhão de dólares. Lembrem-se, estamos falando dos anos 60 e a quantia hoje seria, contando-se com o índice de inflação, mais ou menos 5 milhões de dólares. Nos dias de hoje seria improvável também que uma quantia dessa magnitude fosse investida em um filme brasileiro.

Eu e o Roberto Farias demos uma caminhada e paramos para tomar um cafézinho num café na esquina da Ipiranga com a São João, um ponto de encontro famoso na Boca do Luxo.  ” Vamos comprar os direitos do Manzon”, disse o Roberto. Uma hora após termos sido despedidos retornamos ao escritório do Manzon e com a maior cara de pau o Roberto fez proposta para ele. “Vende os direitos para nós”. Manzon respondeu sem titubear:-“Me paguem os 25 mil dólares que já gastei e o filme é de vocês”. “Nós pagaremos após a estreia do filme”. Ele topou na hora. Recuperar os 25 mil dólares era uma questão de honra para o Manzon e fazer o filme era uma questão de honra para o Roberto Farias. Por razões contratuais, tivemos que informar ao Roberto Carlos e   ao seu agente, o todo poderoso Marcos Lázaro. Sem titubear, eles toparam.
Era dessa mesma época o primeiro livro sobre Roberto Carlos,
escrito pelo atual editor do Direto da Redação, na época jornalista do Estadão
No dia seguinte estávamos com um advogado na mão, o Padu, filho do conhecido teatrólogo Abílio Pereira de Almeida (São Paulo SA). Todos assinaram ai começava a parte interessante do filme Roberto Carlos em Ritmo de aventura. Como fazer o filme  sem ter os 500 mil dólares? Lembrem-se na época não havia a Embrafilm ou fundos de alguma outra estatal,  Lei Rouanet, TV Globo. etc…O investimento (grana viva) teria que sair do mercado privado.

Com o proverbial chapéu na mão os banqueiros foram devidamente visitados e os traseiros respeitosamente beijados.  O nome do Roberto Carlos abriu algumas portas muito importantes… (Banco Nacional de Minas Gerais, Banco Irmãos Guimarães, Casa Piano, Banco Safra) E os 500 mil estavam empacotados e devidamente creditados na conta da produtora.

Que tipo de filme…Como vender o RC em 10 lições. Em princípo fui assistir e reassistir  os filmes dos Beatles “Help” e “Deu a Louca no Mundo” , em inglês ” It is a Mad, Mad  World”, um clássico do Stanley Kubric. (Me desculpe o Person eram  Chanchadas Clássicas com um certo “sine qua non”.) Para a nova geração vejam os dois filmes, são imperdíveis. Uma vez após reassistir aos dois filmes eu li uma entrevista do Sr. Epstein, um dos produtores do filme HELP, que declarou ” Fazer um filme com os Beatles na época era muito fácil, bastava colocá-los contra uma parede branca, fazê-los cantar e filmar, seria um enorme sucesso mas totalmente desonesto” . Em fim, o segredo era o tal do ” packging”, você não pode comprar um presente  na Tifany e embrulhá-lo em jornal.

Devemos nos  lembrar que tanto os Beatles como o Roberto Carlos não podiam nem sair nas ruas. Eu pessoalmente testemunhei essa loucura.

O script estava sendo preparado, e decidiu-se que faríamos um filme com tinturas de “Help” e Deu a  Louca no Mundo. Eu e o Roberto discutimos as coisa mais loucas, impensáveis numa produção de um filme brasileiro…Como se diz aqui nos Estados Unidos, nós estávamos “burning hot”

Em princípio programou-se filmar em NY e no Cabo Canaveral (NASA),  Flórida. Na estória o Roberto Carlos era perseguido por um mafioso (José Lewgoy, o tradicional bad boy) do cinema brasileiro e o Roberto foge do Lewgoy para NY numa caixa de carga da Pan American, e na  Flórida ele embarca num foguete para  o espaço.  No Rio ele foge do Lewgoy de helicóptero até a cobertura do prédio do BANERJ (BEG) e lá está esperando um Dodge Dart. O Roberto embarca e o guincho do prédio desce o carro até a Avenida Nilo Peçanha. A multidão que aguardava o Rei descer de carro do prédio do BANERJ era imensa e tensa.

Eu não gosto nem de pensar se o carro caísse na rua com Roberto Carlos e tudo.. Toda a equipe técnica também estava tensa. Nas filmagens em NY foi mais fácil, um trave logue da cidade, enquanto fugia do Lewgoy num Cadilac cedido pela GM. A única coisa que poderia acontecer era sermos todos presos pela polícia de NY por fazer filme nas ruas da cidade sem permissão e seguro de responsabilidade civil.  Fomos detidos, mas por ter o Roberto que dirigia o carro levado uma multa.

