
DO TEXTO:
Entrevistamos o conceituado carteirista portuense, Dedo Mindinho.
Quando chegamos, estava o Dedo Mindinho na fase final de um "serviço"
Por: Armindo Guimarães
Nota do Autor:
Por ser natural da cidade do Porto (Portugal), o entrevistado fala à moda portuense, substituindo palavras terminadas em "ão" por "om" e trocando a letra "v" pela letra "b".
Por ser natural da cidade do Porto (Portugal), o entrevistado fala à moda portuense, substituindo palavras terminadas em "ão" por "om" e trocando a letra "v" pela letra "b".
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Fez no passado dia 15 de julho precisamente dois anos que, em Lisboa (15-07-2019), um juiz proibiu carteiristas de andar especificamente em dois elétricos (bondes, no Brasil). Contudo, os carteiristas não foram impedidos de circular noutros elétricos ou meios de transporte urbano.
Na altura, publicámos tal notícia, ilustrando-a com a imagem que anexamos. Comentámos ainda que a sentença fazia sentido, pois os carteiristas eram "habitués" desses dois elétricos e, por serem demasiado conhecidos, o remédio foi proibi-los de trabalharem sempre no mesmo local, obrigando-os a "mudar de ares".
Poucos meses depois, em dezembro de 2019, surge a pandemia de COVID-19, que restringiu diversas atividades em todo o mundo. Em Portugal, onde o setor do turismo foi (e continua a ser) dos mais afetados, a ausência de turistas paralisou quase tudo neste segmento, incluindo os típicos elétricos tão atraentes para quem nos visita – e, em especial, para os carteiristas, que faziam deles pontos estratégicos para dar as "boas-vindas" aos forasteiros.
É caso para dizer que um mal nunca vem só: em 23-10-2018, a imprensa já noticiava o aumento de carteiristas em Lisboa, referindo que, em apenas nove meses, mais de 200 foram detidos – a maioria oriunda da Europa de Leste. A polícia estimava que, só no último semestre, mais de quatro milhões de euros haviam sido roubados. As forças policiais portuguesa e romena colaboravam, então, para diminuir a presença de carteiristas em Lisboa e no Porto.
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ENTREVISTÁMOS O DEDO MINDINHO
O Portal Splish Splash dirigiu-se às paragens de metro, autocarros e táxis em frente ao Hospital de São João, no Porto, para entrevistar o conceituado carteirista portuense "Dedo Mindinho", amigo da famosa "Quina do Porto", a octogenária carteirista Joaquina Gonçalves, de Ermesinde. Quando chegámos, o Dedo Mindinho estava na fase final de um "serviço". Tivemos de esperar cerca de 15 minutos, até à chegada do autocarro 604 com destino ao Aeroporto do Porto.
Após a partida do autocarro, o Dedo Mindinho aproximou-se de nós, cumprimentando com um gesto curioso: dedos indicador e médio juntos e ligeiramente curvados. Iniciámos a entrevista precisamente com uma pergunta sobre esse gesto.
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Splish Splash: Boa tarde, amigo Dedo Mindinho! Antes de mais, agradecemos por aceitar esta entrevista. Esse gesto com os dedos indicador e médio é intrigante. Qual o seu significado?
Dedo Mindinho: Boa tarde, malta do Splish Splash! Tudo fixe? Esse gesto, que não é só meu mas de muitos colegas de profissão, surgiu da necessidade de arranjarmos um cumprimento com alguma dignidade para substituir o aperto de mão, o beijo ou o abraço que a pandemia nos tirou há quase dois anos.
Splish Splash: Mas já existem outros cumprimentos, como cotovelo com cotovelo ou punho com punho…
Dedo Mindinho: Por amor de Deus! Isso mais parece uma macacada de que um cumprimento. Se quem morreu antes da pandemia biesse agora ao mundo e bisse o nosso presidente Marcelo Rebelo de Sousa e todos os deputados da Assembleia da República a cumprimentarem-se com o cotobelo ou com o punho, o que iriam pensar? Que andaba tudo maluco? O cumprimento pode num ser o mesmo que antes, mas tem que ter sempre a sua dignidade e não uma fantochada. Por isso é que damos mil bezes preferência ao nosso cumprimento com o indicador e médio fechados, que em carteirismo significa uma pinça sempre pronta a abrir e a fechar para pegar a presa, qual caranguejo cujas pinças mantêm respeito."
