Né Gonçalves convida Soraia Cardoso | Homenagem a Carlos do Carmo com "Voo do Fado"

DO TEXTO: Dos Musseques de Luanda para as Vielas de Lisboa
Né Gonçalves, um cantor, músico, compositor e poeta de inegável importância no panorama musical angolano das últimas décadas, sempre disso teve consciência profunda.



Né Gonçalves - «Voo do Fado» single - Edição 10 de Junho 2022


Dos Musseques de Luanda para as Vielas de Lisboa


A música é uma linguagem universal. Porventura a mais imediata, mas também a mais sublime forma de arte, a música quebra barreiras, estilhaça desconfianças e combate preconceitos, atenua diferenças e transforma géneros (musicais) locais em territórios comuns e bem conhecidos por gentes de outros lugares, ainda que provenientes de lugares longínquos...

Né Gonçalves, um cantor, músico, compositor e poeta de inegável importância no panorama musical angolano das últimas décadas, sempre disso teve consciência profunda. Ao longo do seu caminho musical, como prefere designar a sua carreira, Né Gonçalves foi sempre fiel às normas do semba -- reinventando-o, no entanto, e por isso tem sido unanimemente considerado um dos principais renovadores da sua estética -- mas também a muitos outros géneros musicais angolanos mais antigos e que vieram igualmente moldar a sua arte como a rebita, a quilapanga ou a kazukuta, para além de outros, bem mais novos e inesperados, que recentemente vieram tomar Angola e o mundo de assalto: a kizomba e o kuduro.

Lá bem no meio da sua música e com ela misturados, sempre houve igualmente lugar para estilos que lhe são externos: a música brasileira com os seus sambas e choros, os bem latinos boleros e merengues, os soukous aprendidos ali ao lado, no Congo, as mornas e as coladeiras cabo-verdianas, os blues e o jazz da América do Norte… E, agora, uma paixão antiga e nunca antes por Né Gonçalves experimentada nas suas gravações: o fado, com quem convive desde sempre, quando o ouvia na rádio dos seus pais era ainda criança e adolescente, a mesma época em que começaram as suas aventuras musicais integrando o conjunto Os Mini-Craques, no bairro do Prenda, e o Grupo de Xilofonistas do Liceu Paulo Dias de Novais, em Luanda. Um amor sempre presente na sua vida que conheceu um novo capítulo quando, no álbum «Sembamar», editado em 2016, teve como convidada a fadista Mariza na canção «Velha Esperança», que homenageia a sua Mãe.

Agora, neste novo single «Voo do Fado», com letra e música sua e produção de Yami Aloelela, começa por se ouvir um hungu (o instrumento angolano pai do berimbau brasileiro) que introduz um fado bem português, com a fresca voz de Soraia Cardoso a voar sobre a viola de fado e o baixo acústico de Yami, a guitarra portuguesa de José Manuel Neto e o maravilhoso arranjo de cordas do orquestrador Carlos Garcia. Um fado melodioso que é suavemente desconcertado pelo semba que de imediato se lhe segue, cantado por Né Gonçalves, por cima de sublimes guitarras e percussões angolanas. Na sua letra, «Voo do Fado» homenageia directamente alguns dos maiores expoentes deste género -- Amália Rodrigues («Gaivota», «A Casa da Mariquinhas»), Carlos do Carmo («Os Putos», «Por Morrer Uma Andorinha») ou, mais subtilmente, Mariza (na citação de «Ó Gente da Minha da Terra», que tem letra original, embora nunca por ela gravada ou cantada, de Amália). E, nesta letra, Né Gonçalves deixa também bem claro que o fado já não é só português, mas também é «nosso», angolano e universal. Porque o fado, para além de ser Património Cultural e Imaterial da Humanidade, poderá ter na sua génese a influência de um género de origem angolana, o lundum.

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