
DO TEXTO:
Com o Lois e o Jorge ouvi centenas de vezes os Pink Floyd, Supertramp, Génesis, Deep Purple, Rick Wakeman e, entre eles, o Rei Roberto Carlos, cujas c
Uma viagem pelas amizades e influências que moldaram o meu caminho
Por: Armindo Guimarães
Todos tivemos amigos na infância e na adolescência que, de uma forma ou de outra, nos influenciaram a ser o que hoje somos. A mim calhou-me o Jorge, que para além de ser exímio a jogar à bola, aos matraquilhos, à sameira, ao pião e à casquinha de laranja porta-a-porta, tinha um jeito inato para, com pedaços de madeira e de cabedal, improvisar rapidamente pistolas e respetivos coldres, espingardas, mascarilhas, facões e até cocares de índio apache com penas de galinha do quintal da vizinha. Mas onde o Jorge mais se destacava era a desenhar e, mais tarde, a pintar. Por vezes, via no Jorge um Rembrandt, outras vezes um Picasso, um Monet, um Van Gogh e, em especial, um Dalí.
Com ele entrei no mundo do impressionismo, do abstracionismo, do surrealismo e eu sei lá que mais. Ao Jorge juntou-se depois o Luís (Lois), mais inclinado para as coisas freudianas, ou seja, para os mistérios da vida e da alma, que gostava (e ainda gosta) de aliar à música. Era o filósofo do grupo, que misturava Aristóteles, Ptolomeu, Platão e Sócrates com as francesinhas que, pela meia-noite, saboreávamos no Café Vicobé. Estas filosofias não raro conduziam ao meu tema predileto: a provável existência de vida extraterrestre, avaliada pelos inúmeros relatos de avistamentos de OVNIs, vulgo discos voadores. Estes debates sérios eram frequentemente entrecortados pelas anedotas do Bocage, contadas pelo Jorge, algumas mais picantes do que o molho das ditas francesinhas.
Com o Lois e o Jorge ouvi centenas de vezes os Pink Floyd, Supertramp, Génesis, Deep Purple, Rick Wakeman e, entre eles, o Rei Roberto Carlos, cujas canções cantávamos na casa do Lois até altas horas da madrugada, na companhia do Mário. O Mário, de apelido Azevedo, gostava de usar o nome artístico Santana, porque, segundo ele, “Mário Santana tem mais pinta”. Não sei se tinha mais pinta, mas sei que os seus conhecimentos musicais eram impressionantes: de Vivaldi a Ravel, de Schumann a Bach, passando pelos Beatles e Rolling Stones, até Roberto Carlos. O Mário deixava-nos de boca aberta quando pegava em qualquer instrumento musical: guitarra portuguesa, cavaquinho, harmónica, oboé, acordeão, piano, violino… tudo o que estivesse à mão. Já o Lois restringia-se à viola-baixo, justificando que assim não acordava os vizinhos.
O Toninho, que não gostava que o Jorge lhe chamasse “Rata Cega” ou “Ratência”, tinha um talento especial para o desenho, mais especificamente para a banda desenhada. Muitas vezes surgiam rivalidades entre ele e o Jorge, já que o Toninho não compreendia ou não queria compreender as atitudes "dalinianas" do Jorge. Eu, no meio deles, ria-me à socapa.
Nas nossas reuniões de fim de semana na casa do Lois, que chamávamos de “secas”, o Toninho tocava esferovite, esfregando dois pedaços daquele material, enquanto eu imitava o Ringo Starr, tocando bateria na máquina de escrever portátil do Lois, cujas teclas estavam há muito debilitadas. O Jorge, esticado no chão e de peito para o ar, dormia profundamente, ressonando ao ritmo de "Folhas de Outono", do Roberto Carlos. Só despertava quando interrompíamos a seca para um intervalo de cervejas fresquinhas, batatas fritas, amendoins e tremoços. Era a solução para a prisão de ventre do Lois, que, rindo às gargalhadas com a leitura da Gaiola Aberta de José Vilhena, aliviava simultaneamente corpo e espírito na casa de banho.
Mas, entre aqueles amigos que tanto me marcaram, houve um que não fazia parte do grupo.
Era o segundo dia do primeiro mês do ano quando dei o meu primeiro grito para a vida. Ele tinha 10 anos e foi o meu padrinho de batismo. O Sebastião Isolino, vivia o tempo de James Dean, ícone da rebeldia e das angústias da juventude dos anos 50. Foi numa época de mudanças, marcada pelo Rei do Rock, Elvis Presley, e por uma moda que ela própria refletia essa rebeldia: camisas brancas, calças justas, blusões de couro e brilhantina no cabelo.
