A Monumental Cascata Quim do Pedro inspira uma reflexão sobre o valor dos regionalismos
"Cada sotaque é uma raiz — e cortar raízes mata mais do que a planta." Vímara Porto
Por: Armindo Guimarães
A transformação é uma constante dos tempos modernos. Como diria José Mário Branco: "se todo o mundo é composto de mudança, troquemos-lhe as voltas que ainda o dia é uma criança". Ou seja, transformar deve andar de mãos dadas com preservar, para que a evolução não apague a identidade nem dilua o valor do que é transformado.
Isto aplica-se a muitas áreas do quotidiano: desde o ambiente (preservar recursos naturais), à cultura (adaptar sem descaracterizar), à tecnologia (evoluir sem apagar a base), à gestão (inovar sem destruir valores), até ao próprio crescimento pessoal — tudo isto exige equilíbrio entre mudança e conservação.
Ontem, com amigos, visitei uma cascata surpreendente na Maia: a Monumental Cascata Quim do Pedro. Nasceu em 1907, quando o avô do atual autor, Augusto Ferreira, construiu um moinho de madeira, que evoluiu até se tornar uma obra de arte em constante movimento, passada de geração em geração. Um verdadeiro museu em miniatura — dinâmico, colorido, com alma.
A cascata retrata a Maia em toda a sua riqueza: o Rancho Folclórico de Moreira, a estátua de Gonçalo Mendes da Maia, o antigo Cine-Teatro, o Monumento à Comunidade Maiata (as “pirâmides”), entre outros. Mas vai além: mostra também a Torre dos Clérigos, o São João das Fontaínhas, a Ribeira, o Santuário de Fátima e até o metro a atravessar o Douro. Tudo em movimento, tudo com vida.
É património vivo, e por isso, merecedor de carinho. Só se preserva o que se ama — e há ali muito amor posto em cada detalhe.
O mesmo se aplica ao património imaterial, como os falares regionais, os trajes, as músicas tradicionais, as artes populares. São expressões que se vão perdendo, muitas vezes engolidas por um padrão linguístico ou cultural mais amplo — e mais impessoal.
As redes sociais e os meios digitais incentivam o uso de linguagens “universais”, em que os regionalismos ficam para trás, por vezes vistos como obstáculos à comunicação. Isso é preocupante. Veja-se Espanha: o castelhano impôs-se ao galego, aranês, catalão e basco — línguas tão antigas quanto resistentes.
Em Portugal, além do português e do mirandês (oficiais), temos o barranquenho, o minderico, a língua gestual portuguesa, e ainda muitos falares locais. Alguns resistem estoicamente às portas das cidades, como presenciei recentemente.
No Porto, recebi uma encomenda de uma unidade hoteleira das Termas de São Vicente, em Penafiel, que me foi entregue por duas jovens que falavam exatamente como a minha mãe e a família de Lagares (mesmo concelho de Penafiel). Por segundos, viajei no tempo. Senti-me de volta às desfolhadas e vindimas da infância. Pensei que aquele linguajar já se tinha perdido. Afinal, não.
É esse Portugal que precisamos de valorizar: o das pequenas grandes diferenças, que nos unem na diversidade. Cada expressão, cada sotaque, cada jeito de dizer é um fio invisível que liga gerações e lugares. Apagá-los é perder identidade. Preservá-los é garantir memória e continuidade.
A boa notícia? Algumas instituições, como o Porto Canal e a RTP, começam a dar palco à pluralidade verbal do país, convidando especialistas com sotaques marcadamente regionais e promovendo programas com esse cunho. Um passo positivo, mas ainda tímido.
Preservar é preciso.
Não apenas o que se vê — como a Cascata Quim do Pedro — mas também o que se ouve. As palavras que nos formaram. Os sons da nossa terra.
Cascata do Quim do Pedro - Reportagem Porto Canal 16-06-2025
A Monumental Cascata Quim do Pedro inspira uma reflexão sobre o valor dos regionalismos
Vímara Porto
Por: Armindo Guimarães
Isto aplica-se a muitas áreas do quotidiano: desde o ambiente (preservar recursos naturais), à cultura (adaptar sem descaracterizar), à tecnologia (evoluir sem apagar a base), à gestão (inovar sem destruir valores), até ao próprio crescimento pessoal — tudo isto exige equilíbrio entre mudança e conservação.
Ontem, com amigos, visitei uma cascata surpreendente na Maia: a Monumental Cascata Quim do Pedro. Nasceu em 1907, quando o avô do atual autor, Augusto Ferreira, construiu um moinho de madeira, que evoluiu até se tornar uma obra de arte em constante movimento, passada de geração em geração. Um verdadeiro museu em miniatura — dinâmico, colorido, com alma.
A cascata retrata a Maia em toda a sua riqueza: o Rancho Folclórico de Moreira, a estátua de Gonçalo Mendes da Maia, o antigo Cine-Teatro, o Monumento à Comunidade Maiata (as “pirâmides”), entre outros. Mas vai além: mostra também a Torre dos Clérigos, o São João das Fontaínhas, a Ribeira, o Santuário de Fátima e até o metro a atravessar o Douro. Tudo em movimento, tudo com vida.
É património vivo, e por isso, merecedor de carinho. Só se preserva o que se ama — e há ali muito amor posto em cada detalhe.
O mesmo se aplica ao património imaterial, como os falares regionais, os trajes, as músicas tradicionais, as artes populares. São expressões que se vão perdendo, muitas vezes engolidas por um padrão linguístico ou cultural mais amplo — e mais impessoal.
As redes sociais e os meios digitais incentivam o uso de linguagens “universais”, em que os regionalismos ficam para trás, por vezes vistos como obstáculos à comunicação. Isso é preocupante. Veja-se Espanha: o castelhano impôs-se ao galego, aranês, catalão e basco — línguas tão antigas quanto resistentes.
Em Portugal, além do português e do mirandês (oficiais), temos o barranquenho, o minderico, a língua gestual portuguesa, e ainda muitos falares locais. Alguns resistem estoicamente às portas das cidades, como presenciei recentemente.
No Porto, recebi uma encomenda de uma unidade hoteleira das Termas de São Vicente, em Penafiel, que me foi entregue por duas jovens que falavam exatamente como a minha mãe e a família de Lagares (mesmo concelho de Penafiel). Por segundos, viajei no tempo. Senti-me de volta às desfolhadas e vindimas da infância. Pensei que aquele linguajar já se tinha perdido. Afinal, não.
É esse Portugal que precisamos de valorizar: o das pequenas grandes diferenças, que nos unem na diversidade. Cada expressão, cada sotaque, cada jeito de dizer é um fio invisível que liga gerações e lugares. Apagá-los é perder identidade. Preservá-los é garantir memória e continuidade.
A boa notícia? Algumas instituições, como o Porto Canal e a RTP, começam a dar palco à pluralidade verbal do país, convidando especialistas com sotaques marcadamente regionais e promovendo programas com esse cunho. Um passo positivo, mas ainda tímido.
Preservar é preciso.
Não apenas o que se vê — como a Cascata Quim do Pedro — mas também o que se ouve. As palavras que nos formaram. Os sons da nossa terra.
Vídeos & Ligações úteis:
- Cascateiro Augusto Ferreira no Facebook
- Termas de São Vicente – Wikipédia
- Línguas de Portugal – Wikipédia
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