Aos sábados, com o meu livro (11-c)

DO TEXTO:



 

Por: Carlos Alberto Alves
jornalistaalves@hotmail.com

Capítulo XI (Continuação)

No meio de altos comandos militares

Nos almoços que o general Vasco Rocha Vieira oferecia, normalmente convidada um ou mais jornalistas. Num desses almoços, com altas patentes militares, fui, digamos, o “jornalista eleito”. Confesso que ali, perante altos comandos militares, me senti deslocado, apesar de ter encontrado algumas personagens conhecidas, também convidadas, casos dos Drs. José Guilherme Reis Leite e Alvarino Pinheiro. Mas, na mesa, fiquei entre os militares. Falava-se de política, das forças armadas portuguesas (inevitável), mas de futebol, nicles! Fui auscultando, auscultando, até que, a dado momento, virei-me para um desses generais e lhe perguntei se era do Sporting ou do Benfica. O homem deve ter percebido que eu já estava fartinho de ouvir falar em militarismo e lá foi dizendo que era benfiquista, tendo eu ripostado que o Sporting estava no meu coração, afinal, o grande rival do Benfica. O almoço foi divinal, como sempre acontecia com Rocha Vieira. Durante a sobremesa (depois veio o café, o scotch e mais outras bebidas da especialidade), o general interpelou-me, questionando se eu tinha sido militar. Respondi de imediato, que sim, com passagem por Angola, onde conheci o Tenente-Coronel Rebocho Vaz. Foi então que passamos a conversa para Angola. Aí sim, já abri mais o diálogo, mas surpreendi o general quando lhe informei que, em Angola, a minha guerra foi outra, a de árbitro de futebol. O “cinco estrelas” ainda atalhou: nunca deu um tirinho, pelos vistos. Lancei um sorriso e respondi que tinha dado muitos tiros, mas com o apito na boca. O “cinco estrelas” e os outros que estavam ali perto de nós, desataram a rir. Um desses generais, até comentou: para si, uma bela guerra. Pois foi... só pegava na arma quando estava de serviço ao quartel.

Manda a verdade dizer que ansiava para que o almoço terminasse, o que nunca foi habitual no solar de Rocha Vieira. Estava rodeado de muitas estrelas. Nunca gostei, excetuando aqui o anfitrião do referido almoço, o general Rocha Vieira. As estrelas de Rocha Vieira eram tão diferentes. Estrelas de bondade, de amizade, de solidariedade. Deixou nos Açores uma performance que ainda hoje é recordada com muita saudade. Por isso, prezo-me de ter sido um dos jornalistas que esteve sempre ao lado de Vasco Rocha Vieira. Senti isso naquele almoço, pelo fato de ter sido o único jornalista convidado. Mas também senti um forte alívio quando abandonei o Solar da Madre de Deus. Muitas estrelas para o meu feitio, confidenciei ao Dr. Alvarino Pinheiro, líder do PP – Partido Popular, antigo CDS, ou seja, aquele que está no centro, no meio do PS e do PSD. Como nunca ganha eleições, o PP está sempre na oposição.

Pintaram a cara de preto

Sempre gostei, nas viagens, de engendrar umas partidinhas aos amigos e colegas de profissão. Como eles diziam, fazia as minhas pela calada. Andava sempre com... olho na faca e olho na lapa, como sói dizer-se, para não ser apanhado. Porém, numa dessas viagens, no regresso a casa, peguei no sono no avião, o que raramente acontecia. Este foi, pois, o dia deles. Quando o avião aterrou, acordei. Toda a gente ria, eu também sem saber de quê e porquê. À saída do avião, a hospedeira perguntou-me se eu não tinha lavado a cara. Disse-lhe, com toda a naturalidade, que sempre tomo o meu banho antes de sair. Mas ela aconselhou-me a ir ao WC ver a minha cara. Lá fui. Tinha a cara toda pintada de preto. Desta vez fui a vítima. Um dia isso tinha que acontecer. Obra de quem? Pois claro, do Dionísio, do Carlos Alberto Silva Sousa, do Paulo Marcelino, do João Amaro, para citar apenas estes. A tal mística do Lusitânia, prenhe de alegria e de inusitada camaradagem.

Muito mais tarde, fui apanhado de novo, carreguei com uma embalagem de pedras grandes. Deixaram na recepção do ISEF, pedindo para eu levar para o Açores para o meu amigo Valdiro, azulejos para a casa que ele estava a construir. Nada de azulejos, pedras enormes. Filhos da mãe, esta foi a melhor de todas. Daí para a frente, nunca mais fui o visado. Mas paguei, bem caro, pelas partidas que fiz aos colegas e amigos.

