Nos almoços que o general Vasco Rocha Vieira oferecia,
normalmente convidada um ou mais jornalistas. Num desses almoços, com altas
patentes militares, fui, digamos, o “jornalista eleito”. Confesso que ali,
perante altos comandos militares, me senti deslocado, apesar de ter encontrado
algumas personagens conhecidas, também convidadas, casos dos Drs. José
Guilherme Reis Leite e Alvarino Pinheiro. Mas, na mesa, fiquei entre os
militares. Falava-se de política, das forças armadas portuguesas (inevitável),
mas de futebol, nicles! Fui auscultando, auscultando, até que, a dado momento,
virei-me para um desses generais e lhe perguntei se era do Sporting ou do
Benfica. O homem deve ter percebido que eu já estava fartinho de ouvir falar em
militarismo e lá foi dizendo que era benfiquista, tendo eu ripostado que o
Sporting estava no meu coração, afinal, o grande rival do Benfica. O almoço foi
divinal, como sempre acontecia com Rocha Vieira. Durante a sobremesa (depois
veio o café, o scotch e mais outras bebidas da especialidade), o general
interpelou-me, questionando se eu tinha sido militar. Respondi de imediato, que
sim, com passagem por Angola, onde conheci o Tenente-Coronel Rebocho Vaz. Foi
então que passamos a conversa para Angola. Aí sim, já abri mais o diálogo, mas
surpreendi o general quando lhe informei que, em Angola, a minha guerra foi
outra, a de árbitro de futebol. O “cinco estrelas” ainda atalhou: nunca deu um
tirinho, pelos vistos. Lancei um sorriso e respondi que tinha dado muitos
tiros, mas com o apito na boca. O “cinco estrelas” e os outros que estavam ali
perto de nós, desataram a rir. Um desses generais, até comentou: para si, uma
bela guerra. Pois foi... só pegava na arma quando estava de serviço ao quartel.
Manda a verdade dizer que ansiava para que o almoço
terminasse, o que nunca foi habitual no solar de Rocha Vieira. Estava rodeado
de muitas estrelas. Nunca gostei, excetuando aqui o anfitrião do referido
almoço, o general Rocha Vieira. As estrelas de Rocha Vieira eram tão
diferentes. Estrelas de bondade, de amizade, de solidariedade. Deixou nos
Açores uma performance que ainda hoje é recordada com muita saudade. Por isso,
prezo-me de ter sido um dos jornalistas que esteve sempre ao lado de Vasco
Rocha Vieira. Senti isso naquele almoço, pelo fato de ter sido o único
jornalista convidado. Mas também senti um forte alívio quando abandonei o Solar
da Madre de Deus. Muitas estrelas para o meu feitio, confidenciei ao Dr.
Alvarino Pinheiro, líder do PP – Partido Popular, antigo CDS, ou seja, aquele
que está no centro, no meio do PS e do PSD. Como nunca ganha eleições, o PP
está sempre na oposição.
Pintaram a cara de preto
Sempre gostei, nas viagens, de engendrar umas partidinhas
aos amigos e colegas de profissão. Como eles diziam, fazia as minhas pela
calada. Andava sempre com... olho na faca e olho na lapa, como sói dizer-se,
para não ser apanhado. Porém, numa dessas viagens, no regresso a casa, peguei
no sono no avião, o que raramente acontecia. Este foi, pois, o dia deles.
Quando o avião aterrou, acordei. Toda a gente ria, eu também sem saber de quê e
porquê. À saída do avião, a hospedeira perguntou-me se eu não tinha lavado a
cara. Disse-lhe, com toda a naturalidade, que sempre tomo o meu banho antes de
sair. Mas ela aconselhou-me a ir ao WC ver a minha cara. Lá fui. Tinha a cara
toda pintada de preto. Desta vez fui a vítima. Um dia isso tinha que acontecer.