Splish Splash: De facto, esse género de cumprimento é mais prático e limpo, como quem limpa carteiras. eheheheh Amigo Dedo Mindinho, depois desta introdução com uma certa dose de humor, vamos agora falar de coisas sérias: imaginamos que a situação atual está péssima para o exercício da vossa profissão..."
Dedo Mindinho: Se está! É de lamentar a falta de apoio do Estado a quem andou anos a queimar as pestanas na belha Escola de Carteiristas da Areosa [nos arredores do Porto], muito abançada para a época pois possuía e ainda possui tudo o que há de melhor para treinar o pessoal que só está autorizado a ir trabalhar para a rua quando os guizos dos manequins com que treinam num derem o alarme.
ESCOLA DE CARTEIRISTAS DA AREOSA
Continuámos a conversa com o Dedo Mindinho sobre a lendária Escola de Carteiristas da Areosa, onde, segundo ele, os aprendizes treinavam com manequins equipados com alarmes. "Só éramos autorizados a ir para a rua quando os guizos dos manequins não tocassem mais", disse ele, recordando os tempos de formação.
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Dedo Mindinho: Ainda me lembro quando andei a tirar o curso na Escola da Areosa, carago! A malta esfalfaba-se toda a tentar limpar a carteira àqueles manequins bestidos de camones e se a malta tibesse os dedos pesados e os guizos cantassem, o Sousa Lebezinho, que era o monitor mais exigente da escola, daba-nos cabo da cabeça.
Splish Splash: E o que mais preocupa a vossa classe no exercício da profissão?
Dedo Mindinho: A bófia, é claro! Em Lisboa os gajos estão sempre a proibir os nossos colegas de frequentarem os elétricos 15 e 28 da Carris e num está certo pois eram os seus postos de trabalho há décadas. Quem ganhou com isso num foram os passageiros mas os gajos que bieram da Europa do Leste sem preparaçom nenhuma pois substituíram-se aos carteiristas portugueses tão mal, tão mal, que passabam a bida a dar na bronca ao executarem o trabalhinho. E depois quem pagaba as fabas eram os carteiristas portugueses que trabalham com profissionalismo e sem biolência, como sempre fazemos, de forma a que Portugal continue na lista como o país mais seguro do mundo. Um gajo tem que ser patriota, carago! continuou o nosso entrevistado Dedo Mindinho, aproveitando para desabafar o que lhe ia na alma.
Splish Splash: Para além da bófia, digo, da polícia, que outros contratempos vos preocupam?
Dedo Mindinho: Como se não bastasse a bófia, sempre em cima de nós, temos agora essa coisa do bírus Cobid 19 que beio fragilizar a nossa classe, pois num habendo turistas, temos que nos boltar para o turismo nacional que, diga-se, num é nada fácil pois também esse está pela hora da morte, mas enfim, a malta bai fazendo o que pode. Olhe, a única coisa boa que o bírus nos trouxe foi podermos andar mascarados a trabalhar, coisa que às bezes dá-nos muito jeito, como ainda ontem estaba eu e o Peso Pluma aqui no nosso posto de trabalho à espera do melhor momento para aplicarmos a técnica da sandwich humana, quando aparece um bófia à paisana, que só não nos chateou porque não nos reconheceu por estarmos mascarados, senão estábamos lixados.
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TÉCNICAS E ÉTICA PROFISSIONAL
Splish Splash: Pode revelar para os leitores do Splish Splash que técnica é essa da sandwich?
Dedo Mindinho: Num costumamos rebelar as nossas técnicas, mas tratando-se do Splish Splash bou abrir uma exceçom: a técnica da sandwich, tal como o nome diz, consiste em procurar os clientes em ajuntamentos, nas bichas para os transportes ou outros serbiços públicos, nas escadas rolantes, passagens estreitas, etc., onde o trabalho a dois é indispensábel a fim de na melhor ocasiom apertarmos o cliente entre nós, como quem não quer a coisa. Deste modo, o colega da frente faz a misdirection, enquanto o de trás alibia o cliente.
Splish Splash: Misdirection?