No Canadá - uma polícia-montada

Na última viagem ao Canadá, reporta a 1997, a caminho de uma reportagem, o carro que nos levava, dirigido pelo bom amigo Carlos Costa, foi interpelado por uma mulher-polícia, montada num bonito cavalo. Alegou que o Carlos tinha ultrapassado o limite da velocidade. Explicamos o porquê, sendo jornalistas portugueses em reportagem no Canadá e estávamos ligeiramente atrasados. Ela não quis saber de histórias (até veras e bem contadas) e pedi os documentos ao Carlos Costa, mas sempre montada no seu cavalo. Fiquei irritado e acabei por ser eu a dizer à polícia que, efetivamente, ela tinha uma escrevaninha (em Portugal, por norma, dizemos secretária) muito alta. O Carlos Costa teve que esticar o braço direito muitas vezes para entregar e receber os documentos solicitados. Trinta dólares de multa. Ainda perguntei se não tinha direito a um desconto, pelo fato da secretária ser tão alta. A polícia fez uma cara de poucos amigos. Com o dedo, fiz uma coisa feia, que ela não percebeu. Não para o cavalo, mas sim para ela. Um cavalo a servir de escrevaninha. É assim a polícia no Canadá. Estive prestes a sair com esta: se ela queria montar no meu cavalo, mais confortável e bem domado pelo dono. Era capaz de não entender a minha ironia, ou seja, o meu cavalo, guardado no meio das duas pernas.

Desligar o despertador

Em 1984, estive na Horta com Rui Santos, então meu companheiro de “A Bola’, sobrinho do chefe de redação, Vítor Santos, já falecido, como já referi”. Dividimos o mesmo quarto na Estalagem de Santa Cruz. Eu sempre acordei cedo, ainda hoje o faço pelas seis da manhã. Nunca precisei de despertador. O Rui ligava o despertador do rádio e eu, quando ele adormecia, desligava. Acordava, fazia a barba (um ritual de mais de 40 anos), tomava banho e depois chamava o Rui. Então, pá, o despertador não funcionou. O Rui estava intrigado. A cena repetiu-se nos dias seguintes. Cada vez mais intrigado ficou o Rui, porque eu gozava o pratinho por mim preparado. No fim, contei-lhe a verdade. Só me disse: como sempre, és um grande malandro. Mas não digas nada no jornal para não sair nenhuma piada no nosso Cautchu. Só contei ao Vítor Santos e depois, juntos os três, deu mesmo para rir. O Rui nunca havia desconfiado de nada.

Massinga meu guarda-costas

Quando, regularmente, acompanhava o Lusitânia, passava parte das noites na Cova da Onça, na Avenida da Liberdade. Comecei a ir ali por indicação do antigo capitão do Benfica e antigo selecionador nacional, Humberto Coelho, e ainda Alberto Coronel, homem ligado à La Coste e que acabou, tal como eu, por rumar para o Brasil.

Numa bela noite, depois de um jogo, claro está, fomos todos à Cova da Onça. Ninguém pagou a entrada porque eu, como todos lá diziam, já fazia parte da família da Cova da Onça. O Paulo Massinga atrasou-se e quando chegou à porta, o porteiro, o António, não lhe deixou entrar. Viu aquele matelão, meio de cor, e entendeu que ele seria, na Cova, “personna non grata”. Não sei, ao certo, se foi esse o pensamento do António. Fui chamado e quando cheguei perto do Massinga, disse ao António que ele estava na presença de um dos meus guarda-costas. O António, ato contínuo, saudou o Massinga, tirando o seu boné que fazia parte da indumentária oficial da Cova da Onça. O António só me respondeu: eu não sabia. Tudo bem, António, assunto arrumado. Mas ele é o meu principal guarda-costas, acrescentei. Depois, mandei o Santos (ferrenho benfiquista), empregado de mesa, levar um scotch ao António, oferecido em nome do meu guarda-costas. Por uma noite, Paulo Massinga passou por meu guarda-costas. Confesso que estava bem protegido.

As dores de barriga do Palmeira Bicho

Em representação do jornal “A Bola”, acompanhei o Vitória de Setúbal numa digressão a São Miguel, Açores. Mas, antes, o Vitória havia passado pela ilha Terceira, concretamente pela cidade de Angra do Heroísmo.

