Novo livro de Helena Mendes Pereira ‘PEQUENOS DELITOS DO CORAÇÃO’

DO TEXTO: "Pequenos delitos do coração" o novo livro de Helena Mendes Pereira surge na síntese de uma amizade intensa e longa com a fotógrafa Lauren Maganete.

Com fotos de Lauren Maganete

O novo livro de Helena Mendes Pereira surge na síntese de uma amizade intensa e longa com a fotógrafa Lauren Maganete. A autora realça: ‘Precisávamos de um projeto juntas, fora do nosso circuito habitual, desvinculado da investigação em Arte Contemporânea, no meu caso e, no dela, do trabalho de fotografia de cobertura de eventos. A Lauren respira fotografia e tem uma capacidade rara de captar, nos detalhes e nos reflexos, a essência dos momentos, das pessoas e dos lugares’.

‘Pequenos Delitos do Coração’, que será apresentado no Convento Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia, no sábado, 29 de junho, pelas 21h30, situado no Cais de Vila Nova de Gaia, parte, então, de um conjunto de textos mais ou menos recentes (mas não datados nem ordenados) que, depois de escritos, são enviados para a Lauren que escolhe uma imagem para os mesmos, dentro daquilo que é a sua leitura e interpretação mais ou menos linear do que leu mas, sobretudo, do que sentiu quando leu.

Serão cerca de 50 textos e 50 imagens. Para Helena Mendes Pereira ‘A matemática aqui não é importante. Os textos não podem ser forçados, têm de partir de impulsos interiores reais, de sonhos que viram insónias, de desesperos e de felicidades latentes, de gritos e de choros que, no tal brotar das palavras que se tornou no quotidiano de quem escreve como respira, querem virar jogo, dialética, expressão, confissão. Não há nomes e as referências a lugares são figuradas, da mesma forma que as imagens da Lauren têm essa intensidade da abstração. Palavras e imagens podem ser tudo sem serem absolutamente nada.

Podem gerar identificação ou apenas repulsa em quem lê. Podem chocar ou fazer sorrir. Interessa apenas que não gerem indiferença pois, para nós, este livro é a idealização da verdade interior dos magos do amor, de todas as formas de amor. A dor é também uma forma de amor. É uma porta que abrimos sobre as nossas fugas à norma e à normalidade do socialmente instituído, sejam tudo isto real ou produto da imaginação. Não interessa e essa é uma pergunta a quem nunca vamos responder. Os motivos ficarão connosco.’ 

‘Pequenos Delitos do Coração’ será prefaciado por Francesca Rayner, Professora Auxiliar da Universidade do Minho nas áreas do teatro e da performance. Feminista convicta e com uma sensibilidade sobrenatural para a Arte, Francesa Rayner é uma inspiração e um exemplo de Liberdade, por isso a autora desafiou-a a escrever sobre este livro que, de certa forma, assinala o fim de um ciclo e o início de outro.

O posfácio, por sua vez, ficará a cargo de Cati Freitas, cantora, amiga e uma espécie de conselheira espiritual. Serão visões diferentes, mas complementares e, sobretudo, uma forma de juntar mais mulheres a este projeto. A paginação do livro será da Alexandra Xavier, a designer que trabalha comigo há largos anos e com quem publiquei dezenas de livros e catálogos.

A Astronauta, associação criada pela Helena e por um grupo de amigos, edita. Há sempre os que se juntam para apoiar e haverá os que não deixarão de comprar este livro para casa. As autoras querem apenas que ele aconteça, que se pague a si próprio e que seja o primeiro de muitos outros projetos em que querem que as palavras e as imagens se unam em prol da verdade do que é, hoje, ser mulher.