Obra de quem? Pois claro, do Dionísio, do Carlos Alberto Silva Sousa, do Paulo
Marcelino, do João Amaro, para citar apenas estes. A tal mística do Lusitânia,
prenhe de alegria e de inusitada camaradagem.
Muito mais tarde, fui apanhado de novo, carreguei com uma
embalagem de pedras grandes. Deixaram na recepção do ISEF, pedindo para eu
levar para o Açores para o meu amigo Valdiro, azulejos para a casa que ele
estava a construir. Nada de azulejos, pedras enormes. Filhos da mãe, esta foi a
melhor de todas. Daí para a frente, nunca mais fui o visado. Mas paguei, bem
caro, pelas partidas que fiz aos colegas e amigos.
No Canadá - uma polícia-montada
Na última viagem ao Canadá, reporta a 1997, a caminho de uma
reportagem, o carro que nos levava, dirigido pelo bom amigo Carlos Costa, foi
interpelado por uma mulher-polícia, montada num bonito cavalo. Alegou que o
Carlos tinha ultrapassado o limite da velocidade. Explicamos o porquê, sendo
jornalistas portugueses em reportagem no Canadá e estávamos ligeiramente
atrasados. Ela não quis saber de histórias (até veras e bem contadas) e pedi os
documentos ao Carlos Costa, mas sempre montada no seu cavalo. Fiquei irritado e
acabei por ser eu a dizer à polícia que, efetivamente, ela tinha uma
escrevaninha (em Portugal, por norma, dizemos secretária) muito alta. O Carlos
Costa teve que esticar o braço direito muitas vezes para entregar e receber os
documentos solicitados. Trinta dólares de multa. Ainda perguntei se não tinha
direito a um desconto, pelo fato da secretária ser tão alta. A polícia fez uma
cara de poucos amigos. Com o dedo, fiz uma coisa feia, que ela não percebeu.
Não para o cavalo, mas sim para ela. Um cavalo a servir de escrevaninha. É
assim a polícia no Canadá. Estive prestes a sair com esta: se ela queria montar
no meu cavalo, mais confortável e bem domado pelo dono. Era capaz de não
entender a minha ironia, ou seja, o meu cavalo, guardado no meio das duas
pernas.
Desligar o despertador
Em 1984, estive na Horta com Rui Santos, então meu companheiro
de “A Bola’, sobrinho do chefe de redação, Vítor Santos, já falecido, como já
referi”. Dividimos o mesmo quarto na Estalagem de Santa Cruz. Eu sempre acordei
cedo, ainda hoje o faço pelas seis da manhã. Nunca precisei de despertador. O
Rui ligava o despertador do rádio e eu, quando ele adormecia, desligava.
Acordava, fazia a barba (um ritual de mais de 40 anos), tomava banho e depois
chamava o Rui. Então, pá, o despertador não funcionou. O Rui estava intrigado.
A cena repetiu-se nos dias seguintes. Cada vez mais intrigado ficou o Rui,
porque eu gozava o pratinho por mim preparado. No fim, contei-lhe a verdade. Só
me disse: como sempre, és um grande malandro. Mas não digas nada no jornal para
não sair nenhuma piada no nosso Cautchu. Só contei ao Vítor Santos e depois,
juntos os três, deu mesmo para rir. O Rui nunca havia desconfiado de nada.
Massinga meu guarda-costas
Quando, regularmente, acompanhava o Lusitânia, passava parte
das noites na Cova da Onça, na Avenida da Liberdade. Comecei a ir ali por
indicação do antigo capitão do Benfica e antigo selecionador nacional, Humberto
Coelho, e ainda Alberto Coronel, homem ligado à La Coste e que acabou, tal como
eu, por rumar para o Brasil.
Numa bela noite, depois de um jogo, claro está, fomos todos
à Cova da Onça. Ninguém pagou a entrada porque eu, como todos lá diziam, já
fazia parte da família da Cova da Onça. O Paulo Massinga atrasou-se e quando
chegou à porta, o porteiro, o António, não lhe deixou entrar. Viu aquele
matelão, meio de cor, e entendeu que ele seria, na Cova, “personna non grata”.