Sempre disponível para com os amigos, acedi ao convite do Palmeira Bicho para fazer os comentários para a SPAL, através do emissor Clube Asas do Atlântico. Tudo estava a decorrer da melhor forma, mas, a dado momento, com fortes dores de barriga, Palmeira Bicho, que relatava o jogo, passou-me o microfone para a mão e desatou a correr pela pista de tartan em direção aos balneários para, obviamente, com toda aquela aflição, despejar a tripa. E que fazer perante aquela situação... Passei a bola para o Fernando Franco que estava encarregado da publicidade. Disse-lhe: Fernando, relata, vamos não se pode parar. Entretanto, eu comentava umas jogadas para dar tempo a que o Fernando também se recompusesse da inesperada surpresa. Lá foi, lentamente, relatando e, desta feita, eu intervindo com mais regularidade, até que o Palmeira Bicho retornasse. O Fernando Franco não estava muito à-vontade, mas sempre foi dando umas pinceladas para os ouvintes não se aperceberem que algo tinha corrido mal, após a desenfreada corrida do Palmeira Bicho, que mais parecia um corredor de cem metros, mesmo com aquela barriga a deitar pelo cinto fora.

Quando chegou ao posto de reportagem, instalado na pista de tartan, ali pertinho do relvado, o Palmeira Bicho sorria com ar de aliviado. Só que o Fernando Franco não esteve para meias-medidas, passou-lhe de novo o microfone e seguiu o mesmo rumo, porque ele também já estava com os mesmo sintomas de caganeira. Mas, aqui, tudo bem, porque o Bicho, com toda a sua lata experiência, relatava e simultaneamente metia a publicidade. Como o jogo estava a terminar, o Fernando Franco não mais voltou. Eu, nesse dia, almocei uma canja e um bife grelhado e eles optaram por uma bruta feijoada. Da feijoada, foi o que se viu, melhor, o que eu vi. Duas corridas céleres para chegar ao WC dos vestiários das equipas. Se o público que estava nas bancadas não estivesse atento ao jogo, seria capaz de aplaudir aqueles dois improvisados corredores de cem metros. Só não sei o tempo que gastaram até chegar ao WC. Deve ter sido um tempo muito bom, porque não cheiravam mal.

Minha filha foi talismã

Nunca fui daqueles de virar as costas aos desafios lançados. Circunstancialmente, sempre confiei no meu “savoir faire”, na minha capacidade imaginativa. E foi deste modo que, em 1986, aceitei um convite do Sporting da Horta (delegação do Sporting de Lisboa) para levar o clube a campeão. Logrei esse desiderato, para gáudio de todo o grupo de trabalho. Mas, aqui, confesso que minha filha, sempre presente aos fins-de-semana, foi meu talismã. Nessa altura, ela tinha cinco anos de idade e, aos domingos de manhã, deparava que a minha fisionomia mudava, isto é, apresentava indícios de preocupação, na exata medida em que, para atingir os objetivos propostos, não podia perder jogos. Expliquei-lhe, com todo o cuidado, essa situação e foi então que, com aquele ar de criança já crente, me respondeu: pai vai rezar no sentido de saíres vencedor. Até aí, tudo bem. Num fim-de-semana em que não me acompanhou, acabei mesmo por perder esse jogo, aliás, o único em que fui derrotado. A partir desse momento, acreditei cada vez mais que minha filha, nessa encruzilhada de treinador que tinha que ser campeão, foi o meu precioso talismã.

Festejar com espumante espanhol

Seguindo a sequência do fato que relatei em relação à minha filha, o título de campeão foi festejado com espumante espanhol. Aconteceu na casa de um fervoroso sportinguista, o meu bom amigo Carlos Batelão. Ele viveu intensamente a disputa desse campeonato que, na verdade, foi renhido até à derradeira jornada, jornada essa em que fomos campeões ao derrotarmos, na sua própria casa, o mais direto competidor. A noite foi bem divertida. Todos os que estiveram na casa de campo do Carlos Batelão de lá saíram bem aviados. Eu, por exemplo, não sei bem como cheguei a casa. Será que alguém me ajudou a subir três lances de escadaria... Ainda hoje não sei. O que sei isso sim é que, na segunda-feira de manhã, após a conquista do saboroso título, estava deitado na minha própria cama e quando acordei senti na cabeça o peso do espumante espanhol. Depois, nessa mesma segunda-feira, mais comedida, muito mais mesmo, a festa ainda continuou, mas sem espumante espanhol. Não havia mais, porque beberam todas as garrafas que o Carlos Batelão tinha em stock.