Dedo Mindinho: É um termo dos nossos colegas britânicos, que significa "desbio da atençom", quando, por exemplo, o colega da frente deixa cair de propósito um objeto para se demorar a apanhá-lo e com isso barrar o cliente o tempo suficiente para o colega de trás fazer o serbiço. Mas há muitas mais, como aquela em que um colega se arma em camone, de óculos Paco Rabanne comprados nos chineses e máquina fotográfica ao peito, e pede a um camone berdadeiro que bai a passar, para lhe tirar uma foto de recordaçom. O camone todo solícito pega na nossa máquina fotográfica e enquanto nós demoramos um pouco para escolhermos a melhor pose, outro colega por trás do camone faz o serbiço nas calmas. Mas a técnica que eu gosto mais é a do encontrom...
Splish Splash: Do encontrom, digo, do encontrão?
Dedo Mindinho: Sim. É a minha técnica preferida pois permite-me trabalhar em qualquer situaçom, sem problemas. Manjo um camone ao longe no passeio e quando o gajo está a passar por mim eu "sem querer" bou contra ele pedindo desculpa, ao mesmo tempo que lhe alíbio do bolso a carteira, continuando a andar. Essa também era a técnica do falecido Dois Dedos, do Marquês, Deus o tenha em eterno descanso e a terra lhe seja lebe.
Splish Splash - Ámen! Já vi que vocês usam alcunhas esquisitas e essa "Dois Dedos" é uma delas...
Dedo Mindinho: A maior parte das nossas alcunhas num som dadas por nós mas pela bófia que assim nos identifica, como foi o caso do Neca do Marquês que era conhecido pela bófia por "Dois dedos" por ser exímio a pinçar carteiras usando apenas dois dedos, no caso, o indicador e o médio, sempre como o diabo esfrega um olho.
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A ARTE PAGA-SE CARA
Splish Splash: E há também a técnica do esticão em que vocês vão de bicicleta ou motorizada junto ao passeio e arrancam a carteira de mão das transeuntes, não é?
Dedo Mindinho: Essa é uma técnica biolenta que não é de carteiristas profissionais mas sim de autênticos ladrões que não querem perder tempo a tirar o curso profissional e andam por aí a deixar ficar mal a nossa classe, como aqueles gajos que nos transportes públicos ficam de pé junto aos assentos ao lado das portas onde alguns passageiros pousam objetos no colo ou junto aos seus pés e quando a porta automática estiver a fechar, pimba que lá se foi o embrulho! Carteiristas que se prezem não usam esse tipo de técnicas que mais parecem próprias de abutres. Para nós, as pessoas são clientes e não bítimas. Carteiristas que se prezem gostam de respeitar a ética profissional, sendo que uma das regras primordiais é depois do serbiço fazer com que o cliente possa receber de bolta todos os seus documentos oficiais que dom um trabalho do carago a pedir nobamente."
Splish Splash: As vítimas são clientes?
Dedo Mindinho: Obbiamente que sim! Nós fazemos o serbiço com arte e como bocê sabe a arte paga-se cara!"
Splish Splash: Visto por esse prisma... não deixa de ter a sua razão. Mas você só fala em carteiristas do Porto e de Lisboa. E no resto do país não há carteiristas?"
Dedo Mindinho: Entom, num há, carago! E olhe que num som poucos. Só para lhe falar de alguns, temos o Relhanlha de Lagos, no Algarbe, que faz os comboios Alfa Pendulares Faro-Porto-Faro todos os dias, o Mons de Aranha, de Braga, que faz os Intercidades Braga-Lisboa-Braga, o...
Splish Splash: Espere, amigo Dedo Mindinho! Nós não nos estávamos a referir a trabalhadores da CP mas sim aos seus colegas carteiristas...
Dedo Mindinho: E é desses que eu estou a falar, carago! Os Alfa Pendulares e os Intercidades são locais de trabalho fixes para o trabalhinho pois está tudo facilitado. Começa logo quando os passageiros estom a entrar para as carruagens e se dirigem para os seus lugares. Aí, só temos que ser gentis e ajudar os passageiros a colocar as suas malas na bagageira acima dos seus lugares, sendo que é na hora em que o passageiro se estica para colocar a sua mala ou pasta na bagageira, que nós o alibiamos do peso da carteira. E se por acaso não pudermos ser gentis ajudando na colocação das malas nas bagageiras, podemos sempre tentar nobamente ajudando aquando da saída com a retirada das bagagens.
Splish Splash: Impressionante, tanta gentileza da vossa parte. E aqui no Porto, o trabalho vai rolando, ou quê?