A AUTORA SOBRE SI PRÓPRIA

Sempre escrevi. Cresci no meio dos livros e no contacto com alguém que fazia das palavras artifício profético para a transmissão da poesia e da filosofia das ideias, dos pensamentos e das inquietações: o meu pai. O meu pai preocupou-se sempre em que eu soubesse escrever com correção e incentivou-me sempre a escrever sem pensar em convenções mas usando o dicionário para diversificar vocabulário e ter certezas sobre o sentido das palavras. Tínhamos duas ou três edições diferentes de dicionários em casa. Lembro-me de ter 10 anos e andar no 5º ano. O meu pai tinha (e tem) alunos da mesma idade e, apesar de ser licenciado em Filosofia, leciona Português e História. A professora de Português pediu que escrevêssemos uma composição sobre a Primavera e eu escrevi. As composições dos meus colegas começavam todas da mesma maneira, bem como as dos alunos do meu pai: “A Primavera é uma estação do ano que começa a 20 de março….” A minha era diferente. Começava assim: “A Primavera descansa no verde.” Mostrei ao meu pai. Senti-me insegura, talvez, até porque a professora não tinha apreciado particularmente o texto. Não lhe senti o entusiasmo. Cheguei a casa e mostrei ao meu pai. A reação foi oposta à da professora: na sua tremenda loucura, repetia aquela frase inicial com um orgulho desmesurado: “A Primavera descansa no verde!”, “Olha, Casimira, olha o que a menina escreveu, ouve: A Primavera descansa no verde!”. A casa transformou-se numa azáfama: onde afixar o texto? Tantos anos de ensino a pedir textos sobre a Primavera, como era da praxe, até que, dentro de casa, surge aquele bálsamo, àquela libertação! Acho que nunca mais parei desde esse dia. Escrevi diários, trocava cartas com amigas e amigos. Lia e escrevia, além de gostar de todas as outras matérias, disciplinas e atividades extracurriculares, das desportivas às artísticas, que fui sempre acumulando, nunca deixando as boas notas em tudo: começando pela Matemática da minha mãe e acabando do Português do meu pai. Na verdade gostei sempre da Escola e fui-me viciando em aprender, desenvolvendo o vício da curiosidade, cultivando a inquietação em todas as pequenas e grandes coisas da vida.
A Arte fez, também, sempre parte da minha vida e o mergulho na vida académica e depois profissional tornou diária a minha vinculação às imagens, treinou-me a lê-las ou a não as conseguir ler, aguçou-me a sensibilidade e educou-me, também, para saber comunicar através delas.
Comecei cedo a publicar, sempre no âmbito do meu trabalho de investigação em práticas artísticas e culturais contemporâneas. Tive e tenho, desde 2009, espaço de comunicação escrita em órgãos de comunicação social, os meus projetos de curadoria merecem sempre uma aposta nos textos e são já alguns os livros lançados. Não muitos. Alguns. Cinco textos para teatro escritos e levados a cena, também. Mas este ‘Pequenos Delitos do Coração’ é, de facto, o primeiro em que me arrisco na partilha de conteúdo de teor prosaico e interior, por vezes próximo de uma prosa-poética que se constrói nas reflexões sobre o vivido (por vezes) e o imaginado, como se o corpo saísse de nós, criasse heterónimos e se expandisse, num combate à autocensura que assumo como causa e missão e na fundamentação de uma forma totalmente livre de ser mulher, de viver o prazer, a dor. A escrita como catarse e o escritor como construtor de possibilidades e de utopias, como defensor da verdade e de um espírito de lealdade ao que de mais autêntico, visceral e disruptivo há em cada um de nós. Naturalmente que na escrita, como em qualquer outro processo de criação, hã 90% de transpiração e 10% de inspiração e esses 90% são a insistência no trabalho, a persistência no exercício para que a mente se aperfeiçoe. A dada altura são já as palavras que nos encontram e, no meu caso, não raras vezes quando tomo a estrada neste ciclo de vida em que escolhi ser de lugar nenhum,  brotam sem que as consiga controlar, obrigando a que o racional as combine, lhes crie os ritmos e contes as estórias que se passam cá dentro, do coração e da mente.

Notas curriculares das autoras

HELENA MENDES PEREIRA
Helena Mendes Pereira (n.1985) é curadora e investigadora em práticas artísticas e culturais contemporâneas. Amiúde, aventura-se pela dramaturgia e colabora, como produtora, em projetos ligados à música e ao teatro, onde tem muitas das suas raízes profissionais. É licenciada em História da Arte (FLUP); frequentou a especialização em Museologia (FLUP), a pós-graduação em Gestão das Artes (UCP); é mestre em Comunicação, Arte e Cultura (ICS-UMinho) e doutoranda em Ciências da Comunicação, com uma tese sobre Mercado da Arte no pós 25 de Abril de 1974. Atualmente, é chief curator da zet gallery (Braga) e integra a equipa da Fundação Bienal de Arte de Cerveira como curadora e no apoio à coordenação artística, tendo sido com esta entidade que iniciou o seu percurso profissional no verão de 2007. No âmbito da educação e mediação cultural orienta, regularmente, visitas a exposições e museus de Arte Contemporânea, tendo já lecionado o tema em várias instituições de ensino. Integra, no ano letivo de 2018/2019 o corpo docente da Universidade do Minho como assistente convidada. É formadora sénior e consultora nas áreas da gestão e programação cultural. Publica regularmente em jornais e revistas da especialidade, tais como o quinzenário As Artes entre as Letras, nas revistas RUA e UMBIGO. Tem publicados catálogos e outros resultados de investigações mais profundas sobre artistas e contextos de curadoria.

LAUREN MAGANETE
Uma imagem com pessoa, parede, interior, propriedade Descrição gerada automaticamente.
Lauren Maganete nasceu em Bragança em 1970 e estudou no Porto, licenciando-se em Gestão e Administração de Empresas .  Efetua trabalhos fotográficos para a  Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia desde 2009. Tem trabalhos publicados em diversas revistas e jornais, nacionais e internacionais. Participa regularmente em exposições individuais e coletivas, tendo já passado por Madrid, Sardenha, Lisboa, Porto, Vila Nova de Gaia, Coimbra, Bragança, Braga, Ovar, Águeda e Cerveira. Trabalha como fotógrafa freelancer, colaborando com diversas instituições e empresas. A sua obra encontra-se em diversas coleções públicas e privadas.  Em 2016 foi a portuguesa mais classificada do Mira Mobile Prize, promovido pelo Mira Fórum. Participou como artista convidada e a concurso, na Bienal Internacional de Gaia de 2015, 2017 e 2019. Em 2018 conquista o prémio Aquisição na XX Bienal Internacional de Arte de Cerveira. Sobre o trabalho artístico que desenvolve, Lauren Maganete refere:  “As fotografias guardam o movimento único de cada qual, ampliam idiossincrasias, perpetuam a ligação que é feita entre o que somos e o chão, passando assim a ser sempre o palco”.

POSTS RELACIONADOS:
Enviar um comentário

Comentários