Jovens estilistas ganham destaque por ressaltar suas origens locais

DO TEXTO: Embora este não seja um debate que surgiu recentemente, neste momento, há a formação de uma nova geração de estilistas - fortalecida no pós pandemia
Jovens estilistas com figurinos
 


Com suas marcas autorais, eles têm apostado na moda como uma porta de entrada para conhecermos melhor o Brasil



A discussão acerca da moda como instrumento de expressão pessoal e cultural tem ganhado novos ares no cenário brasileiro. Embora este não seja um debate que surgiu recentemente, neste momento, há a formação de uma nova geração de estilistas - fortalecida no pós pandemia - que tem aprofundado a ideia de trazer as suas vivências e tradições locais para indumentárias que, mais do que vestir, resgatam histórias, técnicas e costumes que identificam determinadas regiões do país. Alguns deles, tiveram a chance de reforçar este discurso na SPFW 55, principal evento de moda da América Latina. 

Tendo as técnicas artesanais e o feito à mão como elementos centrais em seus processos de criação, o designer de moda Antonio Castro, 28 anos, fundou a Foz em 2020, depois de ter atuado alguns anos no setor de decoração com comunidades artesanais de várias regiões do país. Natural de Maceió, em Alagoas, suas primeiras criações nasceram quando ele tinha por volta dos 14 anos, ainda de maneira informal. Anos mais tarde, a vinda para São Paulo lhe fez entender que ressaltar o seu próprio repertório ligado ao imaginário popular alagoano poderia lhe trazer destaque. 

“Há uma frase do Tolstói que diz que ‘se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia’, e acho que esta frase retrata o sentimento que tenho quando estou criando. Não vejo problema em alguém se inspirar em ideais imaginários ou referências externas, mas o meu processo passa necessariamente pelo ato de olhar para aquilo que me circunda, que está próximo e acessível, mas que ainda não teve ou não está tendo a interpretação que eu gostaria”, afirma. 

Com olhar atento às heranças de sua terra natal, Antonio tem criado coleções que misturam tradição e contemporaneidade em peças atemporais que reforçam e refletem as referências da cultura popular brasileira, como os festejos juninos tão presentes no nordeste e a vida ribeirinha. Tendo como forte influência dois outros grandes nomes da moda nacional, Fernanda Yamamoto e Flávia Aranha, com as quais já teve a chance de trabalhar, desde a primeira coleção ele busca se aliar a comunidades artesanais alagoanas como as artesãs de Entremontes e o Instituto do Bordado Filé, um dos patrimônios culturais imateriais do estado. Em sua última coleção, “O Arraial pt. 2”, lançada na última edição da semana de moda, ele mantém os símbolos e técnicas artesanais que identificam a cultura alagoana. 

“Para mim, o estado de Alagoas é uma fonte inesgotável de inspiração. A ideia é não somente incorporar as técnicas do artesanato tradicional brasileiro, mas também desenvolver junto aos artesãos produtos inovadores com um olhar apurado para o mercado e para as demandas contemporâneas, afinal é isso que mantém a tradição viva. As pessoas precisam enxergar essa técnica tradicional em algo contemporâneo, em algo que faça sentido no seu cotidiano. Isso contribui para que a cadeia artesanal se mantenha em funcionamento e gera interesse nos mais jovens a levar a técnica adiante”, completa Castro.

No Piauí, o olhar para a moda a partir do próprio quintal foi algo que nasceu naturalmente para o estilista Sávio Drew, 27 anos. Nascido em Anhuma, povoado de 15 habitantes pertencente ao município de Bertolínia, ele se define como filho da cultura do sol e ressalta, tanto na moda quanto em seu discurso, a necessidade de representar a cultura nordestina longe das caricaturas. “A minha vida, desde sempre, foi a economia circular. Na minha comunidade, absolutamente tudo o que era consumido era produzido ali mesmo por esse círculo familiar. E isso, de certa forma, sempre significou muita abundância, algo que foge dos estereótipos massivamente reproduzidos acerca da vida sertaneja”, revela. 

A vivência em comunidade, a habilidade com o desenho e uma infância que o obrigava a dividir roupas com o irmão mais novo, lhe fizeram entender a moda como um importante elemento para sua identidade. Por isso, mudou-se para Brasília e acabou se formando em moda em 2018. Na faculdade, seu trabalho de conclusão de curso exigia a criação de uma marca. Foi quando surgiu a Obi, na qual Sávio expressa suas raízes africanas e indígenas, que resultam numa identidade nordestina que, segundo ele, precisa fugir do imaginário da escassez. 

“Algo que me incomodou muito quando saí do nordeste para estudar era o fato de que muitos nordestinos tinham uma certa vergonha de falar de onde vinham. Parece que nos acostumamos a contar histórias de grandes perdas e muito sofrimento, quando na verdade esta não é a realidade de todos. No meu trabalho, eu procuro fazer diferente. O meu quintal aparece nos materiais naturais, nas cores, no bordado, nos lenços que fazem referência às rodilhas de tecido para carregar água e lenha na cabeça, no sol, na cultura cajueira do Piauí, ou seja, em pontos culturais que merecem ser panfletados”, completa ele que além de criar para a Obi também dirige projetos e mantém parcerias com grandes marcas como a Farm.

