DO TEXTO:
Diferenças do Portugal de Eça e do Portugal de Saramago.
Por: Armindo Guimarães
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No dia 12-01-2009, li no blogue “A palavra escrita”, um artigo de Eça de Queirós, escrito em 1871 e publicado no primeiro número d’As Farpas e que passo a transcrever:
“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido!”
E hoje, dia 01-02-2009, recebi do meu Amigo Lois um email que anexava outro artigo do mesmo Eça de Queirós, datado de 1867 e publicado no jornal “O Diário de Évora”, e que também passo a transcrever:
“ORDINARIAMENTE, todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?”
Confesso que só após ter recebido do meu Amigo Lois o artigo acima é que entendi o porquê de passados cerca de 140 anos virem a terreiro tais artigos.
Com efeito, pretende-se com a leitura dos mesmos, aquilatarmos das diferenças do Portugal de Eça e do Portugal de Saramago. Diferenças abissais, já se sabe! E também outra coisa não seria de esperar daqueles que aprendendo com os erros da política de antanho levantam hoje bem alto a bandeira da democracia, implantando medidas eficazes de combate à crise, protegendo os mais desfavorecidos proporcionando-lhes o acesso à cultura e ao ensino, a empregos sem cunhas e salários condignos e a uma segurança social que jamais foi escarnecida, tais são as condições mínimas e eficientes de que desfrutam hoje em dia todos os portugueses.
Só assim se entende que passados cerca de 140 anos todos se respeitem, a solidariedade está na ordem do dia, a honestidade dos homens públicos não é posta em causa, classe média é coisa que já nem existe. As novas tecnologias permitiram que os serviços públicos passassem a funcionar eficazmente, sem atrasos, sem compadrios. Vaidades, interesses, especulações, corrupções, privilégios e influências de camarilha já nem sequer constam dos noticiários de qualquer meio da comunicação social do país, facto que tem permitido a nossa independência.
É claro que de quando em quando aparecem à cena uns quantos descontentes mas isso é uma excepção que confirma a regra. Vivessem eles na época de Eça de Queirós para verem a diferença e darem aos nossos actuais políticos o valor que merecem!
Tenho dito!
CORO DAS VELHAS
Interprete: Sérgio Godinho
Ia eu pelo concelho de Caminha
quando vi sentada ao sol uma velhinha
curioso, uma conversa entabulei
como se diz nuns romances que eu cá sei
Chamo-me Adozinha, disse, e tenho já
os meus 84 anos, feitos há
mês e meio, se a memória não me falha
mas inda vou durar uns anos, Deus me valha
Com esta da austeridade, meu senhor
nem sequer da para ir desta pra melhor
os funerais estão por um preço do outro mundo
dá pra desistir de ser um moribundo
Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que cá deixo
não é por mim que eu me queixo
Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?
Cá se vai andando
c'o a cabeça entre as orelhas
Não sei ler nem escrever mas não me ralo
alguns há que até a caneta lhes faz calo
é só assinar despachos e decretos
p'ra nos dar a ler a nós, analfabetos
E saúde, eu tenho p'ra dar e vender
não preciso de um ministro para ter
tudo o que ele anda a ver se me pode dar
pode ir ele p'ro hospital em meu lugar
E quanto a apertar cinto, sinto muito
Filosofem os que sabem lá do assunto
Mas com esta cinturinha tão delgada
Inda posso ser de muitos namorada
Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que cá deixo
não é por mim que eu me queixo
Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?
Cá se vai andando
c'o a cabeça entre as orelhas
E se a morte mafarrica, mesmo assim
me apartar das outras velhas, logo a mim
digo ao diabo, não te temo, ó camafeu
conheci piores infernos do que o teu
Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que cá deixo
não é por mim que eu me queixo
Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?
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Comentários
Que fixe este post!
ResponderEliminarSâo destes que gosto, quando entro aqui neste cantinho, embora, eu só faço contemplar, mas hoje estou deixando meus escritos e dizer que matérias assim e outras que envolvem várias temas são mais enriquecedoras pra quem vem aqui e para o blog em questão de diversificação dos assuntos.Digo, não só RC, eu aprecio, mas é bom variar.
Abração pá e parabéns pelo blog.
Paulo Marques.
Viseu, PT.
Olá, Paulo!
ResponderEliminarAinda bem que gostas de visitar o Splish, Splash devido aos temas, pois embora muitos de nós sejamos robertocarlistas convictos, o que é certo é que sempre tentamos diversificar os temas, pelo que é sempre bom para nós saber que estamos a conseguir isso de forma a contentar todos os que nos dão o prazer da sua visita.
Pelo teu jeito de escrever parece-me que estamos perante um brasuca a viver em Viseu. Certo? Aparece mais vezes, pá!
Abraços
Oi Armindo!
ResponderEliminarMeu querido amigo,que coisa! Textos de tantos anos atrás e as coisas sempre a se repetir exatamente como antes. Sinal que o homem por mais que queira, não consegue mudar...
Bela postagem, bela música,com uma letra a mostrar a realidade. Gostei do cantor também.
Um beijo,
Carmen Augusta
Olá Armindo!
ResponderEliminarNão sei se concordo contigo!
Os tempos mudam, mas parece que a história é a mesma...
Belo post. e apesar de não ser fã de Sérgio Godinho, gostei de o ouvir cantar o "Coro das Velhas".
Abraços
Olá, Guta!
ResponderEliminarInfelizmente é mesmo assim.
Um atraso de vida!
Abraços
Olá, Dina!
ResponderEliminarEstou plenamente de acordo contigo!
E o texto vai exactamente nesse sentido.
Topas?
eheheheheh
Abraços
Olá, Dina!
ResponderEliminarEsqueci-me de te dizer o seguinte:
Já é a segunda vez que dizes que não és fãs do Sérgio Godinho mas que gostas das músicas dele que aqui foram postadas.
Por isso, começo a pensar que o Sérgio tem mais uma fã. eheheheh
Abraços
Ainda bem que não vivi no tempo de Eça!
ResponderEliminarO tempo não volta para trás mas a história repete-se!
Pena que não se tenha aprendido com os erros dos n/ antepassados!
Este post, é muito interessante !
E a música " O coro das velhas", não podia ser mais apropriada ao tema!
Gostei imenso!:)
Abraços
Olá, Miriandomar!
ResponderEliminarObrigado pelo comentário.
Abraços