Não sei, ao certo, se foi esse o pensamento do António. Fui chamado e quando
cheguei perto do Massinga, disse ao António que ele estava na presença de um
dos meus guarda-costas. O António, ato contínuo, saudou o Massinga, tirando o
seu boné que fazia parte da indumentária oficial da Cova da Onça. O António só
me respondeu: eu não sabia. Tudo bem, António, assunto arrumado. Mas ele é o
meu principal guarda-costas, acrescentei. Depois, mandei o Santos (ferrenho benfiquista),
empregado de mesa, levar um scotch ao António, oferecido em nome do meu
guarda-costas. Por uma noite, Paulo Massinga passou por meu guarda-costas.
Confesso que estava bem protegido.
As dores de barriga do Palmeira Bicho
Em representação do jornal “A Bola”, acompanhei o Vitória de
Setúbal numa digressão a São Miguel, Açores. Mas, antes, o Vitória havia
passado pela ilha Terceira, concretamente pela cidade de Angra do Heroísmo.
Sempre disponível para com os amigos, acedi ao convite do
Palmeira Bicho para fazer os comentários para a SPAL, através do emissor Clube
Asas do Atlântico. Tudo estava a decorrer da melhor forma, mas, a dado momento,
com fortes dores de barriga, Palmeira Bicho, que relatava o jogo, passou-me o
microfone para a mão e desatou a correr pela pista de tartan em direção aos
balneários para, obviamente, com toda aquela aflição, despejar a tripa. E que
fazer perante aquela situação... Passei a bola para o Fernando Franco que
estava encarregado da publicidade. Disse-lhe: Fernando, relata, vamos não se
pode parar. Entretanto, eu comentava umas jogadas para dar tempo a que o
Fernando também se recompusesse da inesperada surpresa. Lá foi, lentamente,
relatando e, desta feita, eu intervindo com mais regularidade, até que o
Palmeira Bicho retornasse. O Fernando Franco não estava muito à-vontade, mas
sempre foi dando umas pinceladas para os ouvintes não se aperceberem que algo
tinha corrido mal, após a desenfreada corrida do Palmeira Bicho, que mais
parecia um corredor de cem metros, mesmo com aquela barriga a deitar pelo cinto
fora.
Quando chegou ao posto de reportagem, instalado na pista de
tartan, ali pertinho do relvado, o Palmeira Bicho sorria com ar de aliviado. Só
que o Fernando Franco não esteve para meias-medidas, passou-lhe de novo o
microfone e seguiu o mesmo rumo, porque ele também já estava com os mesmo
sintomas de caganeira. Mas, aqui, tudo bem, porque o Bicho, com toda a sua lata
experiência, relatava e simultaneamente metia a publicidade. Como o jogo estava
a terminar, o Fernando Franco não mais voltou. Eu, nesse dia, almocei uma canja
e um bife grelhado e eles optaram por uma bruta feijoada. Da feijoada, foi o
que se viu, melhor, o que eu vi. Duas corridas céleres para chegar ao WC dos
vestiários das equipas. Se o público que estava nas bancadas não estivesse
atento ao jogo, seria capaz de aplaudir aqueles dois improvisados corredores de
cem metros. Só não sei o tempo que gastaram até chegar ao WC. Deve ter sido um
tempo muito bom, porque não cheiravam mal.
Minha filha foi talismã
Nunca fui daqueles de virar as costas aos desafios lançados.
Circunstancialmente, sempre confiei no meu “savoir faire”, na minha capacidade
imaginativa. E foi deste modo que, em 1986, aceitei um convite do Sporting da
Horta (delegação do Sporting de Lisboa) para levar o clube a campeão. Logrei
esse desiderato, para gáudio de todo o grupo de trabalho. Mas, aqui, confesso
que minha filha, sempre presente aos fins-de-semana, foi meu talismã. Nessa
altura, ela tinha cinco anos de idade e, aos domingos de manhã, deparava que a
minha fisionomia mudava, isto é, apresentava indícios de preocupação, na exata
medida em que, para atingir os objetivos propostos, não podia perder jogos.
