Beija-Flor aposta no luxo para falar de simplicidade

DO TEXTO:

RIO - O casamento parecia improvável. Ele canta a velha calça desbotada ou coisa assim, a liberdade de uma vida sem frescura e o cotidiano de taxistas e caminhoneiros. Ela gosta de exaltar o Egito faraônico, monumentos da Antiguidade e os mistérios dos fenícios em seus enredos. Mas ambos prometem viver esse amor sem preconceito. Roberto Carlos e a Beija-Flor vão mostrar na Sapucaí que combinam tanto quanto o côncavo e o convexo.


A atração entre os dois é caso antigo. O Rei torce pela azul e branco (cores que usa com frequência), seu filho Dudu Braga desfilou na bateria em 2009 e a escola participou do especial de Natal na TV três vezes. Mas é também um casamento de conveniência, já que a Beija-Flor — dona da maior torcida do Grande Rio, segundo enquete de 2008 do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social — precisa de um enredo capaz de reaproximá-la do público. Ano passado, a homenagem aos 50 anos de Brasília ignorou a corrupção na capital enquanto o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, estava preso por tentativa de suborno. Ficou em terceiro lugar — um constrangimento para quem, na década passada, foi campeã cinco vezes e vice três.

— Desde o início, não era nossa intenção falar da corrupção, e sim da história, mas o episódio nos prejudicou — diz o diretor-geral de carnaval, Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, o Laíla, 50 anos de samba e 18 campeonatos no currículo, incluindo Salgueiro e Beija-Flor.


Após o carnaval passado, a escola decidiu que mudaria, independentemente do enredo que escolhesse. Deixou de lado fantasias pesadas, para não atrapalhar a evolução. Escolheu um samba de letra menor e com refrões mais fáceis. Se a ideia é se comunicar com a plateia, a opção por Roberto não poderia ser melhor.

O título do enredo, “A simplicidade de um rei” (de Alexandre Louzada, Fran-Sergio, Laíla, Victor Santos e Ubiratan Silva), insinua a atração entre os opostos. Enquanto o cantor lembra a cidade natal de forma singela (“Meu pequeno cachoeiro”), o Rio Itapemirim será representado num abre-alas de 50 metros de comprimento, ornamentado por 60 esculturas de beija-flores articulados e e dez mil litros de água. A azul e branco não abre mão de começar o desfile com uma imagem de impacto:

— Nós mudamos, mas sabemos o glamour que a escola tem. Se alguém está esperando ver a Beija-Flor com alegorias pequenas e fantasias modestas, vai se surpreender — afirma Laíla.

Da mesma forma, “Aquela casa simples” — título de uma música — se sofisticou na versão carnavalesca. Estarão lá máquinas de costura e relógios, referências, respectivamente, às profissões de Lady Laura e Robertino Braga, pai do cantor. Só que os objetos serão revestidos com espelhos, pedrarias e galões, materiais tradicionais no carnaval. Mas por que tanto luxo se, nas palavras do próprio cantor, o imóvel era modesto? O professor Felipe Ferreira, diretor do Centro de Referência do Carnaval da Uerj, não se surpreende. Ele explica que reproduzir fielmente, sem acréscimo algum, as imagens da vida de Roberto Carlos não é a única possibilidade. A ornamentação excessiva, diz, é uma das características da festa. Ainda mais no caso da azul e branco de Nilópolis.

— Cada escola de samba tem uma estética própria, que é o produto atual de diferentes situações e interesses acumulados ao longo de sua história. No caso da Beija-flor 2011, sua grandiosidade se manifesta no tratamento épico que a agremiação dá às formas mais simples do cotidiano — afirma Ferreira, autor do “Livro de ouro do carnaval brasileiro”.

Se qualquer brasileiro médio sabe os sucessos do Rei de cor, sua carreira não tem nada de simples. O brilho da vida de artista vai estar num transatlântico de 60 metros de comprimento que ilustra os cruzeiros “Emoções em alto mar”, do qual a Beija-Flor já participou. Junto à embarcação, esculturas de uma baleia, tema de música ecológica do cantor, e de Iemanjá, sempre presente graças à ligação do samba com cultos afro-brasileiros. 

A suntuosidade da boa e velha Beija-Flor vai estar no carro “Mulheres e a tradução do amor”, no qual desfilarão as cantoras que participaram do DVD “Elas cantam Roberto”. A alegoria é forrada com veludo vermelho e terá 600 rosas e 500 corações de materiais e tamanhos diferentes, sugerindo o romantismo e a sensualidade daquelas canções do Roberto. 

O carro com o maior número de esculturas é o último, onde virá o homenageado, com 250 crianças. Sessenta imagens de anjos, arcanjos, querubins, seres de luz e intensa iluminação lembrarão a religiosidade do artista. É assim que termina o show do Rei. A Beija-Flor e Roberto Carlos têm algo em comum.

29-01-2011

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