Das farsas e folias do mundo | Concertos Nómadas > CCB Lisboa 25/2

DO TEXTO: Das farsas e folias do mundo - Concertos Nómadas - CCB Lisboa
António Carrilho, Catherine Strynckx e Jenny Silvestre - CCB Lisboa


Das farsas e folias do mundo
Concertos Nómadas

Flautas António Carrilho
Violoncelo Catherine Strynckx
Cravo Jenny Silvestre

Preço único: 10€

CCB . 25 de fevereiro . sexta-feira . 19h00 . Centro de Reuniões

Programa:
Tarquinio Merula (1595-1665)
Canzonetta Spirituale sopra alla nanna *
Aria su la cetra amorosa
Andrea Falconieri (c. 1585-1656)
Folias echa para mi Señora Doña Tarolilla
de Carallenos *
Biagio Marini (1594-1663)
Passacalio *
Jacques Morel (1700-1749)
Chaconne en trio
Eurico Carrapatoso (1962)
Pastorale d’Hiver (estreia absoluta)
I. Io sento un gaudio nuovo
II. E tutta renovata io so en fervore
Johann Heinrich Schmelzer (c. 1620-1680)
Sonata Quarta
Arcangelo Corelli (1653-1713)
La Folia
* Arranjos de António Carrilho

«Yo no soi nada de prosas,
ni salmos folias y bailes; e otras cosas saltaderas son las mias.»
In Templo de Apolo (1526), Gil Vicente

Esta brevíssima e certeira descrição que Gil Vicente faz do povo lusitano permite-nos a aproximação ao universo imaginário das folias, género musical caracterizado por uma ambiência alegre e ritmada, utilizado pelo grande impulsionador do teatro ibérico como mais um instrumento de medição do pulso da sociedade portuguesa quinhentista.

A alegria esfuziante que se atribui à execução das folias potencia a sua associação ao modelo dramático da farsa, de matriz temática igualmente popular, caracterizada pela materialização de caricaturas ou críticas sociais.

A popularidade de tais modelos garantiu-lhes longevidade, perdurando muito para além da vida do genial Gil Vicente, numa Europa de muitas latitudes e em coexistência saudável com a literatura musical de matriz mais expressiva e profunda.

Das farsas e folias do mundo propõe-se percorrer um pouco desta herança cultural comum, centrando-se na exuberância do barroco, sem excluir a contemporaneidade, com a apresentação, em estreia absoluta, da sugestiva Pastoral d’Hiver, de Eurico Carrapatoso.
Jenny Silvestre

Pastorale d’Hiver é uma peça curta, mas exigente, com o grande J.S.Bach em pano de fundo, mirando-me de óculos escuros. Uma das marcas mais incríveis da música do nosso querido Bach é o sentido inato do movimento, numa música milagrosa, sempre cheia de impulso, tantas vezes baseada em padrões repetitivos, como pedais e ostinati tão bem expressos no 2.º andamento, onde perpassa a minha coisa favorita: precisamente o sentido de motum perpetuum, onde o cantabile da flauta é baseado num fluxo de harmonias com um desenho regular no cravo, arpeggios de forma fixa, levando-nos a uma experiência de transporte inescapável até aos pontos climáticos. A parte do cravo tem um papel muito importante, um papel principal, diria, com um tempo giusto vívido, nunca desacelerando ou apressando (como se fosse uma espécie de dispositivo de pêndulo), sempre brilhante, ajudando o duo a atingir esse que é o objetivo principal: a já referida sensação de fluxo contínuo, encarnando o elemento virtuoso desejado por mim e pelos intérpretes no desafio que se lhes lança.

É claro que os segmentos cantabile deste 2.º andamento (tendo sido essa, aliás, a essência que atravessou todo o primeiro andamento eivado de tanta melancolia) podem e devem ser líricos e doridos. Por isso, devem ser enfatizados de forma a que o duo e o público vivam uma experiência de comunhão e de celebração da vida em todas as cambiantes expressivas, desde as tais melancolias de olhar oblíquo às folias de olhar façanhudo.
Eurico Carrapatoso
31 de outubro de 2021

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