Expliquei-lhe, com todo o cuidado, essa situação e foi então que, com aquele ar
de criança já crente, me respondeu: pai vai rezar no sentido de saíres
vencedor. Até aí, tudo bem. Num fim-de-semana em que não me acompanhou, acabei
mesmo por perder esse jogo, aliás, o único em que fui derrotado. A partir desse
momento, acreditei cada vez mais que minha filha, nessa encruzilhada de
treinador que tinha que ser campeão, foi o meu precioso talismã.
Festejar com espumante espanhol
Seguindo a sequência do fato que relatei em relação à minha
filha, o título de campeão foi festejado com espumante espanhol. Aconteceu na
casa de um fervoroso sportinguista, o meu bom amigo Carlos Batelão. Ele viveu
intensamente a disputa desse campeonato que, na verdade, foi renhido até à
derradeira jornada, jornada essa em que fomos campeões ao derrotarmos, na sua
própria casa, o mais direto competidor. A noite foi bem divertida. Todos os que
estiveram na casa de campo do Carlos Batelão de lá saíram bem aviados. Eu, por
exemplo, não sei bem como cheguei a casa. Será que alguém me ajudou a subir
três lances de escadaria... Ainda hoje não sei. O que sei isso sim é que, na
segunda-feira de manhã, após a conquista do saboroso título, estava deitado na
minha própria cama e quando acordei senti na cabeça o peso do espumante
espanhol. Depois, nessa mesma segunda-feira, mais comedida, muito mais mesmo, a
festa ainda continuou, mas sem espumante espanhol. Não havia mais, porque
beberam todas as garrafas que o Carlos Batelão tinha em stock.
Terminada a minha missão, abandonei a cidade da Horta e
nunca mais tive notícias do Carlos Batelão. Mas, onze anos volvidos, fui lá de
férias e o Carlos continuava bem disposto. Só que, infelizmente, para todos
nós, essas férias não deram para estarmos todos juntos, atendendo a que, no dia
9 de Julho (cheguei no dia 6), a cidade foi sacudida por um terramoto que fez
oito vítimas e que, pela sua intensidade, destruiu muitas dezenas de
habituações. O forte abalo telúrico aconteceu às cinco horas e vinte minutos da
madrugada do dia 9, seguido de contínuas réplicas. Acabaram as minhas férias e
também o meu firme propósito de voltarmos a ter uma noite animada em casa do
Carlos Batelão. Mas o pior foram aqueles que morreram soterrados e as muitas
famílias que ficaram sem habitação, passando por momentos difíceis.
Já havia passado por situação semelhante, no dia 1 de
Janeiro de 1980, em Angra do Heroísmo, quando a ilha Terceira também foi
fortemente atingida, mas aqui foi muito pior, ceifando cinquenta vidas. De
resto, as habitações não escaparam a esse fenómeno da natureza, construídas com
cimento, placas e cintas de ferro. Essas resistiram. Melhor, as dos ricos, para
mais construídas sem consistência. A reconstrução passou, então, para
anti-sismica, quer em Angra, quer na Horta. Como é habitual dizer-se, “depois
de casa roubada, trancas na porta”. Um dia isso tinha de acontecer, tratando-se
de ilhas de origem vulcânica. Só depois dos referidos terramotos, é que muita
gente se apercebeu que as suas casas não ofereciam segurança alguma, exceto
aquelas que foram.