Terminada a minha missão, abandonei a cidade da Horta e nunca mais tive notícias do Carlos Batelão. Mas, onze anos volvidos, fui lá de férias e o Carlos continuava bem disposto. Só que, infelizmente, para todos nós, essas férias não deram para estarmos todos juntos, atendendo a que, no dia 9 de Julho (cheguei no dia 6), a cidade foi sacudida por um terramoto que fez oito vítimas e que, pela sua intensidade, destruiu muitas dezenas de habituações. O forte abalo telúrico aconteceu às cinco horas e vinte minutos da madrugada do dia 9, seguido de contínuas réplicas. Acabaram as minhas férias e também o meu firme propósito de voltarmos a ter uma noite animada em casa do Carlos Batelão. Mas o pior foram aqueles que morreram soterrados e as muitas famílias que ficaram sem habitação, passando por momentos difíceis.

Já havia passado por situação semelhante, no dia 1 de Janeiro de 1980, em Angra do Heroísmo, quando a ilha Terceira também foi fortemente atingida, mas aqui foi muito pior, ceifando cinquenta vidas. De resto, as habitações não escaparam a esse fenómeno da natureza, construídas com cimento, placas e cintas de ferro. Essas resistiram. Melhor, as dos ricos, para mais construídas sem consistência. A reconstrução passou, então, para anti-sismica, quer em Angra, quer na Horta. Como é habitual dizer-se, “depois de casa roubada, trancas na porta”. Um dia isso tinha de acontecer, tratando-se de ilhas de origem vulcânica. Só depois dos referidos terramotos, é que muita gente se apercebeu que as suas casas não ofereciam segurança alguma, exceto aquelas que foram.

Aeroporto Comandante Alves Silva

Perto de Silva Porto, antiga capital do distrito do Bié (Angola), existia um aeroporto, infuncionável, com o nome de Comandante Alves Silva. Ora, meu nome completo é Carlos Alberto Alves Silva. No quartel, era conhecido por Alves Silva e, um belo dia, alguns colegas, que saíram em batida de reconhecimento, começaram a tratar-me por Comandante Alves Silva, mas eu não sabia o porquê. Na secretaria da companhia onde estava colocado, em General Machado (Camacupa), o capitão Fernando Mesquita Rito Raimundo também começou a ironizar, chamando-me por Comandante Alves Silva. Eu nunca fui comandante de nada, na tropa obviamente. Mas que raio de história era aquela. Inclusive, pedi que parassem com aquela brincadeira, não fosse o major João Maria Antunes (irmão do antigo selecionador nacional, Dr. José Maria Antunes) pensar que eu estava arvorado em “comandante”. Nunca gostei de brincadeiras de mau gosto. Mais tarde, porém, tudo foi preparado com o capitão Rito Raimundo e fui escalado para uma missão de “psico” junto da população nativa. A ideia era (foi) de me levar ao “sítio da ironia”. O condutor, que tinha um nome pouco vulgar (Pistola Estrompa), desviou a rota e parou junto a um terreno plano, já ervado, onde estava colocada uma placa com o seguinte dizer: Aeroporto Comandante Alves Silva. Pois é, ironizei eu desta feita: não sabia que este “ervado aeroporto” tinha relações com o meu nome.

Quando retornei ao quartel, procurei o capitão Rito Raimundo e, com uma forte dose de brincalhão, fui-lhe dizendo: se existe um aeroporto com o meu nome, aqui tão pertinho, por favor, requisite um avião para me levar para Portugal. Rito Raimundo, uma pessoa inteligente, respondeu tudo bem. Arranjo um avião e tu sais como desertor. O pior, respondi, é que aqui no quartel não há nenhum piloto de avião. O melhor mesmo é acabar o meu tempo de comissão de serviço e regressar de barco – atalhei.

O Pericão nunca me perdoou

O alferes Pericão, um grandalhão, com mais de dois metros de altura,  jogava basquetebol e eu era árbitro dessa modalidade, como também era de futebol, mas aqui federado pela Provincial de Angola. De basquetebol, só dirigia jogos militares. Num desses jogos, disputado na Bela Vista (perto de Nova Lisboa), o Pericão ultrapassou os limites, discutindo por tudo e por nada. Interrompi o jogo a dada altura, chamei-o, e, de imediato, obriguei a falar comigo em sentido. Se não o fizesse seria excluído do jogo. Lá acatou, mas de dentes cerrados, ele que era um pouco temperamental. “Senhor Pericão, aqui você é jogador e eu árbitro. Os galões não fazem parte do jogo, portanto, mando eu, decido eu”. Para muitos militares ali presentes no recinto, foi o delírio, para mais que o comandante do batalhão, tenente-coronel Joaquim Esteves Correia, assistia ao jogo.

No dia seguinte, fui chamado ao gabinete do comandante Esteves Correia. Inferi que essa chamada estaria ligada ao acontecimento do dia anterior. E assim sucedeu. Esteves Correia gostou da minha atitude. Soube, mais tarde, que o Esteves Correia alertou o Pericão no sentido de ele não misturar a tropa com o jogo.

