Manual de Sobrevivência para Pedir Café em Portugal

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DO TEXTO: O texto ilustra a variedade de formas de pedir café em Portugal, desde o curto até ao quase cheio, e descreve opções populares, muitas delas improváve
Um cartaz vintage, com design retrô, ilustra um guia sobre como pedir café em Portugal, com um tom amigável e instrutivo.

Uma chávena, trinta mililitros e dezenas de formas de a pedir


"Café é mais do que bebida — é uma arte que se pede com palavras."
Vimara Porto

Por: Armindo Guimarães


Portugal é terra de grandes navegadores, de grandes poetas… e de grandes bebedores de café. Mas atenção: não pense que isso significa simplesmente chegar ao balcão e dizer “um café, por favor”. Nada disso. Pedir um café em Portugal é uma arte. Um ritual. Quase um desporto nacional. Enfim, um campo minado. É que, em cada chávena, há uma história de sabor e escolha.

Como diz o meu amigo Marco, um brasileiro recém-chegado a Portugal e a trabalhar na pastelaria onde costumo tomar café: "A minha adaptação ao país, está sendo canja. Para mim, é como se estivesse no Brasil, mas no paraíso. O pior é o café depois da canja, cara! Minha mais difícil experiência em terras lusas foi mesmo perceber as muitas e estranhas preferências dos portugas na hora de pedir uma simples xícara de café, pôxa!"  

De facto, o Marco tem razão. Não é fácil para quem chega a Portugal, seja em férias, seja para trabalhar, pedir ou servir um simples café. Para muitos, chega até a ser um trauma internacional.

Para evitar esses traumas internacionais, aqui vai um guia rápido (e ilustrado… mentalmente, por enquanto) sobre as principais modalidades do café português servido numa pequeníssima chávena de 30 ml:

  • Curto – Até meio da chávena. Forte. Denso. Para quem gosta de café com personalidade e pouca conversa.
  • Muito curto – Um traço de café. Um shot de adrenalina. Serve-se e bebe-se em menos tempo do que leva a dizer “obrigado”.
  • Cheio – Para quem quer esticar os 30 ml até ao limite da física. Mas cuidado: pode ficar a saber a água com tom de café.
  • Quase cheio – A tentativa diplomática de evitar tanto o poço negro (curto) quanto o chá castanho (cheio). Frequentemente, acaba a entornar. E eu que o diga, pois é o pedido da minha preferência.
  • Chávena escaldada – A chávena é lavada com água a ferver antes do café. Dizem que é para manter quente. Outros juram que é para matar micróbios. Ambos esperam que funcione.
  • Chávena fria – Quando já se queimou a língua três vezes na mesma semana, esta opção vira prioridade. Dá-se preferência à chávena “do armário”, e não à “da sauna” que fica no topo da máquina.
  • Descafeinado – Café sem cafeína, mas com debate aceso. Uns juram que é mais saudável, outros acham que o processo químico faz pior que a cafeína. No fundo, é café com drama.
  • Sem ponta – Manobra quase científica: a chávena só é colocada depois das primeiras gotas. Porque “a ponta” tem mais cafeína, dizem. É o equivalente a cortar o fio à navalha — só o essencial fica na chávena.

E depois há os derivados, também na pequena chávena de 30ml:

  • Pingo/Garoto – um café com um “golinho” de leite;
  • Pingado – Café com umas gotas de leite;
  • Carioca de café – feito com a segunda passagem do café já usado (sim, leu bem);
  • Com natas - E quem procura algo mais suave, lá está o café com natas, que traz aquele sabor cremoso e, às vezes, uma textura quase de sobremesa. Não é para todos, mas para os que sabem… é um pequeno luxo. E sim, para quem perguntar, não se confunde com o simples café com leite — aqui as natas entram para dar o toque de sofisticação.
  • Com cheirinho – O toque final (e tradicional). Há ainda quem leve o café a um patamar quase sagrado: o café com cheirinho. Seja bagaço, aguardente ou medronho, é a forma portuguesa de aquecer o corpo e a alma — especialmente no inverno, ou depois de uma boa refeição entre amigos. E até aqui, há diferenças. Uns preferem misturar logo o cheirinho no café, fundindo sabores e destinos. Outros — como quem escreve estas linhas — seguem um ritual mais solene: primeiro saboreiam o café, e só depois lavam o fundo da chávena com o cheirinho. Pequenos gestos, grandes tradições. Afinal, em Portugal, até a forma de “lavar a chávena” tem escola própria.

Isto, para não falar dos que ainda acrescentam pedidos extra, como eu que, pese embora seja destro, não descuro a mão esquerda em certas situações, como a de pegar na chávena de café que peço sempre que me seja servido quase cheio, de preferência numa chávena que tenha a asa para o lado esquerdo. Outras vezes, para complicar ainda mais o pedido, pergunto se já têm daquelas chávenas novas... com a asa para o lado esquerdo. A maioria fica a olhar, a pensar se isso existe mesmo — até que lhes salta a mola e riem-se. E eu também. Porque em Portugal, pedir um café é um ritual, sim — mas também é uma arte com muito humor.

Moral da história?

Pedir um café em Portugal é mais do que pedir uma bebida. É fazer uma escolha de vida. É um statement. É dizer ao mundo: “eu sei o que quero” — mesmo que seja apenas 30 mililitros de algo que te acorda, te consola… ou te queima a língua.

Para acabar de vez com a cultura — ou pelo menos com a seriedade — deixo-vos com este achado do YouTube. Não é do Woody Allen, mas tem espírito digno de um café filosófico.  
 
Entretanto, vou pedir um quase cheio e já volto. Enquanto isso, fica a pergunta: e você como pede o seu café?

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1 Comentários

Comentários

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  1. Que legal, menino Armindo, eu que adoro um bom café, gostei muito do Manual de Sobrevivência para Pedir um Café em Portugal, que será de grande valia quando eu for visitar o Porto.
    Te confesso que dei boas risadas ao tomar conhecimento das principais modalidades do Café Português, descreves com uma boa dose de bom humor, eheheheheheh...
    E só tenho de concordar contigo quando dizes que:
    "Pedir um café em Portugal é uma arte. Um ritual. Quase um desporto nacional."
    Continues nos brindando com mais Artigos, é um grande prazer ler o que escreves.
    Beijinhos 🌹 😘

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