Aeroporto Comandante Alves Silva
Perto de Silva Porto, antiga capital do distrito do Bié
(Angola), existia um aeroporto, infuncionável, com o nome de Comandante Alves
Silva. Ora, meu nome completo é Carlos Alberto Alves Silva. No quartel, era
conhecido por Alves Silva e, um belo dia, alguns colegas, que saíram em batida
de reconhecimento, começaram a tratar-me por Comandante Alves Silva, mas eu não
sabia o porquê. Na secretaria da companhia onde estava colocado, em General
Machado (Camacupa), o capitão Fernando Mesquita Rito Raimundo também começou a
ironizar, chamando-me por Comandante Alves Silva. Eu nunca fui comandante de
nada, na tropa obviamente. Mas que raio de história era aquela. Inclusive, pedi
que parassem com aquela brincadeira, não fosse o major João Maria Antunes (irmão
do antigo selecionador nacional, Dr. José Maria Antunes) pensar que eu estava
arvorado em “comandante”. Nunca gostei de brincadeiras de mau gosto. Mais
tarde, porém, tudo foi preparado com o capitão Rito Raimundo e fui escalado
para uma missão de “psico” junto da população nativa. A ideia era (foi) de me
levar ao “sítio da ironia”. O condutor, que tinha um nome pouco vulgar (Pistola
Estrompa), desviou a rota e parou junto a um terreno plano, já ervado, onde
estava colocada uma placa com o seguinte dizer: Aeroporto Comandante Alves
Silva. Pois é, ironizei eu desta feita: não sabia que este “ervado aeroporto”
tinha relações com o meu nome.
Quando retornei ao quartel, procurei o capitão Rito Raimundo
e, com uma forte dose de brincalhão, fui-lhe dizendo: se existe um aeroporto
com o meu nome, aqui tão pertinho, por favor, requisite um avião para me levar
para Portugal. Rito Raimundo, uma pessoa inteligente, respondeu tudo bem.
Arranjo um avião e tu sais como desertor. O pior, respondi, é que aqui no quartel
não há nenhum piloto de avião. O melhor mesmo é acabar o meu tempo de comissão
de serviço e regressar de barco – atalhei.
O Pericão nunca me perdoou
O alferes Pericão, um grandalhão, com mais de dois metros de
altura, jogava basquetebol e eu era árbitro dessa modalidade, como também
era de futebol, mas aqui federado pela Provincial de Angola. De basquetebol, só
dirigia jogos militares. Num desses jogos, disputado na Bela Vista (perto de
Nova Lisboa), o Pericão ultrapassou os limites, discutindo por tudo e por nada.
Interrompi o jogo a dada altura, chamei-o, e, de imediato, obriguei a falar
comigo em sentido. Se não o fizesse seria excluído do jogo. Lá acatou, mas de
dentes cerrados, ele que era um pouco temperamental. “Senhor Pericão, aqui você
é jogador e eu árbitro. Os galões não fazem parte do jogo, portanto, mando eu,
decido eu”. Para muitos militares ali presentes no recinto, foi o delírio, para
mais que o comandante do batalhão, tenente-coronel Joaquim Esteves Correia,
assistia ao jogo.
No dia seguinte, fui chamado ao gabinete do comandante
Esteves Correia. Inferi que essa chamada estaria ligada ao acontecimento do dia
anterior. E assim sucedeu. Esteves Correia gostou da minha atitude. Soube, mais
tarde, que o Esteves Correia alertou o Pericão no sentido de ele não misturar a
tropa com o jogo.
Apesar de tudo, do seu feitio autoritário, Pericão, no dia
em que o Batalhão de Caçadores 471 regressou à Metrópole (entenda-se por
Portugal continental), teve a hombridade de me pedir desculpa. Até ali, nunca
perdoou o fato de eu, publicamente, perante o comandante, colegas e
subalternos, o ter humilhado, ele que sempre se julgou uma pessoa intocável.
Nessa noite do jogo em questão, aprendeu a lição.
Aquele engenheiro Smidh
Nas viagens acontecem, quase sempre, episódios
interessantes, incluindo aqueles que roçam o tragicómico. Na última deslocação
que efetuei a Immenstadt (Alemanha), numa bela manhã a Rosa Mota quis ir
treinar, o que sempre fez com regularidade, mesmo depois de ter deixado a
competição. Acompanhei-a com outros corredores de velocidade que lá se
encontravam (todos portugueses) numa carrinha conduzida pelo engenheiro Smidh,
figura muito conhecida em Immenstadt e amigo íntimo do Carlos Borba, o promotor
do “FESTAND”.
