Carminho, Marisa Monte e o amor Portugal-Brasil

DO TEXTO:

Gonçalo Correia

A portuguesa Carminho é uma das embaixadoras do novo namoro entre músicos portugueses e brasileiros. "Este é um momento Portugal-Brasil e do Brasil com o mundo", defende Marisa Monte, com quem a portuguesa canta esta quinta-feira na Altice Arena, em Lisboa.


O primeiro encontro entre as duas aconteceu no Brasil, ou não fosse esse um país onde "é muito natural este tipo de encontros, de compor e fazer shows juntos", explica ao GPS Marisa Monte, logo acrescentando, a propósito do trio Tribalistas (que integra), que a história musical do seu país está repleta de "grandes colaborações, que foram acontecendo ao longo do século XX inteiro - entre Gilberto Gil e Jorge Ben, Chico Buarque e Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gal Costa, Rita Lee e Gilberto Gil, na própria Tropicália…" 


Carminho e Marisa Monte conheceram-se, portanto, no Brasil, em 2013, depois de um concerto da segunda. "Fui aos camarins cumprimentá-la e dizer-lhe que era uma grande admiradora e que gostava de a conhecer melhor", lembra a fadista, que volta a encontrar a voz dos Tribalistas em palco a 30 de Novembro e 2 de Dezembro, respectivamente na Altice Arena, em Lisboa, e no Pavilhão Multiusos de Guimarães. Marisa respondeu-lhe: "Olha, Carminho, que engraçado, já ouvi falar de ti e ouvi coisas tuas... Eu, na altura já tinha gravado com Chico Buarque, Milton Nascimento, Ney Matogrosso e Nana Caymmi. Quarta-feira passas lá em casa?"

O convite foi aceite e a cumplicidade artística começou a nascer. "Fui a casa dela e estava lá o Cézar Mendes, que é o violão dos Tribalistas, o Dadi Carvalho e os três [Tribalistas] - Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown. O Cézar estava com a guitarra e eu pensei: Vai acontecer música aqui. Fiquei até espantada, eles são logo muito dados, muito generosos. A Marisa não esperou que houvesse primeiro o passo de nos conhecermos, mostrou-se logo disponível e começámos de imediato a ver que canções ela tinha na gaveta", recorda, ainda, Carminho.

As canções começaram a surgir e, entre "idas e vindas", a parceria reforçou-se. Chuva no Mar, incluída no álbum Canto (2014), de Carminho, com participação de Marisa Monte e letra de Arnaldo Antunes, seria o primeiro fruto. Seguir-se-iam Estrada do Sol (incluída no disco Carminho Canta Tom Jobim, precisamente aquele que a fadista tem vindo a apresentar este mês em digressão europeia, que termina em Lisboa e Guimarães) e Os Peixinhos e Trabalivre, temas do segundo álbum dos Tribalistas, editado este Verão, 15 anos depois da estreia do trio.

Os duetos em palco também foram aparecendo: em 2016, Marisa Monte convidou Carminho para cantar com ela no EDP Cool Jazz, em Oeiras, e nos Jardins de Serralves, no Porto. A cantora portuguesa tinha vontade de retribuir o convite, para os concertos em Portugal desta digressão de 10 datas - mas "demorou, porque foi muito difícil conciliar as agendas" da cantora com as da Banda Nova, grupo que acompanhará os espectáculos em Lisboa e Guimarães e que é a mesma que acompanhou Tom Jobim nos últimos anos de carreira: Jaques Morelenbaum, Paulo Braga e "Paulinho" e Daniel Jobim, respectivamente filho e neto do autor de Retrato em Branco e Preto e O Grande Amor. O convite só se materializou, contudo, quando Marisa Monte telefonou a Carminho, a pedir autorização para incluir duas faixas colaborativas no disco dos Tribalistas. "Eu já estava para lhe ligar há muito tempo, aproveitei e perguntei-lhe se gostava de participar nestes concertos, que são o culminar da digressão, que seria muito especial para mim. Ela aceitou e aqui vem." 


Marisa Monte, actualmente uma das vozes mais reconhecidas do Brasil, considerada digna herdeira de algumas das musas mais veteranas da música popular brasileira - como Gal Costa e Maria Bethânia -, antecipa o que esperar dos dois espectáculos: "Será um show especial, com a Carminho a dialogar muito com o Brasil, quase todo voltado para o Tom Jobim. Além de ter participado no disco, nós aproximámo-nos muito nos últimos tempos e acabámos por nos tornar parceiras. Fico muito feliz por voltar a Portugal." E acrescenta: "Vamos cantar algumas músicas que já cantámos ao vivo, outras que nunca cantámos juntas. Acho que vai ser muito bonito, porque gosto muito de cantar com ela, as nossas vozes e os nossos sotaques complementam-se lindamente. É um encontro musical e cultural muito rico."

