Sono ruim intensifica enxaqueca e dificulta tratamento

O Dr. Tiago de Paula, neurologista e especialista em cefaleia, expõe que a privação do sono não apenas pode agravar as dores de cabeça, mas também que

Criação IA de uma mulher deitada na cama, com dor de cabeça intensa, representada por um crânio em chamas com relâmpagos acima da sua cabeça.

 

Privação de sono agrava enxaqueca e altera resposta cerebral à dor


Estudo recente mostra que há uma relação bilateral entre o sono e a enxaqueca, de forma que dormir mal pode piorar as dores de cabeça e as crises podem afetar a qualidade do sono

São Paulo – junho 2025 - O sono insuficiente é um gatilho para a dor de cabeça ou uma consequência dela? Um  estudo recente da International Headache Society mostrou que a relação é bilateral, ou seja, dormir mal funciona como gatilho para as dores de cabeça e as crises na enxaqueca podem dificultar um sono tranquilo. “Esse artigo mostra a relação que os pacientes sentem na prática. Quando eles dormem mal, eles têm mais dor de cabeça. Mas o sono insuficiente também é um sintoma da própria doença”, diz o Dr. Tiago de Paula, médico neurologista especialista em Cefaleia pela Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP) e membro da International Headache Society (IHS).

O estudo investigou se o sono insuficiente perturba mais o processamento de sinais nociceptivos (neurônios sensoriais que detectam estímulos nocivos e transmitem informações de dor ao sistema nervoso central) em indivíduos com enxaqueca em comparação àqueles sem enxaqueca. As medições foram realizadas após estimulação elétrica de alta densidade, com potenciais evocados a laser (LEP) e potenciais evocados somatossensoriais nociceptivos (nSEP), medidas objetivas da atividade relacionada à dor. “Essas medições cerebrais foram feitas após duas noites de sono normal e depois de duas noites dormindo apenas quatro horas”, diz o neurologista.           O médico explica que pessoas com enxaqueca também têm qualidade de sono reduzida, mais sonolência diurna e distúrbios de sono mais graves em comparação com indivíduos sem dor de cabeça, enquanto a insônia está associada a um risco aumentado de desenvolver enxaqueca. “A enxaqueca pode ser caracterizada por aumento geral da responsividade a estímulos sensoriais e alteração da excitabilidade cortical. Os mecanismos não são totalmente compreendidos, mas podem envolver fatores pró-inflamatórios que afetam diretamente os nociceptores e transmissão aumentada da dor no nível espinhal”, explica.

Como resultado, o estudo mostrou que dormir pouco pode alterar ligeiramente o funcionamento do cérebro em pessoas com enxaqueca, aumentando sua capacidade de inibir estímulos repetitivos. “Esses resultados reforçam a ideia de que quem tem enxaqueca pode ser mais sensível à falta de sono, mesmo fora das crises”, explica o neurologista. “Além disso, o estudo mostrou um efeito maior do sono insuficiente em pacientes com enxaqueca e com sintomas de insônia”, comenta.

O neurologista explica que outro achado do estudo mostra instabilidade nas sinapses (junções entre neurônios que permitem a transmissão de impulsos nervosos) nas redes de processamento da dor, após a restrição do sono também em indivíduos com enxaqueca. “Trabalhos recentes sugerem que a disfunção sináptica no eixo tronco cerebral-tálamo-córtex é importante na fisiopatologia da enxaqueca”, diz o médico.

E como sair desse ciclo? Segundo o neurologista, é preciso tratar a enxaqueca e abandonar os medicamentos de crise, que podem piorar o quadro. “Os medicamentos monoclonais Anti-CGRP foram os primeiros medicamentos desenvolvidos, do início ao fim, para enxaqueca. Eles bloqueiam o efeito do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), que contribui para a inflamação e transmissão de dor e está presente em maiores níveis em pacientes com enxaqueca”, detalha o neurologista, que acrescenta que, em pacientes com enxaqueca crônica, a combinação da toxina botulínica com os anti-CGRPs tem se mostrado mais eficaz do que o uso isolado dessas terapias. “A toxina botulínica é aplicada em pontos nervosos específicos para reduzir a sensibilidade do cérebro a dor, ajudando, assim, no controle da enxaqueca”, comenta o médico.

Por fim, o neurologista ressalta que a enxaqueca crônica não tem cura, mas tem controle. “A avaliação individual é essencial para recomendação do plano de tratamento mais adequado para cada caso. O médico também poderá auxiliar na identificação de gatilhos e fatores cronificadores da doença, o que é fundamental para o controle das crises”, finaliza.

Foto de perfil do Dr. Tiago de Paula.


*DR. TIAGO DE PAULA: Médico neurologista especialista em Cefaleia pela Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP), membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC). Tem especialização em Neurocefaleia pela EPM/UNIFESP, onde também realizou a graduação em Medicina e a residência médica em Neurologia. Atuou como preceptor dos ambulatórios de enxaqueca infantil, enxaqueca do adulto e migrânea vestibular da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e atualmente integra o corpo clínico do Headache Center Brasil, em São Paulo (SP). Pesquisador sobre dores de cabeça, o médico também é palestrante em congressos nacionais e internacionais e autor de artigos, capítulos, livros e publicações científicas. CRMSP 168999 | RQE 18111 | Instagram: @drtiagodepaula
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