Os Bandeirantes - Parte 4 de 6

DO TEXTO: No caso da falta de água, os bandeirantes foram aprendendo com os índios a localizarem poços d'água, fontes de água, a coletarem água a partir de...
Como fora dito, a comida e a água levados para as bandeiras só duravam a primeira semana ou alguns dias a mais, dependendo da quantidade de água que cada um bebe-se, e no caso dos alimentos como frutas estas depois de uma semana já começavam a estragar.


Os Bandeirantes - Parte 4 de 6

Por: Leandro Vilar

A realidade durante uma bandeira

Como fora dito, a comida e a água levados para as bandeiras só duravam a primeira semana ou alguns dias a mais, dependendo da quantidade de água que cada um bebe-se, e no caso dos alimentos como frutas estas depois de uma semana já começavam a estragar. Além de frutas, os bandeirantes também poderiam levar carne salgada ou carne seca, para ser consumida nos dias iniciais da viagem, pois mesmo salgada e seca, a carne ainda assim estragava-se rapidamente no clima úmido e quente. A farinha de mandioca fervida era uma solução eficaz, os próprios indígenas a usavam quando faziam longas viagens. Os bandeirantes também levavam consigo alguns grãos, como feijão, soja e milho, levavam também pão e biscoitos. 

No nordeste, algumas bandeiras e entradas chegavam a levar consigo rapadura, doce feito do melaço extraído da cana de açúcar, com alto teor energético  e em alguns casos eles também levavam cantis com aguardente ou garapa. No entanto, o consumo de bebidas alcoólicas nas bandeiras e entradas não era recorrente.

Então passamos para uma questão problemática das bandeiras, a falta de comida e de água. Como na época não havia técnicas eficientes para se conservar os alimentos, os mesmos, embora pudessem ser levados em maior quantidade, acabariam estragando ao ponto de não terem serventia, e apenas acarretando um excesso de bagagem para os bandeirantes terem que carregar. No entanto, vale salientar que quando aldeias indígenas, vilas ou cidades eram atacadas, sua comida era saqueada. Porém, como isso poderia demorar a acontecer, a solução era caçar, pescar e coletar.

Quando as expedições seguiam pelas margens de rios e riachos, a disponibilidade de água era abundante, e a possibilidade de pesca também, daí as redes de pesca serem bem úteis. Mas, quando não havia peixes por perto, o jeito era partir para a caça: caçava-se cutias, antas, capivaras, algumas espécies de pássaros, de macacos, porcos do mato, etc., e quando a fome apertava, outros tipos de animais antes não consumidos por "nojo" eram caçados, como cobras, ratos, tatus, gambás, macacos, sapos, jacarés, lagartos e até alguns tipos de insetos, como o chamado bicho-de-taquara (designação dada a uma espécie de mariposa, neste caso, a forma de lagarta e casulo é que eram consumidas) e a formiga chamada de içá (também conhecida em alguns locais do Brasil pelo nome de saúva e tanajura). 

O consumo de içás se tornou comum entre os bandeirantes, que acabou sendo incorporado pela população do planalto paulista. Além do consumo da içá, também consumia-se na época, lagartos, tatus, bicho-de-taquara e até mesmo jacarés. A içá era consumida frita, torrada ou misturada com farofa. 

Mas, além dos alimentos de origem animal, os alimentos de origem vegetal eram também amplamente consumidos, principalmente as frutas e o palmito. No entanto, os bandeirantes aprenderam com os indígenas, a consumirem outros tipos de plantas, que incluíam suas folhas, caules e até mesmo raízes, como a raiz de guaribá, raiz do umbuzeiro, grelos da samambaia, etc. 

"Assim, tentando aproveitar ao máximo o que a própria mata oferecia, as bandeiras criaram uma dieta peculiar, onde se misturavam hábitos europeus e indígenas, onde a preocupação básica era garantir a sobrevivência dos sertanistas. O hábito de uma vida agreste e o espírito de aventura incluíam também hábitos alimentares ante a ameaça da fome". (VOLPATO, 1986, p. 69).

No caso da falta de água, os bandeirantes foram aprendendo com os índios a localizarem poços d'água, fontes de água, a coletarem água a partir de algumas plantas que retinham água da chuva; em alguns casos bebia-se o sangue dos animais; bebia-se o suco das frutas, espremia-se algumas folhas, cipós e raízes que possuíam água, como era o caso da raiz do umbuzeiro. Uma planta importante para como fonte de água era a chamada árvore-fonte, ou árvore-rio ou samaritana do sertão, uma árvore comum dos sertões de Goiás e da Bahia, a qual acumulava em buracos de seu tronco, água. Outras árvores de onde podia-se ser extrair água das raízes eram o taquaruçu e os caraguatás (também chamado de gravatá, cravatá, erva-do-gentio, erva-piteira, etc). 

Em alguns casos, as bandeiras montavam um acampamento fixo que poderia ficar ali estabelecido por semanas ou até mesmo meses, enquanto grupos menores da bandeira exploravam os arredores. Com isso, pequenos roçados chegaram a serem plantados. E em alguns casos, onde tais acampamentos ficavam próximos a cursos de rios conhecidos, eles recebiam apoio de vilas, através das chamadas monções, onde através de barcos, levasse comida, medicamentos, munição e outros produtos. As monções continuaram a serem empregadas mesmo durante o período do ciclo aurífico, onde iam abastecer as vilas, povoados e acampamentos da região mineradora. 

