Eça de Queiroz no Panteão Nacional e o Eco das Homenagens Póstumas

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DO TEXTO: Entre outros casos, recorda-se o cantor e compositor Pedro Barroso, popularmente homenageado em vida e, após a sua morte, condecorado a título póstumo
 Criação IA editada com a foto de Eça de Queiroz à frente de um edifício estatal em cuja frontaria está inscrita uma frase do escritor sobre os políticos.
 

Reflexões sobre a honra, o esquecimento e o impacto cultural das homenagens aos nossos maiores


Por: Armindo Guimarães


As homenagens póstumas são uma forma de honrar e manter viva a memória de alguém. Um exemplo recente é a trasladação de Eça de Queiroz (1845-1900), para o Panteão Nacional, em Lisboa. Este monumento, que funciona como mausoléu para figuras importantes da história de Portugal, acolhe os restos mortais de várias personalidades notáveis, incluindo escritores, políticos e artistas.

A resolução de 2021 da Assembleia da República, que aprovou por unanimidade a trasladação de Eça, gerou polémica. Alguns familiares do escritor defenderam que os seus restos mortais deveriam permanecer no jazigo de família, em Baião. Ademais, simpatizantes da obra de Eça questionaram se o próprio escritor concordaria com tal homenagem.

Por outro lado, o Primeiro-Ministro destacou nas redes sociais que Eça de Queirós deixou ao país “fiéis retratos do seu amor a Portugal”. Segundo ele, “do fulgor das suas crónicas à admiração profunda pela terra, é um dos escritores essenciais do nosso país e um dos melhores artífices da nossa língua. Homenageá-lo com honras de Panteão é, mais do que uma justa reparação, uma oportunidade para relembrar quem somos”.

Apesar de as homenagens, em vida ou póstumas, serem sempre bem-vindas, estas últimas nem sempre teriam o acordo dos homenageados, caso lhes fosse permitido saber. Muitas vezes, tais cerimónias parecem “apenas para inglês ver”, conforme a expressão popular.

Criação IA editada com um música de barbas (Pedro Barroso), à viola, tendo ao seu redor dezenas de jovens, com cartazes a ele mesmo, a Zeca e a Adriano.

Pedro Barroso: Um Desabafo Ainda Actual


Entre outros casos, recorda-se o cantor e compositor Pedro Barroso, popularmente homenageado em vida e, após a sua morte, condecorado a título póstumo com a Medalha da Ordem da Liberdade pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. No entanto, em 2017, três anos antes de falecer, Barroso expressou um desabafo profundo na sua página no Facebook, que publicámos num artigo intitulado "Difusão de música portuguesa nas rádios em Portugal, para quando?".

O texto, reproduzido novamente abaixo, oferece uma reflexão sobre as homenagens póstumas e o reconhecimento tardio:

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"Desculpem hoje o muito invulgar e raríssimo desabafo.

Em anos disto, nunca o fiz. Sei q não pertence. Pode parecer presunção, Desculpem se o for. É. Mas.

Sei ler e escrever. Sou licenciado e fui, até, prof efectivo do Ensº Secº. Contudo, optei por ser músico autor compositor. Tenho 48 anos de carreira. Estreei-me em 69 no célebre Zip Zip. 
 
Lutei pela Democracia. Fiz a estrada apaixonada de Abril e as campanhas de Dinamização cultural num país sedento de cultura, celebrando a Liberdade. Cantei c o Zeca o Adriano e todos os companheiros q correram o sonho e arriscaram voz em tempos difíceis.

Cantei em praticamente todo o espaço português. Continente e ilhas. Fiz as Aulas magnas, Coliseus, Tivolis, Rivolis; cheios. Enfim, tudo o q pertence. Publiquei mais de 30 discos de Autor. Escrevi 5 livros - com o 6º já entregue e a caminho.
 
Tenho tido por toda a parte salas cheias, q me presenteiam com noites inesquecíveis de emoção e aplauso.

Estudei música, escrevo os poemas. Canto afinadinho, ao q parece; dizem q com um timbre e uma extensão agradáveis. Lancei bastantes nomes; e dirigi centenas de musicos ao longo da vida. 

Evito o plágio, por questões de honestidade, o q me retira muito tempo de antena em publicidade gratis, num patético contraditório.
 
Sou co autor em obra conjunta com um Prémio Nobel.
 
Actuei em Espanha, França, Inglaterra, USA, Canada, Suíça, Suécia, Croácia, Luxemburgo, Alemanha, Brasil, China. Assim de repente, q me lembre.

Fui este ano galardoado c a medalha de Honra da Soc Portª Autores, pelo exemplo de carreira.
 
Recebi demasiados prémios nacionais e internacionais cujos vos pouparei enumerar. Pq a ideia não é essa. Eu explico.

