Tragédia em 9 atos: da infância infeliz à morte prematura da diva Maria Callas

DO TEXTO:
Maria Callas
Há exatos 40 anos o mundo perdia a maior cantora lírica de todos os tempos: Maria Callas. Não é nenhum exagero afirmar que a ópera poderia ser dividida em a.C e d.C: antes de Callas e depois de Callas. Com sua voz potente e altamente versátil – podia fazer papéis de soprano de todas as tessituras e até de mezzo-soprano – e uma atuação intensa, revolucionou a música lírica tanto tecnica quanto dramaticamente.

Temperamental e dada a ataques de fúria, virou persona non grata em alguns dos maiores teatros do mundo, enquanto sua vida de socialite com Aristoteles Onassis, por quem foi apaixonada até sua morte, a transformaram em ícone de estilo, elegância e… tragédia.

Confira algumas histórias da carreira da La Divina, como era chamada, que a transformaram em um mito:

1. NOME ARTÍSTICO

Callas nasceu Maria Anna Sofia Cecília Kalogeropoulos em 1923, em Nova York, filha de imigrantes gregos. De onde vem Callas? Ela criou o sobrenome fazendo um anagrama com o nome do maior templo da ópera do mundo: o  Teatro alla Scala, de Milão, onde estreou em 1950, em uma montagem de “Aida”. Essa estreia teve uma recepção fria, mas Callas logo se tornaria a grande estrela do teatro.

2. CRIANÇA INFELIZ

A soprano falou várias vezes sobre sua infância solitária e infeliz. Quando nasceu, sua mãe não quis vê-la por bastante tempo, e a ignorava sempre que possível. Até que descobriu o talento da filha, aos 5 anos, e a obrigou a fazer lições de canto. Aos 15 anos, Maria pesava mais de 100 quilos, era míope e tinha um nariz enorme, braços largos e sobrancelhas grossas. Já a irmã, Jackie (pura ironia do destino), era linda e recebia toda a atenção que era negada a Maria.

Com o divórcio dos pais, a mãe decide voltar a Atenas com as filhas. Obcecada em virar cantora, Callas mentiu sua idade para poder se matricular no Conservatório de Atenas, que só aceitava maiores de 16. Sua irmã Jackie também queria ser cantora, mas só Maria tinha talento, para desespero de sua mãe, que acreditava que, com aquele físico, a futura diva só poderia almejar um casamento. Sua mãe e sua irmã, que sempre falaram coisas horríveis de Callas, ficaram milionárias ao herdar a maior parte de sua herança.
Callas em ‘Norma’, de Bellini 
3. TEMPERAMENTO DIFÍCIL

Como todo gênio, Callas tinha um temperamento dos mais difíceis. Sua mãe, Evangelia, explicava que a filha havia nascido em um dia de grande tempestade, o que teria influenciado em sua geniosidade. Entrava em conflito com maestros e companheiros de trabalho por conta de seu perfeccionismo – foi demitida do Metropolitan Opera, de Nova York, e do Scalla, de Milão, trocou farpas com colegas pelos jornais..

4. VERSATILIDADE

Na época em que começou sua carreira, as sopranos se dividiam em dramático, mezzo, coloratura, ligeiro e spinto, e ninguém ousava romper essa barreira. Callas fez mais do que isso: logo na estreia, em Verona, em 1947, cantou em uma mesma semana obras tão díspares quanto “Tristão e Isolda”, de Wagner, e “Turandot”, de Puccini.

“Hoje só se fala em baixo profundo, baixo cantante, barítono-baixo ou soprano ligeiro, soprano spinto, soprano disso, soprano daquilo. A cantora é soprano, e basta! Um instrumentista faz os baixos e agudos. Do mesmo modo, um cantor deve cantar em todas as tessituras”, afirmou décadas depois, em uma das suas famosas master classes na Juilliard School of Music, em Nova York.