As bandeiras eram realizadas essencialmente a pé, pois muitas não levavam consigo cavalos ou burros, e quando levavam, serviam como animais de carga ou no caso, apenas o chefe é quem levava seu cavalo, mas isso não fora comum entre as bandeiras, e ficara mais limitada a expedições em áreas habitáveis, e não em missões para o interior dos sertões, pois os animais poderiam trazer problemas em determinados percursos da jornada, como subir ou descer serras, atravessar rios, etc. As jornadas começavam logo cedo de manhã e seguiam pelo dia todo, quando no entardecer, se escolhia o local para montar o acampamento da noite. Durante a noite, alguns membros eram escolhidos para manter a vigília, para se evitar ataques surpresas de onças, índios ou dos espanhóis. 

Mas, além da ameaça da fome, da sede, de onças-pintadas, o envenenamento e as doenças eram perigos constantes na vida de um bandeirante em missão. Cobras, aranhas, escorpiões, formigas venenosas, sapos, flechas indígenas envenenadas; além das doenças transmitidas por mosquitos como a dengue e a malária (sendo essa mais comum na Amazônia), e doenças causadas por comida e água estragada, como diarreia, cólera, verminoses, e em casos de ferimentos não tratados direitos, estes podiam inflamar e infeccionar, causando febres, e levando os ferimentos a iniciar o estado de gangrena. 

"A medicina praticada nas bandeiras era uma mistura e crendices, orações católicas e hábitos de cura utilizados por brancos, índios e negro". (VOLPATO, 1986, p. 70).

Nas bandeiras e entradas havia membros que possuíam um relativo conhecimento farmacopeico e medicinal, embora alguns não fosse médico profissionais em si. Além disso, alguns índios possuíam conhecimento de curandeirismo. Entre alguns itens que se levava nas bandeiras para se tratar os ferimentos, estava a lanceta, uma espécie de bisturi usado para abrir os cortes, para se extrair flechas, ou outros projéteis, e também era usado para se fazer sangrias e outros procedimentos médicos. Leva-se também como método de estancar o sangramento a chamada pedra-ume. 

Outro elemento supostamente curativo que os bandeirantes levavam consigo era o bezoar, pedras retiradas do estômagos ou das orelhas de alguns animais; no caso de São Paulo, a preferência era por bezoares, retirados de porcos espinhos, veados e das antas. No entanto, o bezoar hoje não é visto pela medicina como um remédio, mas sim um elemento de crendices antigas, onde acreditavam que os bezoares poderiam combater infecções, doenças intestinais, envenenamento, etc. 

"A inúmeros outros animais eram também atribuídas faculdades curativas. Dependendo do animal, a faculdade curativa estava concentrada em uma região do seu corpo, e destinava-se ao combate de mal ou males específicos. Assim, as pedras encontradas na cabeça do jacaré eram remédio infalível contra a febre; já os seus dentes serviam para combater a pestilência do ar. A cauda do gambá eram atribuídas inúmeras serventias que iam desde curar os males dos rins, inclusive procurando a expulsão de cálculos renais, até avaliar as dores do parto e garantir que a parturiente tivesse leite. Nessa farmacopeia, destacavam-se ainda as virtudes das unhas do tamanduá e do bicho-preguiça. Já as cabeças e caudas das cobras eram utilizadas para combater sua própria picadura". (VOLPATO, 1986, p. 70).

Além destas partes de animais, a urina humana, a pólvora, o sal, o aguardente e o fumo também eram utilizados como medicamentos para se tratar picadas de cobra, cortes, inflamações e infecções. No entanto, provavelmente a melhor serventia que se podia tirar desta farmacopeia indígena-europeia, era o uso das planta, pois os indígenas eram exímios conhecedores de plantas que supostamente curavam os mais diversos males. Chá, pastas, unguentos, feitos a partir de ervas, sementes, frutas, raízes, caule e folhas, eram usados para abaixar a febre, combater a diarreia, amenizar dores de cabeça ou dores corporais, poderia se fazer laxante, soníferos, calmantes, unguentos para fechar as feridas e parar sangramentos, etc. 

Além disso, os bandeirantes também usavam amuletos da sorte, como caudas de cascavel que se dizia proteger de ser picado por cobras, além de levarem outros tipos de amuletos, como pedras, patas de animais, dentes, etc. Alguns levavam consigo, "breves", trechos dos Salmos, ou de orações, no caso dos bandeirantes eles tinham preferência pelas orações a São Marcos e Santa Clara. Tais "breves" eram escritos em pequenos pedaços de papel, e guardados em espécies de amuletos ou num recipiente preso a uma corrente e colocada em volta do pescoço. 

Mas, se até aqui vimos, a realidade do bandeirante em ter que procurar comida e água, enfrentar a ameaça de fome e sede, de ter que sobreviver ao ataque de animais, ao envenenamento, a ferimentos e doenças; ter que combater os indígenas ou os espanhóis, outro problema enfrentado pelos bandeirantes era o desejo sexual. Apenas os homens participavam das bandeiras, logo, como ficavam semanas, meses ou até mesmo anos fora de casa, sem poder ver suas esposas ou ter contato com outras mulheres, a solução encontrada era se capturar índias. As únicas mulheres que faziam parte das bandeiras eram as indígenas capturadas durante as bandeiras.


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