Cão Beethoven espera dono que morreu há dois meses de ataque cardíaco
ROBERTO OLIVEIRA DE SÃO PAULO
Ninguém
imaginaria que aquele bichinho, abandonado numa favela, infestado de carrapatos
e tomado pela sarna, sobreviveria a doenças de pele espalhadas pelo corpo.
Voluntários
de uma ONG recolheram o cão e lhe deram tratamento. Faltava um lar. José Santos
Rosa, funileiro da zona leste paulistana, quis ficar com ele. O filhote chegou
numa caixa de sapatos.
Zé
pensou em levá-lo para casa, mas, ao saber que o cão ficaria "gigante", herança
de seus traços genéticos, mezzo labrador, mezzo rottweiler, resolveu deixá-lo na
oficina.
Logo,
Beethoven passou a orquestrar barulhos por onde andava. Serelepe, cruzava fácil
as grades do portão, que ganhou tampões de madeira para mantê-lo a salvo da
rua.
O
cãozinho, lembra a vizinha Margareth Thomé, 47, "achava que era gato": escalava
o muro da funilaria e andava sobre ele, espreitando, ansioso, a chegada do
dono.
Na
tentativa de conter o ímpeto felino do cão, Zé levantou ainda mais o muro.
Por
volta das 7h, o barulho do molho de chaves de Zé era a senha para Beethoven
pular da cama e ir direto se sacudir no colo do dono.
Sábado,
domingo ou feriado, sol e chuva, pouco importava o dia, tampouco o clima, lá
estava ele, postado na entrada, fazendo festa para Zé.
Mas,
desde o dia 8 de junho, uma manhã de sábado, o silêncio e a tristeza tomaram
conta de Beethoven: a rotina de latidos, saltos e carinhos, ao longo de quatro
anos, foi interrompida.
José Teixeira da Silva, 60, brinca com o cão Beethoven, que parou de latir após morte do dono
Na
noite anterior, depois de se despedir do "amigão", como era de costume, o
funileiro pegou o carro para ir embora. Dirigia pela avenida Rio das Pedras
(zona leste), quando, sentindo fortes dores no peito, procurou às pressas um
lugar para estacionar.
Ligou
para o Samu. A emergência veio rápido, só que tarde demais: Zé, 54, sofreu um
ataque cardíaco. Deixa a mulher, duas filhas e Beethoven.
'SEMPRE
AO SEU LADO'
"O
cachorro ficou tão desamparado quanto elas", diz Margareth. A vizinha fez uma
"vaquinha" para comprar ração, mas o apetite do cão, antes voraz, diminuiu
bastante.
Ela
pretende encontrar um novo lar para Beethoven, que hoje divide o teto com outros
seis cães de rua, trazidos por um carroceiro que está "ocupando" a funilaria. A
família de Zé não tem condições de ficar com Beethoven, que foi para adoção (www.facebook.com/cristiane.biral ).
"Quando
ele ouve o barulho de chaves, vem correndo para o portão", conta Margareth.
"Acha que é o Zé."
Elvira
Brandolin, 79, outra vizinha, lembra que a rua nunca esteve tão calada. "Ele
latia fazendo festa para o Zé. Infelizmente, a festa acabou."
Autora
de livros como "Um Cão pra Chamar de Seu", a veterinária Regina Rheingantz
Motta, 53, explica que Beethoven continua exercitando sua rotina "de encontros e
despedidas de seu dono, mas ele ainda não aprendeu a incluir nela a morte".
A
persistência de Beethoven fez com que seus vizinhos enxergassem semelhanças
entre o cão sem raça definida e a tocante história de Hachiko, o cachorro akita
do filme "Sempre ao Seu Lado".
Após
a morte do dono, Hachiko continua indo "buscá-lo" na estação de trem, assim como
Beethoven continua lá, às portas da funilaria, à espera do amigo humano.
Baseado
em uma história real acontecida no Japão, o longa fez sucesso com Richard Gere
no papel do professor, dono do cão, que morre, assim como o Zé, vítima de um
ataque fulminante.
Mesmo
calado e desolado, Beethoven continua fiel à guarda matinal à espera de Zé,
todos os dias, às 7h.
O
que ele ainda não sabe é que o dono jamais voltará.
DE SÃO PAULO
http://www1.folha.uol.com.br
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