DO TEXTO:
Sinto a tentação de dirigir-me à varanda e observar o que está a acontecer com aqueles focos de luz que envolvem a cidade.
FOTO: Gravura em estanho - A. Guimarães
Um mundo lógico e indiferente
"Onde quer que brilhem sóis, há vida",
diz a inscrição decifrada de um espelho de bronze.
(Civilização Chou – 1122 – 236 a.C.
Povo Paiwan (mongolóides) de Taipe, capital da Ilha Formosa (Taiwan)
Povo Paiwan (mongolóides) de Taipe, capital da Ilha Formosa (Taiwan)
Onde quer que apareçam gravuras como as deste espelho, poder-se-ia tomá-las por circuitos integrados, impressos!
Por: Armindo Guimarães
Preciso de retomar a calma e esclarecer as ideias. Mas quanto mais repito isto a mim próprio, mais percebo que, inexplicavelmente, nunca tive ideias tão claras. Um contraste gritante entre a minha arrumação mental e o pandemónio físico que me rodeia. A minha higiene psicológica é exemplar, já o meu quarto parece ter sido atingido por um tornado com especial predileção por bugigangas.
Mas adiante. Tenho de ajeitar o cabelo, o fato e reerguer o que resta da minha decoração. O espelho no canto sobreviveu às hostilidades, por isso lá vou eu encarar a triste realidade: cabelo em modo "apanhado num redemoinho", tez pálida de quem não dorme há três dias e lábios com o frescor de uma passa. Nada que um banho e uma reza forte não resolvam.
No espelho, vislumbro o canto do quarto e... ah, pois, lá está ele. O tampo da mesa virado, as bugigangas pelo chão, o sofá em estado de greve e, emergindo do caos, uma mão... A mão de Onofre Barreira. Não se mexe, está ali, firme, como se quisesse segurar o futuro. Pois, o futuro não está mais ao alcance dele, porque, bem, matei-o. Mas com todo o respeito e profissionalismo possível.
E só agora, ao observar tudo pelo reflexo, percebo que já o vinha matando há muito tempo, sem me dar conta. Acabei com isso agora, e honestamente, faria de novo. O único inconveniente foi o esforço exigido das minhas mãos pacíficas.
Dou uma vista de olhos ao quarto e ao ex-Onofre. O mínimo que posso fazer é repor alguma ordem antes que os senhores das sirenes cheguem. Levanto o sofá, atiro uns pontapés nas bugigangas para um canto, apanho dois livros e volto a encarar o meu antigo camarada de infância.
Crescemos juntos, sempre houve uma linha invisível a separar-nos, mas só hoje percebemos até que ponto essa linha era um cabo de aço pronto a enforcar um de nós. Ou ele ou eu.
E a cidade, essa, continua o seu espectáculo de luzes e sirenes. Bem sei o que vai acontecer. Eles vão pousar. Afinal, esta minha decisão de "reforma antecipada" para Onofre era necessária. Foi um sacrifício cósmico, diria mesmo sideral, realizado entre as quatro paredes do meu humilde lar.
A tarde até parecia normal. Estava eu a ler um livro leve, daqueles que não exigem muito do intelecto, quando os tais focos de luz surgiram no céu. A minha calma foi suspeita até para mim próprio.
Onofre apareceu, com aquele seu jeito de quem quer fazer parte do momento histórico mas não tem muito jeito para isso. Sentou-se no sofá e começou a debitar teorias sobre os "tipos do espaço". Quando viu que eu não entrava no pânico, ficou irritado. Depois ameaçou-me. E depois... bem, depois tentou matar-me. Que falta de respeito pelo anfitrião! Mas eu, que por norma sou um pacifista, percebi que a coisa tinha chegado a um ponto sem retorno. E assim se resolveu um pequeno impasse histórico.
Agora, aguardo. Aguardo que os discos voadores, finalmente, pousem. Porque só eu sei que estavam à espera disto.
Podem descer... disse.
Mas adiante. Tenho de ajeitar o cabelo, o fato e reerguer o que resta da minha decoração. O espelho no canto sobreviveu às hostilidades, por isso lá vou eu encarar a triste realidade: cabelo em modo "apanhado num redemoinho", tez pálida de quem não dorme há três dias e lábios com o frescor de uma passa. Nada que um banho e uma reza forte não resolvam.
No espelho, vislumbro o canto do quarto e... ah, pois, lá está ele. O tampo da mesa virado, as bugigangas pelo chão, o sofá em estado de greve e, emergindo do caos, uma mão... A mão de Onofre Barreira. Não se mexe, está ali, firme, como se quisesse segurar o futuro. Pois, o futuro não está mais ao alcance dele, porque, bem, matei-o. Mas com todo o respeito e profissionalismo possível.
E só agora, ao observar tudo pelo reflexo, percebo que já o vinha matando há muito tempo, sem me dar conta. Acabei com isso agora, e honestamente, faria de novo. O único inconveniente foi o esforço exigido das minhas mãos pacíficas.
Dou uma vista de olhos ao quarto e ao ex-Onofre. O mínimo que posso fazer é repor alguma ordem antes que os senhores das sirenes cheguem. Levanto o sofá, atiro uns pontapés nas bugigangas para um canto, apanho dois livros e volto a encarar o meu antigo camarada de infância.
Crescemos juntos, sempre houve uma linha invisível a separar-nos, mas só hoje percebemos até que ponto essa linha era um cabo de aço pronto a enforcar um de nós. Ou ele ou eu.
