COMO SERÁ DAQUI PRA FRENTE?

DO TEXTO:
Uma professora de português pediu à amiga escritora que criasse um conto ou crônica utilizando as novas regras ortográficas para trabalhar com seus alunos adolescentes. A escritora, depois de muito relutar, acabou cedendo aos insistentes apelos da amiga. No dia da apresentação da aula, os alunos estavam mais dispersos que o normal. A professora chegou a pensar em mudar o tópico mas as férias estavam chegando e a matéria andava atrasada. A professora notou que aos poucos seus alunos participavam da aula, fazendo comentários ou complementando alguma parte do texto. Durante as aulas que vieram depois, surgia um comentário ou outro que trazia a crônica novamente à baila, que era rapidamente integrada à matéria do dia. A turma evoluiu. As provas mostraram que as novas regras ortográficas foram bem assimiladas pela turma, que obteve a melhor média de notas da escola. Outra professora resolveu utilizar a crônica em outra escola. O resultado foi animador.


Como será daqui pra frente?


Estive vendo as novas regras da ortografia. Na verdade, já tinha esbarrado com elas trilhares de vezes, mas apenas hoje que as danadas receberam uma educada atenção de minha parte. Devo confessar que não foi uma ação espontânea. Que eu me lembre, desde o ano retrasado que uma amiga me enche o saco para escrever a respeito. O faço com a esperança de que diminua o volume de e-mails e torpedos que ela me envia. Em suma, que as novas regras ortográficas a mantenham sossegada por um bom tempo. Cai o trema! Aliás, não cai... Dá uma tombadinha. Linguiça e pinguim ficam feios sem ele mas quantas pessoas conhecemos que utilizavam o trema a que eles tinham direito? Essa espécie de "enfeiação" já vinha sendo adotada por 98% da população brasileira. Resumindo, continua tudo como está. Alfabeto com 26 letras? O "K" e o "W" são moleza para qualquer internauta, que convive diariamente com "Kb" e "Web"-qualquercoisa. A terceira nova letra de nosso alfabeto tornou-se comum com os animes japoneses, que tem a maioria de seus personagens e termos começando com "y". Esta regra tiramos de letra. O hífen é outro que tomba mas não cai. Aquele tracinho no meio das vogais, provocando um divórcio entre elas, vai embora. As vogais agora convivem harmoniosamente na mesma palavra. Auto-escola cansou da briga e passou a ser "autoescola", auto-ajuda adotou "autoajuda". Agora, pasmem! O que era impossível tornou-se realidade. Contra-indicação, semi-árido e infra-estrutura viraram amantes, mais inseparáveis que nunca. Só assinam "contraindicação", "semiárido" e "infraestrutura". Quem será o estraga-prazer a querer afastá-los? Epa! E estraga-prazer, como fica? Deixa eu fazer umas pesquisas básicas pela Internet. Huuummm... Achei! Essas duas palavrinhas vivem ocupadíssimas, cada uma com suas próprias obrigações. Explicam que a sociedade entre elas não passa de uma simples parceria. Nem quiseram se prolongar no assunto. Para deixar isso bem claro, "vão manter o traço". Na "contra-mão", chega um "paraquedista" trazendo um "paralama", um "parachoque" e um "parabrisa" - todos sem tracinho. Joguei tudo no "porta-malas" pra vender no "ferro-velho". O "paraquedista" com cara de "pão de mel" ficou nervoso. Só acalmou quando o banhei com "água-de-colônia" numa banheira de "hidromassagem". Então os nomes compostos não usam mais hífen? Não é bem assim. Os passarinhos continuam com seus nomes: "bem-te-vi", "beija-flor". As flores também permanecem como estão: "mal-me-quer". Por se achar a tal, a "couve-flor" recusou-se a retirar o tracinho e a delicada "erva-doce" nem está sabendo do que acontece no mundo do idioma português e vai continuar adotando o tracinho. As cores apelaram com um papo estranho sobre estarem sofrendo discriminações sexuais e conseguiram na justiça, o direito de gozarem com o tracinho. Ficou tudo "rosa-choque", "vermelho-acobreado", "lilás-médio"... As donas de casa quando souberam da vitória da comunidade GLS, criaram