Três génios, três estilos, uma verdade absoluta: rir salva
"O sorriso é a distância mais curta entre duas pessoas e a base para conexões humanas profundas." Vímara Porto
Por: Armindo Guimarães
Há risos que passam. E há risos que ficam — pousados na memória como pequenos faróis acesos para dias escuros. Quando pensamos no verdadeiro poder do riso, é impossível não lembrar três artistas com provas dadas na arte de aliviar a alma: Woody Allen, Herman José e Jô Soares. Diferentes entre si, mas unidos por uma certeza simples e eficaz: o humor, quando é inteligente, não distrai apenas — repara.
Woody Allen
Woody Allen, com o seu humor desajeitado, neurótico e brilhantemente humano, é talvez um dos espelhos mais fiéis da vida real. Começou no stand-up, mas foi no cinema que transformou as nossas inseguranças, fracassos e pequenos desastres quotidianos em gargalhadas libertadoras. O seu riso é psicológico, desconfortável e, por isso mesmo, profundamente verdadeiro.
Em Take the Money and Run, há uma cena exemplar: Virgil Starkwell prepara-se para o primeiro encontro com Louise (Janet Margolin), jovem que conheceu num parque — depois de, sem sucesso, tentar roubá-la. Toma banho, veste-se, penteia-se ao espelho, ensaia gestos e poses para impressionar. Sai de casa confiante… e a porta volta a abrir-se para o vermos regressar com ar de desgraça: esqueceu-se de vestir da cintura para baixo. É Woody Allen no seu estado mais puro — o triunfo do ridículo sobre a pose.
Sem dinheiro para pagar o jantar, decide forçar uma máquina de rebuçados, que acaba por despejar moedas sem parar, enquanto ele as enfia nos bolsos com naturalidade criminosa. O encontro termina com Louise a sair à frente e Virgil a ficar para trás a pedir a conta. O empregado, ao receber o pagamento, quase deixa cair a bandeja, esmagada pelo peso absurdo das moedas. É o caos, mas é o nosso caos.
Sobre Woody Allen, já tive oportunidade de publicar dois textos: Woody Allen – O Arquétipo do Real (2009), centrado neste filme, e Woody Allen – Um Espelho Vivo (2011), onde se aborda o livro Para acabar de vez com a cultura, bem como filmes como Annie Hall, Manhattan e Meia-Noite em Paris, incluindo algumas das suas frases mais célebres.
Herman José
Herman José continua a marcar Portugal com personagens que vivem instaladas no imaginário colectivo. Um dos exemplos mais memoráveis é o Engenheiro Passos Ferreira, da série da RTP Os Homens do Norte, rodeado pelos impagáveis Arquiteto Jorge Tawny (Miguel Guilherme), Dr. Mega Ribeiro (José Pedro Ferreira) e Dra. Antonieta Antas Afonso (Maria Rueff).
Muitos dos chavões utilizados nos sketches já faziam parte do património oral portuense, mas o programa de Herman José veio amplificá-los, fixá-los e projectá-los a nível nacional: "Este homem não é do norte, carago!!!", "Bocê num se desgrace!", "Este homem é um Senhôre!", "Cabalheiros, antes de mais quero que sabeis que é para bocês uma honra estarem aqui!", "Outra coisa: tudo isto que eu acabei de dizer é offerréco…!", "Eles podem ter o Oceanário, mas nós vamos ter o Tripanário!", "Num teja nervosinho", "Hip! hip! hip! Carago!".
Cada sketch começava com a célebre entrada na "pipa" — digo, na sala — espaço que reproduzia uma cave de Vinho do Porto, onde só se entrava após senha devidamente proclamada: "Nós só queremos ver… Lisboa a arder!", "Se o Porto é a inbiqueta… Lisboa é a parasiqueta!", "Pela glória do Norte… lutarei até à morte!".
Um pormenor raramente referido: o chão em xadrez preto e branco, evocando o simbolismo maçónico da harmonia entre opostos — luz e trevas, razão e emoção… ou, neste caso, Porto e Lisboa. Nada ali era inocente.
Para leitores menos familiarizados, em especial brasileiros, importa explicar que o pano de fundo da série é a eterna rivalidade entre a capital do país, Lisboa, e a capital do Norte, o Porto. Os nortenhos são conhecidos pela forte ligação ao galaico-português, o que se reflecte na fala: o "ão" torna-se "om" (estom, pom), o "v" vira "b" (berdade, binho), e o sufixo "-inho" surge como carinho, ironia ou atenuação. Tudo isto é usado por Herman José e pelos restantes intérpretes com precisão cirúrgica e inteligência cultural — nunca como caricatura vazia.
Jô Soares
Jô Soares foi um gigante da palavra, da criação e do improviso. Nos sketches ou nas entrevistas, dominava como poucos a arte de fazer rir sem abdicar do pensamento. Transformava conversa em espectáculo e humor em reflexão. A sua elegância intelectual nunca afastou o público; pelo contrário, aproximou gerações.
Partiu recentemente, mas continua muito vivo na memória colectiva. Porque quem constrói humor com inteligência não desaparece — reaparece sempre que alguém ri e pensa ao mesmo tempo.
Conclusão:
Ao vivo, em silêncio ou nas redes sociais, com um eheheheheh, um ahahahahah, um rsrsrsrsrs ou um kkkkkkkkkk, o que importa é continuar a rir. Porque rir, como estes mestres continuam a provar, sem margem para dúvidas, é mesmo um dos melhores remédios que temos — e, ao contrário de quase tudo hoje em dia, continua a ser gratuito.