Lembro-me do triciclo azul que ele me ofereceu e que andou por toda a calçada da minha rua, até ser substituído por outro, nunca tão especial como o primeiro.
Nos anos 60, chegaram os Beatles, e com eles as modas e a “beatlemania”. Em Portugal, vibrávamos com os Sheiks, os Ekos, o Quarteto 1111, entre outros. Mais tarde, foi a vez das calças de ganga. Ele, sempre um passo à frente, presenteou-me com as minhas primeiras jeans, que fizeram a inveja da malta da rua.
Era o segundo dia do primeiro mês do ano quando dei o meu primeiro grito para a vida. Ele tinha 10 anos e foi o meu padrinho de batismo. O Sebastião Isolino, vivia o tempo de James Dean, ícone da rebeldia e das angústias da juventude dos anos 50. Foi numa época de mudanças, marcada pelo Rei do Rock, Elvis Presley, e por uma moda que ela própria refletia essa rebeldia: camisas brancas, calças justas, blusões de couro e brilhantina no cabelo.
Lembro-me do triciclo azul que ele me ofereceu e que andou por toda a calçada da minha rua, até ser substituído por outro, nunca tão especial como o primeiro.
Nos anos 60, chegaram os Beatles, e com eles as modas e a “beatlemania”. Em Portugal, vibrávamos com os Sheiks, os Ekos, o Quarteto 1111, entre outros. Mais tarde, foi a vez das calças de ganga. Ele, sempre um passo à frente, presenteou-me com as minhas primeiras jeans, que fizeram a inveja da malta da rua.
Lembro-me quando saía do seu Opel Kadett laranja, sendo observado pelas miúdas que passavam na rua de Santa Catarina, e ele, qual James Dean portuense, executava aquele seu peculiar gesto de retirar do bolso de trás das suas "jeans" o pente de plástico preto que usava para dar um jeito à sua cabeleira loura.
Agregado que diariamente estava aos seus deveres profissionais, nem por isso o James Dean portuense desvirtuava os valores “jamesdeanianos” de liberdade e rebeldia que estavam subjacentes ao seu “modus vivendi”, muitas vezes dando largas à sua veia artística no célebre Grupo de Teatro Os Modestos. Era, também, o tempo da “Garota do baile”, da “Namoradinha de um amigo meu”, de “Quero que vá tudo pro inferno”, do “Negro Gato”, do “Lobo Mau”, do “Pega Ladrão”, do Calhambeque”, do Splish Splash” e outras tantas músicas que vinham lá de Terras de Vera Cruz, na voz daquele que rapidamente foi e ainda é considerado o Rei da MPB, o cantor/compositor Roberto Carlos, que eu, então com 11 anos já tentava imitar.
Activista que era (e ainda é), punha toda a malta da rua a praticar atletismo com provas de corrida que tinham como percurso várias artérias próximas à rua de Santa Catarina: Era eu, o Jorge, o Manel, o Rui, o Bernardo, o Gusto, o Zé-Tó, o Nelo, o Luís, o Dorindo, o Tono, o Calota, o Jorge Poio, o Tó-Zé, a Lola, a Manela, a Hortência, a Isabel, a Marlene, a Odete e tantos outros, enquanto ele utilizava o seu moderno “Cauny” para cronometrar as chegadas.
Mais do que meu padrinho, ele foi uma figura paterna para mim – algo que talvez só agora ele venha a perceber.
É a todos os meus amigos aqui citados, e em especial ao meu James Dean, que dedico estas memórias.
Os Ekos (1965)
Roberto Carlos 1966
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Comentários
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Olá Maninho querido!
ResponderEliminarEstou aqui sem saber o que dizer.
Emocionantes e bonitas as lembranças da sua infância, adolescência, enfim sua vida.
Uma maneira muito interessante e bonita também de homenagear seu padrinho, a quem sempre considerou um pai.
Se eu me emocionei, imagine ele ao ler tudo isso, que ele vai lembrar também.
Parabéns maninho por essas recordações tão lindas! Maravilha de texto!
Parabéns ao nosso seguidor número 100, o senhor Sebastião Isolino, o querido padrinho e pai, do meu maninho e patrãozinho.
Beijos para os dois,
Carmen Augusta
Olá Mindo!
ResponderEliminarEstou deveras impressionado com as tuas recordações de infância e de juventude. Mais uma vez o meu nome é referido como recordação desse passado. Congratulo-te por isso, mas quero aqui realçar e de certo modo corrigir um desses elogios já feitos aqui no portal, que nesse tempo aprendemos uns com os outros. Também aprendi muito contigo. E no que respeita a essa vertente freudiana quero aqui referir que eras um mestre nessas coisas. Lembro-me de, com alguma saudade, as nossas conversas, em plena rua, em altas noites de madrugada, aliás a noite toda até ao raiar do dia, conversando sobre as questões existenciais que apoquentam a humanidade.