redes de novenas funcionando por 24hs, para que a feira não se unisse sem cerimônia aos dias da semana. Foram atendidas pelo próprio arcanjo Gabriel que fez uma aparição numa das reuniões, dando ordens ao estilo Tropa de Elite: - Deixe o traço! Deu certo. As irmãs "segunda-feira", "terça-feira" e as demais, mantiveram o hífen. Os médicos e militares fizeram um lobby, gastaram uma nota preta pra manter o tracinho. Alegaram que sairia mais caro mudar os receituários e refazer as fardas: "médico-cirurgião", "tenente-coronel", "capitão-do-mar". Uma pequena pausa para a cultura, ocasionada pelo trauma de ler muitas pérolas do Enem e Vestibular. Só por precaução... " Almirante Barroso" não tem tracinho. Assim era chamado Francisco Manuel Barroso da Silva. Sim, o cara era militar da Marinha Imperial. Foi ele quem conduziu a Armada Brasileira à vitória na Batalha do Riachuelo, durante a Guerra da Tríplice Aliança. No centro do Rio de Janeiro há uma avenida com seu nome (Av. Almirante Barroso). Na praia do Flamengo, há um monumento, obra do escultor Correia Lima, em cuja base se encontram os seus restos mortais. Fim da pausa! Acho que algumas regras pra este tracinho, até que simpático, foram criadas por algum carioca apaixonado. Será que Thiago Velloso e André Delacerda tiveram alguma participação nas novas regras? O "R" no início das palavras vira RR na boca do carioca. Não pronunciamos R (como em papiro, aresta e arara), pronunciamos RR (como em ferro, arraso e arremate). Falamos rroldana e não roldana, rrodopio e não rodopio, rrebola e não rebola. Pois bem, numa das tombada do hífen, o "R" dobra e deixa algumas palavras com jeito carioca de ser: "autorretrato", "antirreligioso", "suprarrenal". Será fácil lembrar desta regra. Se a palavra antes do tracinho (nem vou falar em prefixo) terminar com vogal e a palavra seguinte começar com R é só lembrar dos simpáticos e adoráveis cariocas. Mais uma coisinha: a regra também vale para o "S". Fico até sem graça de comentar isso, pois todos sabemos que o S é um invejoso que gosta de imitar o R em tudo. Ante-sala vira "antessala", extra-seco vira "extrasseco" e por aí vai... Quem segurou mesmo o hífen, sem deixá-lo cair, foram os sufixos terminados em R, que acompanham outra palavra iniciada com R, como em "inter-regional" e "hiper-realista". Estes tracinhos continuarão a infernizar os cariocas. O "pré-natal" esteve tão feliz, rindo o tempo todo com o "pós-parto" de uma camela "pré-histórica" que ninguém teve coragem de tocar no tracinho deles. Já o pró - um chato por natureza, foi completamente ignorado. Só assim manteve o tracinho: "pró-labore", "pró-desmatamento". A vogal "e" o "h" não chegaram a nenhum acordo, mesmo com anos de terapia. Permanecem de cara virada um pro outro: "anti-higiênico", "anti-herói", "anti-horário". Estou começando a achar que as vogais são "semi-hostis" com as consoantes... O interessante é que as vogais quando estão próximas umas das outras, não tem essa de "arquiinimigas". Fizeram lipo juntas e conquistaram uma silhueta "antiinflacionária" de "microorganismo". Sumiram todos os tracinhos, notaram? Vogal-vogal, com as novas regras ficam magrinhas: "microondas", "antiibérico", "antiinflamatório", "extraescolar"... Uma inovação interessante: -Podem esquecer o mixto, ele foi sumariamente despedido. Puseram o "misto" no lugar dele Fiquei bolada com essa exceção: o prefixo "co" não usa mais hífen. Seguiu os exemplos de "cooperação" e "coordenado", que sempre estiveram juntas. Não estou me lembrando no momento, de nenhuma palavra que use co com tracinho. Será que sempre escrevi errado? Quem diria que o créu suplantaria a "ideia"!? Teremos que nos acostumar com as "ideias heroicas" sem o acento agudo. Rasparam também o acento da pobre coitada da "jiboia". O acento do "créu" continua porque tem o U logo depois. Pelo menos a "assembleia" perdeu alguma coisa... Resta o consolo em saber que continuamos vivendo tendo um belíssimo "céu" como "chapéu".