Hoje, num fim do mundo beirão onde fui almoçar, encontrei inesperadamente, velhos conhecimentos. Sabiam q enfrento problemas de saúde e achavam q eu me tivesse retirado. Perguntaram-me, candidamente, porque não me ouvem na radio, nem sequer na Antena um.
 
Dói. Nunca soube porquê. Mas os critérios de play list são sempre nebulosos e difusos. Em toda a radio q se ouve. Há quem os diga convenientes, outros florentinamente manipulados. Sabemos. Percebemos todos. Não somos parvos.

O recente CD "Artes do Futuro", que prezo como obra maior e de mestrança, recebeu surpreendentes elogios críticos independentes. Foi enviado pela editora a todos os sítios. Tem, julgo eu, uma dignidade maior.
 
Mas não me compete ser eu a dizer isto. Portanto não digo. Contudo, penso.

13 Temas. Não passam um único tema em parte alguma. Nem na RDP - Antena Um. A "rádio dos portugueses". Paga pelos portugueses para "ligar Portugal".
 
Oficialmente, portanto, eu não existo. Eu q luto tanto para ser, estar vivo, resistir, produzir e plasmar massa cinzenta. Luto demais para ter de admitir isto. E calar sorrindo, como se tudo fosse natural.

Não torno a implodir sobre este tema. Porque já sei. Não pertence. O próprio nunca deve dizer estas coisas de si mesmo. É vergonha. Tendes razão. Fica sempre mal.

Mas acho que, no mínimo, à Antena Um fica... bastante PIOR."


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Silêncio e a Injustiça Cultural


O desabafo de Pedro Barroso revela um problema estrutural na relação entre a cultura portuguesa e os seus canais de difusão. Cinco anos após a sua morte, o esquecimento que ele denunciou persiste.

Pedro Barroso — carinhosamente apelidado de "O Último Poeta-Trovador" — construiu uma obra multifacetada com mais de 30 discos, sete livros publicados, actuações internacionais e colaborações com figuras como Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, entre outros. Mesmo assim, a sua obra permaneceu à margem das rádios e da visibilidade mediática, como ele lamentou.

O Papel dos Meios de Comunicação


A RDP Antena 1, uma emissora financiada pelos contribuintes, deveria assumir o compromisso de valorizar a música e os artistas nacionais. Contudo, ao ignorar álbuns como Artes do Futuro, relega a cultura portuguesa a um lugar de menor importância.

Reflexão Final


Homenagens póstumas, como a trasladação de Eça de Queirós para o Panteão, são gestos simbólicos de enorme valor. Contudo, a maior homenagem que podemos prestar aos nossos artistas e escritores é garantir-lhes visibilidade e apoio em vida. Que o legado de figuras como Pedro Barroso e Eça de Queirós inspire um compromisso renovado com a valorização da cultura portuguesa em todas as suas formas.

Pedro Barroso - Menina dos Olhos d'Água

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6 Comentários

Comentários

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  1. Está a ver Mindo, ainda não acabei o comentario e já por tres vezes ele se apaga. Mais logo vou tentar outra vez... 😔

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  2. Excelente reflexão, Armindo. Parabéns. Não queres colaborar com o jornal digital "O Cidadão?". Não te pagam nada... mas tens os teus textos divulgados e lidos... também lá publico textos e desenhos. "Abraçoom", carago...

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    1. Olá, Varela, gostei de saber que gostaste do texto. Eu nunca escrevi para ganhar seja o que for e podia. Escrevo para comunicar como tu. Nem aqui o Portal foi criado para ganhar seja o que for. A malta aqui colabora por carolice. Parece impossível mas ainda há Por isso, terei todo o prazer em colaborar com "O Cidadão". Abraço. 😉👍

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  3. Armindo, miito bom texto e lúcida reflexão. O nosso Pedro Barroso, assim como o Adriano, eram cantores malditos, contra o sistema. Só não fizeram o mesmo ao Zeca e ao Zé Mario Branco, porque eram conhecidos demais e tinham grande vivência nos meios estudantis nos anos 70. Enfim, Armindo, é o que temos. E não vê que nos quizeram fazer esquecer as belíssimas canções francesas, italianas... Espanholas, e nos últimos anos só nos dão para ouvir as musicas da cultura americana? Porque será? Já pensou no porquê disso? É um bom motivo para... Questionar 🙂🌹 Beijinho...

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    1. É isso tudo, menina Natália. Pena que o avanço no tempo não seja sinónimo de avanço nas mentalidades. Primeiro habituam a malta de mansinho, como quem não quer a coisa e, depois, quando damos por ela já estamos no "normal" e o difícil é voltar para trás. Beijinho. 🙂🌹

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    2. Sim, Mindo, tudo tem sido a passos sorrateiros... E quando damos por ela já nao há nada a fazer 🙄😔 Beijinho.... 🌹

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