Para quem não sabe o Mindo era um grande entendido do hipnotismo e, por consequência, aí sim conhecedor “das coisas da vida e da alma”. Lembro-me de, embora eu não tivesse assistido, ele ter proporcionado um estado de catalepsia a um amigo comum (o Mesquita) um grandalhão de, aproximadamente, 2 metros de altura fazendo com que ele ficasse com os calcanhares na ponta de uma cadeira e a cabeça numa outra ponta permanecendo imóvel e hirto como uma barra de ferro. Para além disto tratou do estado de alma de outro amigo (o Mário – Marocas para os amigos) que andava, nessa época, com o espírito muito combalido, penso que foi por razões de amores.
Para além de ser um texto bem escrito, coisa que não me surpreende, tem, como tónica fundamental, o reconhecimento daqueles que foram importantes na nossa vida. Infelizmente esse sentimento vai escasseando nos dias hoje, principalmente numa determinada classe (política, p.exp) esquecendo que foi pela revolução dos cravos que se guindaram a ocuparem lugares de topo na nossa sociedade e que hoje, quando confrontados com isso, esboçam um ar de desentendidos e surpresos por tal constatação.
Escusado será dizer que foi muito agradável para mim recuar a esse passado embora distante mas muito presente.
Para terminar imagino a cara de satisfação e emoção do teu padrinho Sebastião, que aproveito para lhe mandar cumprimentos, pois ao ler isto ficará, com toda a certeza, com muito orgulho no afilhado pela evolução que teve ao longos destes anos bem como, e acima de tudo, não se esquecer dele referenciando-o de maneira tão elogiosa.
Um grande abraço.
Lois.
Meu Preclaro Amigo, Armindo
ResponderEliminarMuito emocionante e maravilhosa a sua história de vida!
Creia-me, que ensinou-me sobremaneira acerca dos valores fundamentais da vida.
Nesta sua hitória, aprendi mais ainda que o ditado é certíssimo quando diz: " As palavras dignificam, mas o exemplo arrasta".
Hoje, entendo que nascemos com tendências para fazer o bem ou o mal, e, a idade para que isto possa se enveredar para um ou o outro lado, é esta que vc colocou, qual seja, a adolescência.
Esta verdadeiramente é a idade que cai a máscara.
Entendo que há casos em que por merecimento, nascemos junto a pessoas que nos proporcionam toda uma possibilidade de exercitarmos somente fazer o bem, não só a nós mesmos, como sobretudo ao próximo.
Este é o caso! Por merecimento vc conquistou,. meu caro amigo, esta tal possibilidade de tê-lo junto a você. Espaço que vem conquistando há muitas vidas. Doravante, nascerão sempre juntos nos círculos das pessoas de Bem.
Parabéns à você e um grandioso abraço ao seu amoroso padrinho, ou seria melhor dizendo, um amoroso Pai.
E vc ainda pergunta se é possível isto?
Abraços!
Meu querido amigo e patrãozinho Mindo!
ResponderEliminarAchei brlhante o seu artigo relatando acontecimentos de sua vida desde a infância e pelo visto te deixava muito feliz, já que as companhias eram meninos que demonstravam atitudes de grandes celebridades e você não é de admirar-se já demonstrar desde pequeno o seu lado culto.
Lembro do seu amigo Nelo que já fizeste um artigo e colocou no portal Clube do Rei, contando das aventuras de encontrar com o ídolo Roberto no Hotel e você Isolino tenho um imensa admiração por ti, desde pequeno pelo que sei, sempre fostes rizonho, alegre, cômico e a sua sabedoria que sabemos que tens hoje, já vem de longe, pois até os bate-papos com os meninos portugas já eram de menino esperto, vivo, observador e muito mais.
Queria ter conhecido o Isolino, que era assim que sua mãe o chamava!
Magnífico relato, só uma cabecinha tão pensante, pra lembrar de tantas coisas e contá-las com tanta convicção de quem é bastante inteligente e sabe cativar a todos com seu carisma.
Esssa do seu padrinho pra mim era desconhecida, mas eu louvo os dois pelos corações sensíveis que sempre possuiram.
Beijos e abraços de sua colaboradora!
Mazezita!!!!