Crônica de: Elida Kronig.
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16 Comentários

Comentários

  1. Sem dúvida que a nossa colaboradora Carmen Augusta, está a especializar-se (ou já está?) em perita sobre o novo Acordo Ortográfico.

    Este seu post é mais uma achega sobre os prós e os contras do novo Acordo e por isso os meus parabéns à Guta pela iniciativa.

    Recordo que este assunto foi aqui sugerido (e bem) pelo nosso amigo Bernardo Moura e imediatamente trazido à estampa pela nossa contribuidora Con que, confesso, ainda não disse de sua justiça, certamente ocupada que anda com a sua (seu) Confissão, um blog a não perder.

    Por isso, pedimos, ou melhor, exigimos a presença a este tablado da ilustríssima e digníssima Menina Con.

    Abraços

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  2. Patrãozinho querido,
    obrigada por ter gostado da crônica. Fala verdade, essa cronica está fixe, né?
    Mas como já disse,vai ser uma confusão do carago!
    É esperar para ver...
    Um beijo,
    Carmen Augusta

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  3. Olá Carmen,

    Pois já vou avisando, daqui para a frente será como daqui para trás.. ehehehe

    A mim não me botam a escrever cenas maradas :)

    Um Abraço e Bom Fim-de-semana ;)

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  4. Oi tá-se bem!
    Gostei do:"daqui para a frente será como daqui para trás"...
    Vai ser difícil mesmo.
    Obrigada e bom fim de semana para você também.
    Um abraço,
    Carmen Augusta

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  5. Minha querida Carmen!

    Que belíssimo texto! Essa crônica está bastante convidativa de se ler.

    A forma que nos foi exposta, bem descontraída e bem humorada o jeito que foi escrita, contando as regras ortográficas, bem agradável, que até mesmo os alunos sentiram facilidade na assimilação melhor do conteúdo de nova abordagem, adapatando-se facilmente ao inovador conteúdo da Lingua Portuguesa.

    O dinamismo em falar das mudanças das regras ortográficas, foi feita de uma forma incentivadora, onde estimula o educando no processo ensino aprendizagem.

    Gostei muito, bem interssante que nos dá o prazer de ler sem interrupções.

    Parabéns Carmen, pela excelente postagem, para culminar e aprofundar o que já foi dito,analisado e comentado por nós aqui no blog.

    A montagem das Bandeiras que compõem os países de lingua lusófonas, está impecável!

    Adoreeeeeiiiiiiii!!!!!!!

    Beijos da amiga!

    Mazé silva.

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  6. Querida Mazé,
    apesar de ter minhas reservas como já disse, sobre esse Acordo, também achei a crõnica muito bem feita.Obrigada por também gostar e pelo comentário.

    Agora a ilustração com as Bandeiras,ísso é obra do nosso querido patrão, o mérito é dele...
    Ficou bacana, né?
    Ele é bom em tudo que faz.

    Aliás Armindo querido amigo, a mudança no visual do blog, está linda!Parabéns!
    Um beijo para vocês,
    Carmen Augusta

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  7. Nobre colega Carmen,

    O acordo aqui no blog parece que ocorreu mais amigavelmente entre Brasil e Portugal do que o ortográfico. O português europeu tem aceitado com bom grado as matérias das meninas sul-americanas, palavras que continuam separadas pelo hífen. Sobre a letra “y” que fará parte do alfabeto, já convivo com ela desde que registraram o meu nome Marley. Sobre as novas regras do “R” e do “S” com a queda do hífen, vamos tomar cuidado para que esses erros não sejam cometidos. Quanto à nova situação do acento agudo, parece que vai deixar muita gente em pé a pensar no que vai escrever. Vamos continuar colocando os pingos nos “I”s, mas lembrando de tirar os pingos dos tremas.