Até pouco antes da pandemia, a cearense Marina Fontanari, 28 anos, nunca tinha se imaginado no mundo da moda, embora sua mãe, Diana Carla, sempre tenha trabalhado com o comércio e produção de roupas. Formada em Direito, Marina atuou como advogada por alguns anos e já estava prestes a entrar para um mestrado até que foi impedida pela pandemia. Neste meio tempo, sentiu a necessidade de se reconectar com suas raízes e em parceria com a mãe criou a Patú, marca autoral que sempre faz referência à história e às tradições cearenses. Aliás, o nome da marca faz alusão a um açude que tomava parte da fazenda de seu bisavó e que abastece a região de Senador Pompeu, no sertão do Ceará. 

“O Sítio Histórico do Patu, tombado recentemente, conta uma parte da história do Ceará que não costuma ser ensinada nas escolas. A região foi um centro de concentração que na década de 1930 aprisionou cerca de 20 mil retirantes que eram impedidos pelo estado de migrar para a capital Fortaleza. Com a marca, nós buscamos não só recobrar esta e outras histórias, mas também usar a moda para fazer as pessoas refletirem sobre o país. O brasileiro parece estar com vontade de conhecer o Brasil e a moda pode ser uma porta de entrada para isso, mesmo que alguns pontos da história não sejam necessariamente sobre beleza”, conta.

As referências históricas e estéticas da região aparecem no linho, nos bordados que são patrimônios culturais locais, nas referências à carnaúba - símbolo do estado do Ceará - e na paleta de cores, onde o marrom se sobressai pela devoção a São Francisco de Assis. As amarrações também aparecem com frequência em algumas coleções, algo comum na vestimenta sertaneja. Desde de maio de 2022, em sua loja física em Fortaleza, mãe e filha transformaram o espaço em uma galeria, na qual artistas e artesãos cearenses se revezam na exposição de seus trabalhos. “Até o momento, a intenção é continuar este trabalho de pesquisa sobre o Ceará e continuar sendo uma marca que reforça a história, a estética, a produção e o impacto local”, afirma Marina. 

Um dos nomes mais populares desta nova geração de designers, o manauara Maurício Duarte, 28 anos, foi o primeiro estilista do Amazonas a participar do São Paulo Fashion Week em 2022, no qual apresentou um Fashion Film. Na edição de 2023, debutando na passarela física, ele tem sido ovacionado por trasportar as cestarias tradicionais locais para vestidos e acessórios. Indígena da etnia Kaixana, Maurício é filho de artesãos, neto e sobrinho de costureiras, o que sempre lhe colocou em contato com a produção artística e criativa. Porém, antes de fundar a marca que leva seu próprio nome, ainda estudante do SENAI, ele ganhou a Olimpíada do Conhecimento, maior competição de educação profissional das Américas promovida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, na qual ficou em primeiro lugar na etapa nacional na categoria de vitrinismo. 

O prêmio o levou para a etapa mundial do World Skills, maior competição voltada ao segmento educacional para formação profissional do mundo, na qual ele ficou em quarto lugar. Sua participação lhe rendeu uma bolsa de estudos na prestigiada escola de moda Santa Marcelina, em São Paulo, o que impulsionou uma carreira que já se desenhava. “Eu já produzia e vendia peças em Manaus e outros lugares, mas depois de algum tempo em São Paulo, a marca foi tomando outra proporção”, afirma.

Com a ancestralidade estampada em suas criações, Maurício mantém a produção privilegiando as técnicas manuais e referências estéticas do amazonas. “Eu tenho orgulho das minhas origens e acho extremamente importante trazer as raízes e contribuições para a formação da identidade do nosso país. Porém, gosto de lembrar que eu posso falar de qualquer outra coisa sendo um ótimo estilista e, ao mesmo tempo, não vou deixar de ser indígena por eventualmente seguir um outro caminho criativo”, completa. 

Em “Trama”, sua coleção atual, Maurício apresenta peças feitas a partir da fibra de arumã, que foram exibidas em corsets, saias com anáguas, chapéus, vestidos, bolsas e entre outros itens, fruto da união de cerca de 16 comunidades indígenas de diferentes etnias do Amazonas que são impactadas diariamente pelo trabalho do designer. “Falar sobre ‘Trama’ é falar sobre aquilo que construímos, como uma teia tecida pelo coletivo que somos. Mesmo sendo de diferentes povos, que carregam os mesmos costumes e compartilham características históricas semelhantes. Estamos lutando pelo reconhecimento e visibilidade, buscando que as pessoas conheçam nossas tradições e culturas além dos meios midiáticos”, finaliza. 

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