CCB | Tchaikovsky e Schnittke: Destino e Danação em Confronto

Concerto no CCB a 4 de janeiro com a Sinfonia n.º 4 de Tchaikovsky e a Cantata Fausto de Schnittke pela Orquestra Sinfónica Portuguesa e Coro do TNSC.
Cartaz alusivo ao Concerto no CCB com Sinfonia n.º 4 de Tchaikovsky pela Orquestra Sinfónica Portuguesa


Orquestra Sinfónica Portuguesa e Coro do TNSC numa tarde de tensão, angústia e revelação musical


Há concertos que se ouvem. Este vive-se

"Quando a música encara o destino de frente, não há espaço para indiferença."
Vímara Porto

No dia 4 de janeiro, domingo, às 17h00, o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém acolhe uma tarde sinfónica de alta voltagem emocional, coproduzida pelo CCB e pela OPART/Teatro Nacional de São Carlos. Em palco, a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, sob a direção de José Eduardo Gomes, propõem um encontro raro entre dois universos musicais intensos e inquietantes: o de Alfred Schnittke e o de Pyotr Ilyich Tchaikovsky.

Antes do concerto, os portadores de bilhete poderão ainda participar numa conversa pré-concerto conduzida por Isabel Pina, momento privilegiado para enquadrar um programa que mergulha fundo nos conflitos existenciais do ser humano, onde a música deixa de ser ornamento e passa a ser confronto.

A abrir, a Cantata Fausto: «Sede sóbrios e vigilantes» (1983), de Alfred Schnittke, revisita a versão mais antiga da lenda de Fausto, publicada em 1587. Fiel ao seu inconfundível poliestilismo, Schnittke constrói uma obra de choque e fricção: o sagrado cruza-se com o profano, o barroco colide com um modernismo agressivo, e a narrativa avança como um julgamento implacável do saber sem limites. Escrita para quatro solistas, coro e orquestra, a cantata culmina num final tão perturbador quanto célebre — um tango grotesco entoado pelo Diabo, que ridiculariza a ambição humana enquanto a empurra para o abismo. Não há redenção fácil, apenas lucidez brutal.

Segue-se a Sinfonia n.º 4 em fá menor, Op. 36, de Tchaikovsky, composta em 1877 num dos períodos mais turbulentos da vida do compositor. Aqui, o inimigo não é a danação, mas o destino. Logo na fanfarra inicial, o “fatum” impõe-se como força incontornável, atravessando toda a obra. Entre explosões dramáticas e episódios de delicado lirismo, Tchaikovsky revela um espírito dilacerado, oscilando entre o desespero íntimo e a necessidade de afirmação. No andamento final, a energia quase festiva de inspiração popular não nega a tragédia: enfrenta-a. É música que não foge da dor, mas insiste em viver apesar dela.

Interpretam este programa exigente Cátia Moreso (meio-soprano), Jan Wouters (contratenor), Marco Alves dos Santos (tenor) e Christian Luján (baixo), acompanhados pelo Coro do Teatro Nacional de São Carlos e pela Orquestra Sinfónica Portuguesa, numa leitura que promete densidade expressiva e rigor artístico.

Colocadas lado a lado, estas duas obras desenham um retrato poderoso do drama humano: a tensão entre liberdade e inevitabilidade, entre consciência e entrega, entre a queda e a transcendência. Uma tarde em que a música não consola — interroga. E é precisamente por isso que fica.

Nota do Editor – Portal Splish Splash
Num tempo em que tudo parece ligeiro e descartável, é reconfortante ver o CCB apostar em programas que desafiam o ouvinte e exigem escuta ativa. Este concerto não promete facilidade, mas oferece verdade. E, às vezes, é exatamente disso que mais precisamos. 
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