Analgésicos podem agravar enxaqueca e afetar o cérebro

Estudo liga uso excessivo de analgésicos a danos cerebrais e agravamento da enxaqueca, afetando memória, visão e controle emocional.

Modelo de cérebro humano ao lado de um copo de água e um frasco de comprimidos sobre uma mesa, com ilustração de cérebro ao fundo e texto em português alertando que analgésicos podem agravar enxaqueca e afetar o cérebro.


Uso excessivo de remédios altera áreas cerebrais ligadas à dor e memória


Além de criar um ciclo vicioso de dor, uso excessivo de medicamentos para crises de enxaqueca está relacionado a mudanças em áreas do cérebro associadas com memória, regulação emocional e processamento visual. Descoberta foi publicada no Journal of Headache and Pain

São Paulo – 20/07/2025 - Crises de enxaqueca podem ser realmente incômodas e até mesmo incapacitantes, impedindo a realização de tarefas rotineiras, como trabalhar, se divertir ou dormir. Então, para controlar essas crises, é comum recorrer ao uso de analgésicos. O problema é que as crises podem ser diárias, levando à utilização excessiva desses medicamentos e, consequentemente, aumento da frequência das crises. “Esses medicamentos não tratam a doença de forma efetiva e, quanto mais remédios você toma, menos eles funcionam e mais dor você sente. É um quadro conhecido como cefaleia por uso excessivo de medicamentos”, explica o Dr. Tiago de Paula*, neurologista especialista em Cefaleia, membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC). E segundo um  estudo publicado em março no Journal of Headache and Pain, o uso desses medicamentos não só piora as crises de dor como também pode prejudicar o funcionamento de áreas importantes do cérebro ligadas à memória, regulação emocional e processamento visual.

O estudo em questão incluiu 63 participantes do sexo feminino divididas em três grupos: pacientes com enxaqueca crônica; pacientes com enxaqueca crônica associada a cefaleia por uso excessivo de medicamentos; além de um grupo de controle saudável. As participantes responderam questionários sobre suas crises de enxaqueca e sobre a frequência do uso de analgésicos. Também realizaram exames de ressonância magnética para obtenção de imagens do cérebro, que foram comparadas para identificação de diferenças no volume de massa cinzenta, na integridade da massa branca e na atividade cerebral espontânea.

Com isso, os pesquisadores observaram que o uso excessivo de medicamentos analgésicos promoveu uma redução significativa no volume da massa cinzenta em duas regiões específicas do cérebro: giro para-hipocampal esquerdo e giro occipital médio direito. “Enquanto o giro para-hipocampal esquerdo é uma região do cérebro relacionada à memória e à regulação emocional, enquanto o giro occipital médio direito está envolvido no procedimento e atenção visual”, detalha o especialista. Os pesquisadores também identificaram uma diminuição da amplitude fracionada da flutuação de baixa frequência (fALFF) no putâmen (estrutura redonda localizada na base da parte frontal do cérebro) direito. “A fALFF é uma medida da atividade cerebral espontânea. Segundo os pesquisadores, a diminuição desses valores no putâmen direito, estrutura cerebral envolvida no controle motor e aprendizagem, está relacionada com uma maior frequência de uso de analgésicos”, pontua o neurologista.

De acordo com o médico, o estudo reforça o risco do uso excessivo e indiscriminado dos medicamentos para crise, o que pode piorar o quadro de enxaqueca e até prejudicar a função cerebral. “Além disso, a pesquisa também fornece evidências sobre os mecanismos envolvidos na cefaleia por uso excessivo de medicamentos, sugerindo que disfunções no putâmen direito podem contribuir com as crises e com a dependência de analgésicos. Isso também indica que o funcionamento do putâmen pode servir como um biomarcador no diagnóstico e tratamento desse tipo de cefaleia”, acrescenta

O Dr. Tiago de Paula ainda ressalta que, além de piorarem as crises e prejudicarem a função cerebral a longo prazo, esses remédios também podem diminuir a eficácia dos tratamentos de primeira linha, como a toxina botulínica e os medicamentos monoclonais Anti-CGRP. “A toxina botulínica, quando aplicada em pontos nervosos específicos, reduz a sensibilidade do cérebro à dor, ajudando no controle da doença enxaqueca. Já os medicamentos anti-CGRPs bloqueiam o efeito do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), que contribui para a inflamação e transmissão de dor e está presente em maiores níveis em pacientes com enxaqueca”, detalha o neurologista, que, por fim, ressalta que o tratamento eficaz da enxaqueca também deve incluir mudanças na alimentação e no estilo de vida, principalmente para manejo de cronificadores da condição e acompanhamento multiprofissional. “A avaliação médica individual é essencial.”

DR. TIAGO DE PAULA - Médico neurologista especialista em Cefaleia, membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC). Tem especialização em Neurocefaleia pela Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP), onde também realizou a graduação em Medicina e a residência médica em Neurologia. Atuou como preceptor dos ambulatórios de enxaqueca infantil, enxaqueca do adulto e migrânea vestibular da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e atualmente integra o corpo clínico do Headache Center Brasil, em São Paulo (SP). Pesquisador sobre dores de cabeça, o médico também é palestrante em congressos nacionais e internacionais e autor de artigos, capítulos, livros e publicações científicas. CRMSP 168999 | RQE 18111 | Instagram: @drtiagodepaula
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