Apesar de tudo, do seu feitio autoritário, Pericão, no dia em que o Batalhão de Caçadores 471 regressou à Metrópole (entenda-se por Portugal continental), teve a hombridade de me pedir desculpa. Até ali, nunca perdoou o fato de eu, publicamente, perante o comandante, colegas e subalternos, o ter humilhado, ele que sempre se julgou uma pessoa intocável. Nessa noite do jogo em questão, aprendeu a lição.

Aquele engenheiro Smidh

Nas viagens acontecem, quase sempre, episódios interessantes, incluindo aqueles que roçam o tragicómico. Na última deslocação que efetuei a Immenstadt (Alemanha), numa bela manhã a Rosa Mota quis ir treinar, o que sempre fez com regularidade, mesmo depois de ter deixado a competição. Acompanhei-a com outros corredores de velocidade que lá se encontravam (todos portugueses) numa carrinha conduzida pelo engenheiro Smidh, figura muito conhecida em Immenstadt e amigo íntimo do Carlos Borba, o promotor do “FESTAND”.

Terminado o treino, numa zona muito aprazível, a Rosa Mota entrou na FORD para regressarmos ao hotel. Aconteceu, porém, que esse tal engenheiro Smidh andou às voltas e nunca encontrou a estrada certa de acesso ao hotel. Todos riam, a Rosa Mota, no seu estilo bem peculiar, fazia festa, e eu ia dizendo, calmamente, que estávamos perto da fronteira com a Áustria. E tinha as minhas razões. Lançado um SOS ao Carlos Borba, ele deu, assim, indicações certas ao Smidh, ou seja, as consentâneas coordenadas para chegarmos ao hotel. Mais tarde, quando se juntou ao grupo, Carlos Borba virou-se para mim: estiveste perto da fronteira com a Áustria, acabando eu por responder ao Carlos que, da próxima vez (que não aconteceu), tinha que arranjar um condutor que não fosse engenheiro.

O Smidh era corredor de fundo e, no final da prova em que participou, aquela que encerrou o “FESTAND”, fui-lhe dizendo que receava que ele não chegasse ao fim, pelo fato de ser despassarado e, como tal, enganar-se no percurso, à semelhança do que se verificou de manhã no treino da Rosa Mota. Só que este era plano e tinha muita gente a guiar-lhe. Pois é... Aquele Smidh não pode conduzir em zonas com muito arvoredo, perde a visibilidade, a orientação e, consequentemente, fica perto da fronteira com a Áustria. Será ele de descendência austríaca...

Do despassarado... ao exuberante

Umas horas depois do jogo Brasil-URSS, que assinalou a estreia do “escrete” na Copa do Mundo de 1982, em Espanha, eu, o Rui Silva, a mulher Abbia, o professor João Barnabé e mais três brasileiros que conhecemos no dia anterior, combinamos tomar umas cervejas numa esplanada, em Sevilha, perto dos hotéis onde estávamos hospedados. Assim foi. Veio o “garçon” e pedimos sete canecas de cerveja. Enquanto se esperava, falamos do jogo. Bem ao seu estilo, o João Barnabé de quando em vez se levantava com os braços no ar, mas não prevíamos o que iria de seguida acontecer. Realmente, o “garçon” que trazia a cerveja escolheu o sítio errado, passando por detrás do João Barnabé que, infelizmente para todos, naquele momento voltou a levantar-se e deu com uma das mãos na bandeja que o “garçon” transportava o precioso líquido. Escusado era dizer que todos apanharam um bom banho de cerveja, mas o mais inconformado foi o “coroa” brasileiro que, naquela noite, tinha estreado umas calças novas, ainda por cima de cor clara. Teve que voltar ao hotel para mudar de calças, mas, quando regressou junto de nós, quis ficar longe do João Barnabé, ou não fosse, de novo, o diabo tecê-las. O João Barnabé, que foi treinador do Sporting Club de Portugal e também selecionador nacional, sempre foi assim exuberante, mas nada tem de diabo.
Sempre que nos dias seguintes íamos a um bar, o “coroa” (em português, pessoa mais idosa) se afastava do João Barnabé. Nós já o conhecíamos e, por isso, não surpreendeu aquele seu gesto. Por brincadeira, até dissemos: este João Barnabé gosta muito de andar em pé. Mas, para quem não sabe, ele é de pequena estatura e não é pessoa de exibicionismos. Expansivo e exuberante, porque vive tudo aquilo que diz. Nunca o conhecemos como dono da razão.

Para conferir os capítulos anteriores, cliqueaqui

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