Acervo de Antonio Candido é aberto para exposição em sua homenagem

DO TEXTO:
O professor e crítico literário Antonio Candido, em Bofete (SP), em 1948  
Acervo IEB-USP
Maurício Meireles

Aos dez anos, Antonio Candido passou a acumular cadernos —orientado por sua mãe a escrever sobre suas leituras, o maior crítico literário do país fez notas até às vésperas de sua morte, há um ano. No dia 24 de julho, é comemorado seu centenário.

Ao todo, deixou 126 cadernos —e um amplo acervo, que foi doado para a USP e deve ser disponibilizado no próximo ano, com o material de sua mulher, a professora Gilda de Mello e Souza (1919-2005).

Os cadernos fazem parte de um conjunto de 45 mil itens textuais, 800 discos e 5.000 fotos, além de uma coleção de filmes. Sua biblioteca, com cerca de 7.000 livros, irá em breve para a Unicamp.

"Não há, no Brasil, um acervo dessa importância. Vai demorar um século lidar com esse material. O do Mário de Andrade já está sendo pesquisado há 50 anos e ainda não se esgotou", diz Walnice Nogueira Galvão, professora emérita da USP e ex-aluna de Candido.



Esse século começa nesta semana, com a primeira exposição dos documentos do crítico, no Itaú Cultural, que patrocina o tratamento de seu acervo. A Ocupação Antonio Candido é aberta nesta quarta (23), com um colóquio em homenagem ao autor.

Ao mesmo tempo, um livro com as cartas trocadas entre ele e o crítico uruguaio Ángel Rama será publicado pela Ouro Sobre Azul, editora da filha de Candido, Ana Luisa Escorel.

Um volume com a correspondência entre Getulio Vargas e sua filha Alzira, que sai no mês que vem pela mesma editora, trará um inédito do crítico literário sobre o período, escrito nos anos 1990 —durante a Era Vargas, Candido foi um opositor do político.

Há pelo menos mais um inédito no prelo. A editora 34 lança um volume em homenagem a ele com 30 textos, organizado por Maria Augusta Fonseca e Roberto Schwarz.

O livro, que começou a ser preparado quando Candido era vivo, com vistas a seu centenário, traz ao final o inédito "Como e por que Sou Crítico".

Quem visitar a exposição terá a chance de ler os primeiros textos do intelectual na imprensa —publicados na coluna Notas de Crítica Literária, que saía na Folha da Manhã, um dos jornais que deram origem à Folha. Nesse espaço, Candido foi um dos primeiros a reconhecerem o talento literário de autores como Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto.

"A intensidade com que sabe escrever e a rara capacidade de vida interior poderão fazer desta jovem escritora um dos valores mais sólidos e, sobretudo, mais originais da nossa literatura", previa ele, em uma coluna de 1944 sobre "Perto do Coração Selvagem", de Clarice.

A atuação de Candido na imprensa também é lembrada com reproduções do Suplemento Literário, criado por ele e publicado no jornal O Estado de S. Paulo entre 1956 a 1974 —um dos marcos do jornalismo cultural no país

Sua participação nas revistas Clima, nos anos 1940, e Argumento, nos anos 1970, também é lembrada com exemplares e textos expostos.
Um dos destaques das anotações do crítico literário é a revisitação que fazia de ideias passadas —seja para aperfeiçoá-las, seja para corrigi-las.

"Tem um artigo em que ele fala: 'Como eu pude dizer isso do meu autor preferido?", diz Laura Escorel, neta do intelectual, que morou com ele até a morte do avô, lembrando que o favorito dele era Proust.

Outra parte da mostra é dedicada ao clássico "Formação da Literatura Brasileira" (1959), no qual Candido se dedicava a entender como havia se constituído o sistema literário pátrio. O original da obra vai estar lá.

A pesquisa de doutorado do intelectual, "Os Parceiros do Rio Bonito", um ensaio sobre o caipira paulista, também ganha espaço —inclusive com as fotos que ele tirou durante ao trabalho.O acervo iconográfico também traz a vida familiar do crítico literário, com fotos de todas as fases de sua vida.

Em uma delas, de 1938, ele manda um retrato para a família em que posa com um cão. Mas adverte: "Eu sou o de branco. Aviso porque vocês podem ter esquecido a minha cara e me confundirem".

A ocupação dedica ainda uma seção à relação de Candido e Gilda. Em depoimento à neta Laura, o crítico conta como ela começou.
Saíram para tomar um café com leite no centro, e ela confessou estar apaixonada por Décio de Almeida Prado e achava não ser correspondida.

"Acho que ela estava transbordando [para contar aquilo a um desconhecido]", diz Candido num depoimento gravado. Os dois ficaram amigos e só depois se apaixonaram, casando-se em 1943.

"Não tive paixão nem ela por mim. Foi um interesse de afinidade, estilo. Aí passou para o amor facilmente. A paixão é uma doença [...], feito uma gripe. [...] é muito irracional."

De acordo com Laura Escorel, era sobre Gilda que Candido escrevia em seus cadernos pouco antes de morrer —uma parte deles, a mais pessoal, continua com as herdeiras.

"Temos diários que vão até dois dias antes da morte dele", diz Laura. "E ele escreve para as filhas: 'Olha, sua mãe está me chamando'. Diz que está sentindo a presença da minha avó muito intensa."
"Ele estava extremamente lúcido, mas percebendo que o mecanismo ia falhar."

Exposições

Ocupação Antonio Candido
Espaços Culturais
Grátis.

O instituto homenageia o professor, crítico e escritor brasileiro Antonio Candido nesta nova edição da Ocupação. Fotos, vídeos, objetos pessoais, anotações, cadernos de estudos e ensaios compõem a mostra, que comemora o centenário de nascimento de Candido, morto no ano passado.
 Av. Paulista, 149 - Bela Vista - Tel: 2168-1777

PROGRAMAÇÃO DO COLÓQUIO
Quarta-feira (23)
19h
Mesa: Obra e militância - A vida de um intelectual brasileiro
Walnice Nogueira Galvão, professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, vai falar sobre a obra de Candido e sua resistência à ditadura.
Quinta-feira (25)
18h
Mesa: Antonio Candido - A visão de dois brasilianistas
Dois pesquisadores, a tcheca ?árka Grauová e o uruguaio Pablo Rocca, traçam um paralelo entre a obra de Candido e de autores hispano-americanos, como David Viñas, Ángel Rama e Rafael Gutiérrez Girardot.
20h
A pessoa e a obra: a percepção de dois autores
Os escritores Luiz Ruffato, autor de "Eles Eram Muitos Cavalos", e Antonio Prata, falam sobre Candido. O primeiro conta sobre a influência do crítico em sua formação de escritor, enquanto o segundo fala como foi tê-lo como vizinho.
Sexta-feira (26)
18h
Antonio Candido em duas obras: 'O Albatroz e o Chinês' e 'O Direito à Literatura'
Marisa Lajolo discute a proposta de Candido de incluir a literatura como um direito humano, enquanto Celso Lafer refletirá sobre o livro "O Albatroz e o Chinês", última obra organizada e publicada pelo crítico
20h
Aulas, seminários, conversas: a pedagogia de Antonio Candido
José Miguel Wisnik, que foi orientando do homenageado, também discutirá a obra do mestre
 






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