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NO PORTO, POLÍCIA COLOCA E RETIRA AVISOS
Dedo Mindinho: Aqui no coraçom da Inbicta e arredores, tá tudo fixe, mas uma ocasiom o comandante da bófia armou-se em espertinho e mandou colocar nos locais mais frequentados pelos turistas, uns abisos em letras garrafais que diziam em português 'CUIDADO COM OS CARTEIRISTAS! Fique atento e não facilite.', em inglês 'WATCH OUT FOR PICKPOCKETS! Stay tuned and don’t make it easy.', e em francês 'MÉFIEZ-VOUS DES PICKPOCKETS! Restez vigilants et ne facilitez pas'.
Splish Splash: Não sabiamos dessa. Essa iniciativa ainda foi pior para a vossa classe do que a do juiz de Lisboa...
Dedo Mindinho: Qual quê? O que nós queríamos era mais iniciatibas dessas mas a bófia não só foi rápida a retirar os abisos, como nunca mais os colocou...
Splish Splash: Porquê? Vocês resolveram ir trabalhar para outro lado e os avisos já não faziam sentido?
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PORTUGUESES E GALEGOS FUNDAM O LIGHT HANDS FORCE
Dedo Mindinho: Não, carago! Até os gajos da Galiza e de Lisboa bieram aqui pro Porto pois era um bê se te abias com os turistas parados a lerem atentamente os abisos e a malta por trás deles a fazer o serbicinho. Outros liam os abisos enquanto caminhabam mas por instinto metiam a mom no sítio onde tinham a carteira e nós, pimba, sabendo onde ela estaba era tudo mais fácil. A coisa estaba a correr tam bem que conbocamos todos os carteiristas de Portugal e da Galiza, para fundarmos o Light Hands Force. A malta...
Splish Splash: O Light Hands Force?
Dedo Mindinho: Sim, carago! Entom bocê num bê que há muito que o que está a dar é falar, escreber e até cantar como os camones? Bocê liga o rádio numa estaçom qualquer e só oube música na língua dos camones e apenas nos dias de festa é que oube música portuguesa nos interbalos da publicidade; Beja o Dragon Force, que é nem mais nem menos que a Escola de Formaçom do Futebol Clube do Porto; ligue a televisom e ouça falar numa empresa portuguesa de assistência ao transporte aéreo que se chama Groundforce; liga para outro canal e fica a saber que o Serbiço Nacional de Saúde criou o Task Force para gerir essa coisa das bacinas contra o Cobid 19, bocê liga...
Splish Splash: Já percebi. Mas bocês, digo, vocês, convidaram os carteiristas galegos para fazerem parte da Light Hands Force, a que título?
Dedo Mindinho: A que título? Entom bocê num sabe que desde que foram abertas as fronteiras entre os países da Uniom Europeia, começou a haber o intercâmbio entre os carteiristas da Galiza e de Portugal? Umas bezes nós bamos trabalhar para lá, outras bezes bêm eles trabalhar pra cá e isso faz uma confusom do carago à nossa bófia e à bófia deles. Além disso, os nossos colegas da Galiza sempre foram bons a trabalhar na arte, razom da belha expressom "trabalhar como um galego". A malta dá-se bem. E agora, lamento, mas o meu interbalo de descanso já terminou e bou ter que continuar a trabalhar. Quando quiserem noba entrebista é só dizerem.
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CARTEIRA ROUBADA E DEVOLVIDA
Splish Splash: Muito obrigados pela entrevista que, estamos certos irá ser do agrado dos nossos leitores. Se vocês precisarem de um logótipo para a vossa organização Light Hands Force, digam, pois temos na nossa equipa uma redatora que é especialista em Design Gráfico.
Dedo Mindinho: Num tem que agradecer. O prazer foi todo meu, pois sou um ferrinho no Portal Splish Splash. E quanto ao logótipo, é uma boa ideia. Lebe isto de recordaçom desta entrebista.
Splish Splash: A minha carteira? Como é que ela foi parar às suas mãos se eu nem sequer me cheguei a si? Há coisas do carago!
AVISO:
O texto que acabaram de ler é fictício.
Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
A ficção revela verdades que a realidade omite
Jessamyn West
Real Pickpocketing Compilation - The Real Hustle
👌👌👌
- A propósito de reacções dos leitores a esta entrevista, também pode ler...
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Comentários
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Os carteiristas já não se safam como antigamente pois a maior parte do pessoal já não anda com dinheiro desde que em todo o sítio se começou a poder pagar com cartões de crédito.
ResponderEliminarMas gostei da entrevista.
Miguel Diogo