Três génios, três estilos, uma verdade absoluta: rir salva
Vímara Porto
Por: Armindo Guimarães
Woody Allen
Woody Allen, com o seu humor desajeitado, neurótico e brilhantemente humano, é talvez um dos espelhos mais fiéis da vida real. Começou no stand-up, mas foi no cinema que transformou as nossas inseguranças, fracassos e pequenos desastres quotidianos em gargalhadas libertadoras. O seu riso é psicológico, desconfortável e, por isso mesmo, profundamente verdadeiro.Em Take the Money and Run, há uma cena exemplar: Virgil Starkwell prepara-se para o primeiro encontro com Louise (Janet Margolin), jovem que conheceu num parque — depois de, sem sucesso, tentar roubá-la. Toma banho, veste-se, penteia-se ao espelho, ensaia gestos e poses para impressionar. Sai de casa confiante… e a porta volta a abrir-se para o vermos regressar com ar de desgraça: esqueceu-se de vestir da cintura para baixo. É Woody Allen no seu estado mais puro — o triunfo do ridículo sobre a pose.
Sem dinheiro para pagar o jantar, decide forçar uma máquina de rebuçados, que acaba por despejar moedas sem parar, enquanto ele as enfia nos bolsos com naturalidade criminosa. O encontro termina com Louise a sair à frente e Virgil a ficar para trás a pedir a conta. O empregado, ao receber o pagamento, quase deixa cair a bandeja, esmagada pelo peso absurdo das moedas. É o caos, mas é o nosso caos.
Sobre Woody Allen, já tive oportunidade de publicar dois textos: Woody Allen – O Arquétipo do Real (2009), centrado neste filme, e Woody Allen – Um Espelho Vivo (2011), onde se aborda o livro Para acabar de vez com a cultura, bem como filmes como Annie Hall, Manhattan e Meia-Noite em Paris, incluindo algumas das suas frases mais célebres.
Herman José
Muitos dos chavões utilizados nos sketches já faziam parte do património oral portuense, mas o programa de Herman José veio amplificá-los, fixá-los e projectá-los a nível nacional: "Este homem não é do norte, carago!!!", "Bocê num se desgrace!", "Este homem é um Senhôre!", "Cabalheiros, antes de mais quero que sabeis que é para bocês uma honra estarem aqui!", "Outra coisa: tudo isto que eu acabei de dizer é offerréco…!", "Eles podem ter o Oceanário, mas nós vamos ter o Tripanário!", "Num teja nervosinho", "Hip! hip! hip! Carago!".
Cada sketch começava com a célebre entrada na "pipa" — digo, na sala — espaço que reproduzia uma cave de Vinho do Porto, onde só se entrava após senha devidamente proclamada: "Nós só queremos ver… Lisboa a arder!", "Se o Porto é a inbiqueta… Lisboa é a parasiqueta!", "Pela glória do Norte… lutarei até à morte!".
Um pormenor raramente referido: o chão em xadrez preto e branco, evocando o simbolismo maçónico da harmonia entre opostos — luz e trevas, razão e emoção… ou, neste caso, Porto e Lisboa. Nada ali era inocente.
Para leitores menos familiarizados, em especial brasileiros, importa explicar que o pano de fundo da série é a eterna rivalidade entre a capital do país, Lisboa, e a capital do Norte, o Porto. Os nortenhos são conhecidos pela forte ligação ao galaico-português, o que se reflecte na fala: o "ão" torna-se "om" (estom, pom), o "v" vira "b" (berdade, binho), e o sufixo "-inho" surge como carinho, ironia ou atenuação. Tudo isto é usado por Herman José e pelos restantes intérpretes com precisão cirúrgica e inteligência cultural — nunca como caricatura vazia.
Jô Soares
Jô Soares foi um gigante da palavra, da criação e do improviso. Nos sketches ou nas entrevistas, dominava como poucos a arte de fazer rir sem abdicar do pensamento. Transformava conversa em espectáculo e humor em reflexão. A sua elegância intelectual nunca afastou o público; pelo contrário, aproximou gerações.Partiu recentemente, mas continua muito vivo na memória colectiva. Porque quem constrói humor com inteligência não desaparece — reaparece sempre que alguém ri e pensa ao mesmo tempo.
Conclusão:
Ao vivo, em silêncio ou nas redes sociais, com um eheheheheh, um ahahahahah, um rsrsrsrsrs ou um kkkkkkkkkk, o que importa é continuar a rir. Porque rir, como estes mestres continuam a provar, sem margem para dúvidas, é mesmo um dos melhores remédios que temos — e, ao contrário de quase tudo hoje em dia, continua a ser gratuito.Vídeos Woody Allen
Take the Money and Run (Excerto 1) Take the Money and Run (Excerto 2)Vídeos Herman José
Os Homens do Norte Serafim Saudade Os melhores do Herman O melhor papel do Herman TestemunhosVídeos Jô Soares
Entrevista a Roberto Carlos (Excerto) Tem pai que é cego (1) Tem pai que é cego (2) Bô Francineide (1) Bô Francineide (2) Piadas do JôEscriba das coisas da vida e da alma. Admin., Editor e Redator do luso-brasileiro Portal Splish Splash. Máxima favorita: "Andamos sempre a aprender e morremos sem saber". VER PERFIL
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