OLà Mindo! foi realemente muito emocinante este teu relatorio sobre as tuas recordaçaos.E é verdade que nos fizeste lembrar em certas circotancias algumas passagens parecidas a minha ou a nossa infancia.Ha sempre alguns amigos e histotias que te ficam gravados na memoria para toda a vida.Mas isso é bom sinal e eu nao fico muito surpreendido no caso que jà te conheço bastante quer dizer que tiveste uma infancia em geral feliz que a partilhaste com amigos que te diexaram belissimas recordaçoes.Embora na tua infancia houveram outra circontancias menos agradaveis porque tambem tenho conhecimento,mas estas Mindo sao mesmo as que a gente deve guadar na cabeça para ela ficar sempre bem controlada.Abraços
ResponderEliminarPor deparar com problemas em relação à net, só hoje li com atenção este texto. Bem gizado e ilustra bem essa figura do "patrãozinho"em relação a todos aqueles que o rodeiam, mormente os entes-queridos. Também não tenho palavras para mais comentários. Fico por aqui: EXCELENTE!
ResponderEliminarOlá Mindo.Ao ler o teu escrito fiquei altamente comovido e não consegui conter as lágrimas k fluíram no meu rosto.Desde o berço, sempre tive orgulho na tua pessoa. És um ser humano k transmites Ilídio às pessoas k gostas, acompanhado de mt.humor,originando altas gargalhadas.Sempre estive ligado ao teu crescimento e desenvolvimento e ficas a saber k fui a pessoa k te ensinou a gatinhar picando-te o rabo com pi assá e posteriormente a andar num local empedrado bastante irregular pk era a forma de te manteres de pé.Lembro -te k no dia k a tua mãe teve alta na maternidade,eu e o meu irmão Alberto fomos surpreendidos com a presença de um gatuno,k utilizou a n/ingenuidade e repetia tudo k nós dizíamos ;tais como:o nome dos meus pais,a ausência da n/mãe para a maternidade buscar o Bebé e foi nesse momento k surge a tua mãe contigo ao colo a subir a travessa,ele apercebe-se e desata a fugir e nada levou.Haveria mais episódios, mas ficará para um breve encontro.Cumprimento os amigos e subscrevo os elogios k te foram feitos,ao talento na arte de escrever.Formulo k continues com gosto na vida e na escrita e o resto vem depois"Humildade e a capacidade de admirar o mundo,são as duas características fundamentais para a vida".Bem haja Um frt. abraço e Bjs.às m/afilhadas
ResponderEliminarManinha, obrigado pelas palavras e por teres lembrado esse pormenor importante para mim do centésimo Seguidor do nosso Splish Splash. Biejinhos do teu maninho.
ResponderEliminarLois, o teu comentário, veio acrescentar mais algumas passagens que foi bom recordar. Mas deixa-te de coisas que eu continuo a dizer que tu é que eras o filósofo da malta, coisa que até nem é difícil para ninguém acreditar ao ler o teu comentário, que dava ele próprio para um artigo aqui no Splish Splash. Sobre o hipnotismo, designadamente sobre a cena do Mesquita, é claro que me lembro muito bem e rio-me só de pensar. Esqueci-me de contar as nossas cenas nos ensaios de Karate, quando eu, tu e o Marocas andávamos na Shoshinkai armados em Bruce Lee. Eheheheh Grande abraço.
ResponderEliminarGrande Bottary! E se o meu amigo Lois era o filósofo da malta, tu és do Splish Splash e não venhas aqui, como ele veio, dizer o contrário, senão estás lixado comigo que és despido, digo, despedido de repórter do Splish Splash.
ResponderEliminar:)
Grande abraço, pá!
Oi, Mazezinha, tu sempre um amor nos teus comentários que se eu não soubesse que são do coração, iria pensar serem uma forma de pedir aumento de ordenado aso patrãozinho que no que respeita a dar aumentos todo mundo sabe que só se for de trabalho.
ResponderEliminarEheheheheh
Beijinhos e abraços.
Olá, Manel!
ResponderEliminarÓ pá, neste momento que escrevo (3 de Abril), sei que estás doente e por isso daqui a pouco vou telefonar-te para saber como vais pois a malta aqui no Splish Splash farta-se de me enviar mensagens a perguntar por ti e pelo teu estado de saúde.
Grande abraço, pá!
Amigo Carlos Alberto,obrigado pelas palavras e pelo excelente.
ResponderEliminarGrande abraço.
Olá, padrinho!
ResponderEliminarEscusado será dizer que fiquei bastante contente por ver aqui o seu comentário e ainda por cima lembrando outras cenas. Ri-me com aquela de me ensinar a gatinhar picando-me com o piaçá duma vassoura e do gatuno que se queria aproveitar acabando por fugir sem nada levar. Eheheheh
Grande abraço
Ah! Qualquer dia temos que nos encontrar para jogarmos uma de snooker a meias ou ao peerde-paga. Ou então uma de ping-pong.
Eheheheh
Outro abraço.