Terminado o treino, numa zona muito aprazível, a Rosa Mota
entrou na FORD para regressarmos ao hotel. Aconteceu, porém, que esse tal
engenheiro Smidh andou às voltas e nunca encontrou a estrada certa de acesso ao
hotel. Todos riam, a Rosa Mota, no seu estilo bem peculiar, fazia festa, e eu
ia dizendo, calmamente, que estávamos perto da fronteira com a Áustria. E tinha
as minhas razões. Lançado um SOS ao Carlos Borba, ele deu, assim, indicações
certas ao Smidh, ou seja, as consentâneas coordenadas para chegarmos ao hotel.
Mais tarde, quando se juntou ao grupo, Carlos Borba virou-se para mim:
estiveste perto da fronteira com a Áustria, acabando eu por responder ao Carlos
que, da próxima vez (que não aconteceu), tinha que arranjar um condutor que não
fosse engenheiro.
O Smidh era corredor de fundo e, no final da prova em que
participou, aquela que encerrou o “FESTAND”, fui-lhe dizendo que receava que
ele não chegasse ao fim, pelo fato de ser despassarado e, como tal, enganar-se
no percurso, à semelhança do que se verificou de manhã no treino da Rosa Mota.
Só que este era plano e tinha muita gente a guiar-lhe. Pois é... Aquele Smidh
não pode conduzir em zonas com muito arvoredo, perde a visibilidade, a
orientação e, consequentemente, fica perto da fronteira com a Áustria. Será ele
de descendência austríaca...
Do despassarado... ao exuberante
Umas horas depois do jogo Brasil-URSS, que assinalou a
estreia do “escrete” na Copa do Mundo de 1982, em Espanha, eu, o Rui Silva, a
mulher Abbia, o professor João Barnabé e mais três brasileiros que conhecemos
no dia anterior, combinamos tomar umas cervejas numa esplanada, em Sevilha,
perto dos hotéis onde estávamos hospedados. Assim foi. Veio o “garçon” e
pedimos sete canecas de cerveja. Enquanto se esperava, falamos do jogo. Bem ao
seu estilo, o João Barnabé de quando em vez se levantava com os braços no ar,
mas não prevíamos o que iria de seguida acontecer. Realmente, o “garçon” que
trazia a cerveja escolheu o sítio errado, passando por detrás do João Barnabé
que, infelizmente para todos, naquele momento voltou a levantar-se e deu com
uma das mãos na bandeja que o “garçon” transportava o precioso líquido.
Escusado era dizer que todos apanharam um bom banho de cerveja, mas o mais
inconformado foi o “coroa” brasileiro que, naquela noite, tinha estreado umas
calças novas, ainda por cima de cor clara. Teve que voltar ao hotel para mudar
de calças, mas, quando regressou junto de nós, quis ficar longe do João
Barnabé, ou não fosse, de novo, o diabo tecê-las. O João Barnabé, que foi
treinador do Sporting Club de Portugal e também selecionador nacional, sempre
foi assim exuberante, mas nada tem de diabo.
Sempre que nos dias seguintes íamos a um bar, o “coroa” (em
português, pessoa mais idosa) se afastava do João Barnabé. Nós já o conhecíamos
e, por isso, não surpreendeu aquele seu gesto. Por brincadeira, até dissemos:
este João Barnabé gosta muito de andar em pé. Mas, para quem não sabe, ele é de
pequena estatura e não é pessoa de exibicionismos. Expansivo e exuberante,
porque vive tudo aquilo que diz. Nunca o conhecemos como dono da razão.
Gostou do post ou tem sugestões?
✍️ Deixe aqui a sua opiniãoComentários
Enviar um comentário
🌟Copie um emoji e cole no comentário: Clique aqui para ver os emojis