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Armindo Guimarães

O que devia ser uma regra é, em Portugal, uma exceção
Por: Armindo Guimarães
Em Portugal, a música portuguesa vai bem, mas o mesmo já não podem dizer aqueles que a compõem, aqueles que a cantam e aqueles que a querem ouvir nas rádios.
A necessidade de adoção de quotas mínimas de música portuguesa, obrigatoriamente difundidas pelas rádios através da Lei da Rádio, nunca foi, nem é, respeitada. Em Espanha, ouvimos música espanhola; em França, música francesa; e isso sem que existam leis análogas nesses países. Entretanto, em Portugal, qualquer turista que ligue o rádio pensará estar num país anglo-saxónico, uma vez que a maioria das rádios não só não transmite música portuguesa, como também ignora músicas em língua portuguesa, seja dos países lusófonos, seja de outras origens, como espanhola, francesa, alemã ou holandesa. Música anglo-saxónica? Isso, sim, até à exaustão!
O que devia ser uma regra é, em Portugal, uma exceção. Experimente sintonizar agora uma rádio portuguesa. Talvez tenha a sorte de apanhar um daqueles raros momentos em que o locutor anuncia:
"E agora, vamos ter um espaço de música portuguesa!"
E os portugueses agradecem tamanho privilégio, justificando, assim, a contribuição audiovisual que pagam.
Nas rádios locais, quiçá mais próximas dos ouvintes, ainda é possível escutar os tradicionais Discos Pe(r)didos:
— Rádio Bom Dia! Boa tarde, estimado ouvinte, peça o que quiser, mas não se esqueça de dizer a frase: I love música portuguesa.— Olá, senhor Antero, daqui fala a Isaurinha da Areosa. Está bonzinho? Agora a nossa rádio chama-se Rádio Bom Dia Boa Tarde?
— Olá, menina Isaurinha! Eu disse "Rádio Bom Dia", ponto de exclamação, e depois "Boa tarde" para a cumprimentar. Seja bem-vinda ao nosso programa.
— Iria jurar que não ouvi o senhor Antero dizer "ponto de exclamaçãol", mas está bem. Queria ouvir o Pedro Barroso numa música que não me lembro do título.
— É fácil, menina Isaurinha. Se a trautear, talvez consiga ajudá-la.
— Aprendi a amar a madrugada, que desponta em mim quando sorris, és um rio cheio de água lavada e dás rumo à fragata…
— Não precisa de cantar mais! É a Menina dos Olhos de Água. Agora tem de dizer a frase.
— A frase é: adoro música portuguesa!
— Não é assim, menina Isaurinha. Tem de dizer: I love música portuguesa.
— Ó senhor Antero, como se não bastasse a televisão com programas de nomes estrangeiros, agora também a rádio?
— Menina Isaurinha, são normas da produção que nós, locutores, temos de seguir. Por isso...
— Estamos no fim do mundo, senhor Antero!
— A menina queria dizer "no fim da língua portuguesa". Eh eh eh. Diga a frase, sim?
— I love música portuguesa. Posso dedicar a música?
— Claro que sim!
— Dedico ao meu falecido Paulinho. Deus o tenha em eterno descanso e que a terra lhe seja leve.
— Com certeza, menina Isaurinha. Está na hora de me despir, digo, de me despedir… ai, confundo sempre estas palavras!
— O senhor Antero é um malandreco! Agora, com as novas normas, não tem de se despedir em inglês?
— Por enquanto, não. Mas nunca se sabe. Eh eh eh.
— Então, despeço-me com um gudvai.
— Depois o malandreco sou eu! Eh eh eh. Gudvai que eu gudfico!
— Olá, menina Isaurinha! Eu disse "Rádio Bom Dia", ponto de exclamação, e depois "Boa tarde" para a cumprimentar. Seja bem-vinda ao nosso programa.
— Iria jurar que não ouvi o senhor Antero dizer "ponto de exclamaçãol", mas está bem. Queria ouvir o Pedro Barroso numa música que não me lembro do título.
— É fácil, menina Isaurinha. Se a trautear, talvez consiga ajudá-la.
— Aprendi a amar a madrugada, que desponta em mim quando sorris, és um rio cheio de água lavada e dás rumo à fragata…
— Não precisa de cantar mais! É a Menina dos Olhos de Água. Agora tem de dizer a frase.
— A frase é: adoro música portuguesa!
— Não é assim, menina Isaurinha. Tem de dizer: I love música portuguesa.
— Ó senhor Antero, como se não bastasse a televisão com programas de nomes estrangeiros, agora também a rádio?
— Menina Isaurinha, são normas da produção que nós, locutores, temos de seguir. Por isso...
— Estamos no fim do mundo, senhor Antero!
— A menina queria dizer "no fim da língua portuguesa". Eh eh eh. Diga a frase, sim?
— I love música portuguesa. Posso dedicar a música?
— Claro que sim!
— Dedico ao meu falecido Paulinho. Deus o tenha em eterno descanso e que a terra lhe seja leve.
— Com certeza, menina Isaurinha. Está na hora de me despir, digo, de me despedir… ai, confundo sempre estas palavras!
— O senhor Antero é um malandreco! Agora, com as novas normas, não tem de se despedir em inglês?
— Por enquanto, não. Mas nunca se sabe. Eh eh eh.
— Então, despeço-me com um gudvai.
— Depois o malandreco sou eu! Eh eh eh. Gudvai que eu gudfico!
Difusão de música portuguesa
De acordo com o artigo 41.º da Lei n.º 54/2010, de 24 de dezembro (Lei da Rádio):
De acordo com o artigo 41.º da Lei n.º 54/2010, de 24 de dezembro (Lei da Rádio):
1. A programação musical das rádios deve conter uma quota mínima variável de 25% a 40% de música portuguesa.
2. Consideram-se música portuguesa as composições que:
a) Veiculem a língua portuguesa ou reflitam o património cultural português, inspirando-se nas suas tradições, ambientes ou sonoridades características, independentemente da nacionalidade dos autores ou intérpretes; ou
b) Não utilizando a língua portuguesa por razões associadas ao género musical, representem uma contribuição para a cultura portuguesa.
Perguntem agora a Fausto Bordalo Dias, Vitorino, José Mário Branco, Pedro Barroso, Sérgio Godinho, Amélia Muge, Janita Salomé, Pedro Caldeira Cabral e tantos outros quem anda a dar-lhes música.
Neste fado está também o Fado, Património Cultural Imaterial da Humanidade, raramente ouvido e achado.
Compete à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) fiscalizar o cumprimento desta lei. Contudo, duvidamos que tal fiscalização seja efetiva, pois ainda está atual a notícia publicada a 14 de julho de 2007, há mais de 16 anos, sob o título: "Rádios não cumprem quotas de música portuguesa".
Pedro Barroso - Menina dos olhos d'água
ℹ️Ainda sobre o tema, neste portal, do mesmo autor:

Escriba das coisas da vida e da alma. Admin., Editor e Redator do luso-brasileiro Portal Splish Splash. Máxima favorita: "Andamos sempre a aprender e morremos sem saber".
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Comentários
Comentários
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Desde do meu início na rádio, como editor, sempre se dizia que as rádios em Portugal teriam que dar muito mais atenção à nossa música, aos nossos cantores, em suma. E agora é caso para se dizer até que enfim.
ResponderEliminarAmigo Carlos Alberto, o seu "até que enfim", infelizmente não se aplica, já que o título do artigo, tal como o texto, e a foto que o suporta, é uma critica em jeito de sátira. Grande abraço. :)
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