Mas ela não gostava de sua voz – de fato, muitos críticos consideravam seu timbre feio. Chegou a afirmar em uma entrevista: “Não gosto do tipo de voz que eu tenho. Eu realmente odeio ouvir a mim mesma. A primeira vez eu ouvi uma gravação do meu canto foi quando nos estávamos gravando San Giovanni Battista de Stradella numa igreja em Perugia em 1949. Eles me fizeram ouvir a fita e eu chorei. Eu queria parar tudo, desistir de cantar…”.

5. A PRIMEIRA PROTAGONISTA

O ponto de virada de sua carreira aconteceu em 1949, em Verona. Ela ensaiava um papel secundário para a ópera “I Puritani”, de Bellini, mas, cansada, decidiu treinar sozinha o papel da protagonista. A mulher do diretor a ouviu, e fez o marido dar a ela o papel principal. Callas teve exatos seis dias para se preparar, e sua estreia como protagonista foi um sucesso. Dois anos depois, ela faria seu début em Milão.

O antes e depois da diva: Callas emagreceu 38 quilos em um ano 
6. DIETA RADICAL

Em 1953, com 108 quilos em 1,75 m de altura, a diva deu outra demonstração de sua determinação. Pendurou um pôster de Audrey Hepburn na parede e entrou em uma dieta espartana e polêmica – que envolvia a ingestão de parasitas. Perdeu 38 quilos em um ano, procurou uma estilista para redesenhar seu guarda-roupas e virou ícone de estilo e beleza.

7. DESILUSÃO AMOROSA

Em 1959, virou alvo do homem mais rico do mundo, o sedutor Aristóteles Onassis, que a cortejava com presentes, flores e outros mimo. Callas acabou se apaixonando, e abandonou o marido, Giovanni Battista Menegghini, com quem foi casada por dez anos. Os jornais adoraram o escândalo.

Mas Onassis não era nada fã de ópera – dizia que “soava como um monte de chefs italianos gritando receitas de risoto” -, e acabou afastando Callas da música. Era cruel, e chegou a comparar sua voz com um apito. Queria que ela parasse de cantar, e preenchia seus dias com uma intensa vida social. No lugar dos palcos, ela passou a ser vista cada vez mais em festas, passeios e viagens de iate, na companhia de astros de Hollywood, políticos e até membros da realeza.

Callas com o amor de sua vida, Aristoteles Onassis, e os amigos Grace Kelly e Príncipe Rainier de Mônaco
8. O COMEÇO DO FIM

Callas era louca por Onassis, e chegou a engravidar do armador grego. Mas o bebê morreu um dia depois de seu nascimento, o que colaborou para que a diva desenvolvesse uma profunda depressão, que se acentuou depois da separação, em 1968. Onassis tinha outro alvo: a primeira-dama Jackie Kennedy, que acabara de perder o marido.

Mas sua voz começou a decair uma década antes do término do relacionamento. Um dos momentos mais escandalosos de sua carreira aconteceu em 1958, quando ela teve teve que interromper uma récita de “Norma”, em Roma, em homenagem ao então presidente da Itália, Giovanni Gronchi, e sua esposa. A plateia estava insatisfeita, e Callas fugiu por uma porta traseira ao final do primeiro ato.

9. DECLÍNIO

No final da década de 1950, sua voz começou a se apagar. Acreditou-se por muito tempo que os problemas com Onassis ou mesma sua perda de peso pudessem ter causado seu declínio. Mas em 2010, dois médicos italianos, especialistas em foniatria, afirmaram que a soprano sofria de uma doença que provoca inflamação muscular e dos tecidos, inclusive da laringe.

O tratamento é feito à base de cortisona e imunossupressores, que podem causam insuficiência cardíaca. Callas morreu em 1974, vítima de parada cardíaca, aos 53 anos, sozinha, em seu luxuoso apartamento na avenida George Mandel, em Paris.

Uma verdadeira tragédia grega.


 



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