    Um grande abraço

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  8. Bem, este post está fantástico.
    Expõe muito bem,mesmo, a opinião formada sobre o "acordo ortográfico". Parece uma excelente "campanha eleitoral".
    No que me toca, mantenho as minhas reticências na aplicação do "acordo". Mantenho porque não simplifica. Não se trata de um finca pé meu.
    Vejamos, se quisermos mesmo simplificar a escrita podiamos entrar no exagero "bairrista" e quando escrevesse-mos para uma pessoa que é do norte de Portugal,seria assim: "Atonhe? Tás bonhe?", ou para um madeirense: "Ó sê maganu malucu, tás ben?Razparte aquéle miude qué um tracuina du piôr.". E por ai fora.
    Não me alongo mais.

    Abraços

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  9. Nobre colega Marley,

    esse Acordo vai nos dar um trabalho....
    Eu sempre coloquei o trema, então linguiça, por exemplo, fica estranho para mim.Tirando o hífem de algumas palavras elas ficam simplesmente horríveis: autorretrato, antessala, dá para enfrentar isso?
    E os acentos? Ai meu Deus, não sei se vou me acostumar com isso...
    Enfrentar a Internet,que não gosta de acentos, letra maiúscula, cedilha, til,e outras coisas mais, já foi barra, para mim...Mas acostumei. Talvez seja isso,a falta de costume que está amedrontando a gente.
    Atenção redobrada...

    Obrigada amigo, bom final de semana.
    Um abraço,
    Carmen Augusta

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  10. Oi Bernardo,
    obrigada por gostar da crônica.
    Estou com você, mantenho minhas reservas, e também acho que complica, não simplifica nada, só vai dificultar.

    Nossa, mas o português de vocês muda muito, de uma região para outra, bem mais que o nosso.
    Não vai ser fácil unificar isso....
    Se é que vai...
    Obrigada, bom final de semana.
    Um abraço,
    Carmen Augusta

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  11. Carmen!

    Ainda bem que gostas do visual.

    Quanto à foto das bandeiras deste post, fui buscar à net.

    Abraços

    Ah! Vejo que este post está bastante participativo e ainda bem.

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  12. Nobre colega Bernardo,

    Esse tipo de linguagem citada por você, creio eu, provavelmente fazem parte do regionalismos ou jargões que sempre existiram e continuaram a existir. São as linguagens especiais. Até esse tipo de linguagem vem perdendo a sua força devido a globalização nos meios de comunicação, que tem contribuido para criar novos tipos de linguagem, muitas vezes de forma negativa.

    Um grande abraço

    Um grande abraço

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  13. Nobre colega Bernardo,

    Na mensagem anterior, onde se lê continuaram leia-se continuarão.

    Um abraço

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  14. Caro Carlos Marley,
    de certa forma sim. Basta ouvir os adolescentes a falar. Por exemplo, quando acham piada a qualquer coisa além de se rirem dizem LOL.

    Grande abraço

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  15. Oi, gente.

    Aqui é a Elida, autora da crônica. Esta versão que estão disponibilizando contém erros. A professora que me pediu a crônica utilizou esta versão para que os alunos pesquisassem onde estão os erros 9esse foi o exercício). Somente depois é que ela apresentou a crônica com as regras ortográficas corretas.

    Veja no meu blog elidakronig.blogspot.com, tanto a versão correta quando as informações de como o trabalho foi feito.

    Grata.
    Elida Kronig

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  16. Cara Elida Kronig:

    Pedimos aceite as nossas desculpas pelo lapso que, infelizmente, ocorreu devido ao facto de termos utilizado a segunda versão, facto que, ao que parece, aconteceu em muitas outras situações que seriam evitáveis se antes a tivessem contactado sobre o assunto, o que não aconteceu também connosco, facto desde já nos penitenciamos sendo certo que doravante o faremos.

    Entretanto, aproveitamos para solicitar o favor de nos disponibilizar o envio da primeira versão a fim de com muito prazer a publicarmos.

    Gratos pela atenção, apresentamos os melhores cumprimentos.

    Armindo Guimarães

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