Enquanto o roteiro progredia as ideias loucas também progrediam. Para começar  fiz contato com uma turma super simpática da Esquadrilha da Fumaça . Eles ainda voavam aviões da 2a Guerra, o NAT 6, um avião de treinamento americano.

A esquadrilha entra no filme com acrobacias e música de fundo do RC como ele fosse um dos pilotos (na época Major Braga), hoje provavelmente Brigadeiro aposentado. Nunca encontrei um grupo tão bom de excelentes pilotos e um enorme senso de humor. Numa das cenas um avião cai e explode (os efeitos especiais sem computador funcionavam no peito na raça). O Roberto, que estava supostamente no avião acidentado, aparece no meio da fumaça vivo, com o seguinte dialogo: “Se esse filme continuar assim não quero mais trabalhar”-.

O tal do filme do absurdo.

Um dia retornando ao nosso escritório em Laranjeiras, atravessei o Túnel do Pasmado – de fusquinha é claro –  e não travessia tive uma epifania. Que tal atravessar o túnel com um  helicóptero na perseguição? Através dos meus amigos da Esquadrilha de Fumaça fui apresentado a um piloto civil de helicóptero,  Comandante Nascimento, e expusemos a ideia para a Esquadrilha. Quem já viu a esquadrilha da fumaça em aviões a hélice sabe que os pilotos eram machões.

“Acho que dá sem bronca”, me disse o Nascimento. Falei com o Roberto Farias, que estava com o espírito pronto.

“Vá em frente e te vira”.  Eu e o comandante fomos de táxi até a entrada do túnel na parte de Botafogo e ele examinou ponto a ponto. Excelentes pilotos não fazem loucuras impensadas.

Prosseguimos até a saída do túnel As devidas medidas foram feitas e ficou decidido que dava, inclusive a tal da aerodinâmica que era imperativa na operação..

Ai começou a “via crucis” para as devidas permissões e o Modus Operandi. Primeira visita, DAC (Diretoria de Aeronáutica Civil). Riram na nossa cara e disseram que éramos loucos. O Nascimento em conversa de piloto para piloto os convenceu que dava, a segunda visita ao DT do RJ (Departamento de Trânsito), que bateu o martelo. “Se a FAB e o DAC autorizarem, vá em frente”. Não foi tão difícil como eu esperava.

Para os donos do helicóptero, não era nada com eles, pois confiavam no excepcional profissionalismo de Nascimento e a publicidade que ganhariam.

Na dia aprazado, o Departamento de Trânsito fechou a entrada e a saída do túnel. O helicóptero levantou do Santos Dumont e pousou na entrada do túnel. Os maquinistas da equipe amarraram uma câmera na porta direita.  Roberto Farias decidiu ser o  câmera e foi  amarrado no helicóptero,  atrás da câmera.

Todos nós tensos, parecíamos  uma corda de violão. O helicóptero levantou voo da entrada do túnel, foi até o Santos Dummond e, com uma comunicação via rádio dissemos ao Nascimento para prosseguir. Eu me estacionei na entrada do túnel com o Riva Farias, irmão do Roberto e meu chefe, rezando a todas as entidades religiosas conhecidas pela humanidade. De longe vimos o helicóptero na Avenida Beira Mar em Botafogo,  pequenininho, e à medida que se aproximava, ia aumentando de tamanho, parecia um monstro de filmes de terror. A uma certa distância da entrada do túnel baixou de altitude, diminuiu a velocidade e  lá se foi o animal para dentro do túnel, em direção a Copacabana…Sucesso absoluto. O Nascimento  se posicionou para uma segunda volta, a pedido do Roberto Farias. O Riva se aproximou e disse uma coisa que nunca mais esquecerei. Ele estava tremendo de medo, tirou a chave do helicóptero e disse a histórica frase ” SEGUNDA VOLTA É A PUTA QUE TE PARIU”.

Estamos encerrados.

Vocês podem ver a cena do helicóptero no filme no ou na Internet. Jé é passado meio século e podemos ver o helicóptero atravessando o túnel numa boa.  Obrigado Internet, por salvaguardar a memória.

PS. Person, uma chanchada e tanto. Manzon, quadruplicamos o capital e todos os banqueiros foram pagos.

In http://www.correiodobrasil.com.br

Nota da Redação do Portal Splish Splash: Assista ao histórico filme "Roberto Carlos em ritmo de Aventura", lançado em 1967:

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  1. Filme, Roberto Carlos em ritmo de aventura, elenco, Roberto Carlos, Rose pássine, Reginaldo Farias, José Lewgoy, dirigido por Roberto Farias ano do filme de 1967 duração 100 minutos distribuição R, F, Farias este filme teve pré lançamento em 17 de fevereiro de 1968 em Brasilia, DF

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