É costume de muitos brasileiros ditos intelectualizados
vilanizar Roberto Carlosem
regra, por qualquer coisa que ele cante, fale ou faça. Na mesma medida, é
costume entre essa mesma camada social endeusar Chico Buarque na
mesma medida e proporção.
São,
ambas, atitudes bisonhas, irracionais, moldadas à base de torcida, e não à luz
do mundo-como-ele-é, nem sequer do mundo-como-gostaríamos-que-ele-fosse.
No mesmo dia em que morreu o grande Lou Reed,Roberto Carlos veio a público, em sua
própria casa (a Rede Globo), para se posicionar pela
primeira vez sobre a corrosiva celeuma das biografias.
Falando à repórter Renata Vasconcellos,demonstrando no semblante grave um
leve e surpreendente traço de irritação, Roberto tergiversou em diversos
momentos, como lhe é comum. Aqui e ali soou confuso, algo contraditório, como
também estamos acostumados. Em resumo, foi ele mesmo – ainda que nos exaspere
muitas vezes, é irracional de nossa parte exigir de Roberto Carlos que não seja
Roberto Carlos.
No entanto, houve algo de muito especial no pronunciamento do
“Rei”, comparável ao que ele fez, anos atrás, na mesma praça eletrônica das
noites dominicais, quando falou a uma desconcertada Glória Maria sobre sofrer de TOC, transtorno
obsessivo-compulsivo.
Na noite da sunday morning que levou Lou Reed, Roberto
quebrou mais um tabu e homenageou a todos nós – a ele mesmo, quiçá até a Lou
Reed, que tão pouco teve a ver com ele durante toda a vida, ou a Andy Warhol,padrinho
artístico de Reed e da pop art (ou seja, de Roberto Carlos).
O
artista brasileiro mais popular de todos os tempos quebrou um fortíssimo tabu
(seria demais especular que o TOC ergue tabus internos às dezenas na vida de um
ser humano?): falou sobre o acidente que sofreu ainda na infância e lhe tirou
parte de uma das pernas, e que certamente marcou profundamente toda a sua
existência.
Roberto
disse mais ou menos assim, daquilo que a Globo (a casa dele) nos permitiu
compartilhar:
“Pessoas têm dito que eu sou contra (as biografias não-autorizadas) por causa do meu
acidente. Não é isso, não. Eu, quando escrever meu livro, eu vou contar do
meu acidente. Ninguém poderá contar do meu acidente melhor que eu. Ninguém
poderá dizer aquilo que aconteceu com todos os detalhes que eu posso. Porqueninguém poderá dizer o que eu
senti e o que eu passei.Desculpa a rima, porque isso aí
só eu sei“.
Nesse
ponto, o grande Roberto Carlos (obrigado por estar vivo, Roberto!) está repleto
de razão – e há de ser uma catarse coletiva, de todo o Brasil, quando soubermos
que ele pode compartilhar conosco o que há de mais íntimo, particular e
doloroso em suas lembranças.
Esperávamos
por isso há décadas, Roberto.
Nossa
história se confunde com a sua em tamanha intensidade que é preciso que você
nos conte de suas dores para que nós possamos nos entender, entender as nossas
próprias dores.
O
Natal de todos nós (inclusive o seu, Roberto) será mais feliz e totalmente
diferente, depois que isso tiver acontecido. A sua liberdade é a nossa
liberdade, Roberto.
Por
enquanto, acima de todas as coisas, e apesar dos (muitos) detalhes talvez
pesados em que discordamos, há só isto para dizer: apenas o dia de hoje já foi
bem emocionante. Obrigado por tudo, Roberto, ainda mais esta vez.
http://farofafa.cartacapital.com.br
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