À conversa num café, no Príncipe Real, em Lisboa, prestes a partir pela Europa, em digressão, Carminho - que ali receberia, pelo WhatsApp, uma fotografia com os membros da Banda Nova no aeroporto, prontos para embarcarem para Portugal - corrobora e dá mais detalhes sobre os espectáculos: "Haverá temas do disco, coisas que fazem sentido no universo do próprio Tom Jobim, músicas que fizemos juntas e também espaço para alguns fados que eu achei que faziam sentido, que faziam uma ponte para o álbum." Essa ponte, explica a portuguesa, é feita para que o público perceba que aquele disco, nascido de um convite endereçado à fadista pelos descendentes de Tom Jobim, também é "um bocadinho" dela: "Tem a minha linguagem e tem interpretações em que consegui sentir a minha identidade."
Portugal-Brasil estão numa relação

 
Se a música popular brasileira - que durante anos se impôs em Portugal, via telenovelas - granjeou sempre algum reconhecimento no nosso país, no Brasil não terá sido sempre assim. "Lembro-me do Milton [Nascimento] e do Caetano [Veloso] me contarem que ouviam as fadistas portuguesas na rádio, nos anos 50, e sabiam os fados de cor. Havia até fadistas que eles ouviam muito lá e que cá não eram tão conhecidas, como a Ester de Abreu", exemplifica Carminho, continuando: "Eles dizem-me que, depois dessa época, não voltou a acontecer. Aconteceu com a Amália, que fez o Canecão [sala de espectáculos em Botafogo, no Rio de Janeiro, resultando num bem--sucedido disco] e que era casada com um luso-brasileiro, foi uma presença forte no Brasil. Depois dela, segundo o que percebo e sei, isso [um fenómeno português no Brasil] não voltou a acontecer. Houve, sim, concertos pontuais."

Nos últimos anos, "essa conversa está mais intensa", concorda Marisa Monte, notando, no entanto, que "sempre houve alguns casos de amor entre Portugal e Brasil", musicalmente falando - desde logo o popular disco Amália-Vinicius, que unia a fadista ao poeta e músico Vinicius de Moraes em 19 temas, alguns com poemas de portugueses como Ary dos Santos, Natália Correia, José Régio e David Mourão-Ferreira.

A cantora de Ainda Bem, Dança da Solidão ou Depois - cuja evolução artística, nota, "deu-se também de uma forma lateral", passando de intérprete a compositora, produtora e dona de uma editora (fundou a Phonomotor Records em 1999) - ensaia uma explicação para o estreitar do diálogo entre músicos portugueses e brasileiros: "Até há uns 15 anos, o Brasil era um país muito longínquo [ri-se]. Para ver grandes artistas internacionais era preciso sair do Brasil. Só recentemente é que o Brasil entrou no circuito internacional e os artistas (excluindo os brasileiros, que foram sempre um produto de exportação) começaram a aparecer para actuar. Isso, naturalmente, estimula as colaborações, porque nós gostamos muito de receber, de conhecer gente e de apresentar o que temos de legal aqui." 


 Carminho com Caetano Veloso
 
O presente é, descreve Marisa Monte, "um momento Brasil-Portugal, mas também um momento do Brasil com o mundo", justificado por fenómenos como "a globalização e a maneira como a informação e a música circulam hoje, que é mais dinâmica".   

  Carminho e Milton Nascimento
Entre os artistas portugueses a ganhar notoriedade no Brasil nos últimos anos destacam-se Carminho e António Zambujo, que lançaram ambos, recentemente, discos de homenagem a autores brasileiros: Tom Jobim no caso de Carminho, Chico Buarque no caso de Zambujo. "É daquelas coisas que não gosto de dizer porque estou a falar de mim, mas em termos de concertos, de colaborações no meio artístico, acho que sim [que se destacam os dois]", reconhece a fadista. 

Carminho com Chico Buarque
Agora é tempo de encerrar esta digressão "exclusiva e irrepetível" - incluída nas programações de salas emblemáticas da Europa, como a Konzerthaus, em Viena, Elbphilharmonie, em Hamburgo, La Cigale, em Paris, e o londrino Barbican Center - e que a 14 de Novembro estava a "superar todas as expectativas", segundo contou Carminho, por telefone, ao GPS, confessando ainda que os "temas Luiza e Retrato em Branco e Preto são os mais emotivos e especiais", mas que o concerto é dinâmico, viajando de temas luminosos a mais íntimos. Assim será na próxima semana, em Lisboa e Guimarães, com Marisa Monte a ajudar.

Carminho e Marisa Monte - Estrada do Sol (Lyric Video)
 
 

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2 Comentários

Comentários

  1. Boa tarde amiga Alba. Gosto muito da voz da Carminho e adorei vê-la com a Mariza Monte, cantando essa música que eu adoro. Desde que a ouvi a primeira vez quando Gal a gravou. Simples e traz uma paz muito grande. Sucesso para essa parceria de cantores entre Brasil e Portugal. Bjs! Maristela

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    1. Olá, amiga Maristela!
      É mesmo de emocionar ouvir essas duas "feras", e nesta canção a parceria ficou sensacional, Marisa Monte tem uma voz linda e melodiosa que combinou perfeitamente com a voz doce e suave de Carminho. Bjs.

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