E a cidade, essa, continua o seu espectáculo de luzes e sirenes. Bem sei o que vai acontecer. Eles vão pousar. Afinal, esta minha decisão de "reforma antecipada" para Onofre era necessária. Foi um sacrifício cósmico, diria mesmo sideral, realizado entre as quatro paredes do meu humilde lar.
A tarde até parecia normal. Estava eu a ler um livro leve, daqueles que não exigem muito do intelecto, quando os tais focos de luz surgiram no céu. A minha calma foi suspeita até para mim próprio.
Onofre apareceu, com aquele seu jeito de quem quer fazer parte do momento histórico mas não tem muito jeito para isso. Sentou-se no sofá e começou a debitar teorias sobre os "tipos do espaço". Quando viu que eu não entrava no pânico, ficou irritado. Depois ameaçou-me. E depois... bem, depois tentou matar-me. Que falta de respeito pelo anfitrião! Mas eu, que por norma sou um pacifista, percebi que a coisa tinha chegado a um ponto sem retorno. E assim se resolveu um pequeno impasse histórico.
Agora, aguardo. Aguardo que os discos voadores, finalmente, pousem. Porque só eu sei que estavam à espera disto.
Podem descer... disse.
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Comentários
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Olá Armindo!
ResponderEliminarLi seu texto fascinada.
Que suspense!
Muito profundo,bem elaborado e onde está sempre presente a sua grande criatividade. Parabéns amigo!
És um belo escritor!
Um beijo,
Carmen Augusta
Amigo Armindo,
ResponderEliminarAo começar a ler o texto me senti a flutuar e embarquei na "viagem" imaginada pela sua brilhante mente.
De repente me vi em imagens que me fugiam a realidade. Mas, o que é realidade, além do momento presente que são também os nossos sonhos?
Terminada a viagem no ponto final do texto, desembarquei com minha cabeça ainda sentindo o efeito da altitude e velocidade a que as palavras me levaram.
Um abraço,
Sandro Rogério
Grande Armindo! E que grande imaginação! Está fantástico! Agora estou para saber como vai ficar o Onofre.. ehehehe
ResponderEliminarAbraços :)
Nobre colega Armindo,
ResponderEliminarEsses seus relatos me faz pensar que você já foi abduzido alguma vez.
Um grande abraço
Olá, Guta!
ResponderEliminarObrigado pelos elogios, mas essa de ser um belo escritor... eheheheh
Quando escrevo sobre o que conheço e sinto, a coisa é fácil, ou seja, é só deixar correr a pena. Mas tem vezes (esta expressão "tem vezes" é brasuca e eu já noto que ando a misturar a escrita por causa do RC eheheheh), mas tem vezes, dizia, que quero escrever sobre algo e não consigo. Por exemplo, gostava de um bate-papo com o Caetano Veloso mas, apesar de gostar das suas músicas, falta-me o à-vontade que teria com o Roberto, o Lages, o Erasmo, não esquecendo o meu amigo de longa data Woody Allen, o cara, digo, o gajo que acabou de vez com a cultura. eheheheh
Abraços
Mindo!
ResponderEliminarOs seus magníficos textos fictícios, nos deixaam numa confusão do carago!
Sem dúvida, são bastante criativos e de uma imaginação extraordinária. Dá a impresão que estás sempre a receber mensagens psicográficas, oriundas de um mundo cósmico, onde tens afinidade com esses seres espaciais.
Aconselho a você, Armindo, fazer uma viagem por esse Espaço Sideral e hospedar-se na Estação de pesquisas Aeroespaciais, comandada pela NASA, mas antes, aconselho fazer um curso de Astronauta e Cosmonauta, para ver se decifra melhor esses conflitos entre o homem do passado e o do futuro, deixando a humanidade menos atingida ! Sei que talento já tens de sobra.
Parabéns Mindo, pelo excelente texto, que nos deixa cada vez mais cientes de sua grade inteligência e de seu grande poder de criação.
Beijos da amiga de sempre.
Mazé Silva.
Olá, Sandro!
ResponderEliminarPuxa, vida!
E dizes tu para eu escrever um livro? E tu, de que estás à espera, pá?
O teu comentário fascinou-me, na medida em que, ao lê-lo, julguei estar perante um conto curto daqueles quenos prendem a leitura pela poesia das palavras.
Manda mais, pá!
Grande abraço
Olá, Tá-se bem!
ResponderEliminarO nome Onofre Barreira foi inspirado no caricaturista portuense Onofre Varela, e surgiu nos inícios dos anos setenta quando eu e ele andávamos numa de Ovnilogia . Mas é claro que o Onofre do conto nada tem a ver com o Onofre Varela que está vivo e bem vivo.
Abraços
Oi, Mazé!
ResponderEliminarTudo légau com você? Olhi aí, garota! Bem que eu gostei de sua sugestão me aconselhando a fazer uma viagem pelo espaço sidérau e bancar um curso de Astronauta.
Acontece que eu estivi pensando no assunto, e não preciso desse curso, não! Apenas tenho que ouvir uma bem conhecida do nosso mais que tudo RC. Se lembra desta?
O astronauta
Não tenho mais nem uma razão
Pra continuar vivendo assim
Não posso mais olhar tanta tristeza
Por isso não vou mais ficar aqui
O mundo que eu queria não é esse
O meu mundo é só de sonhos
Bombas que caem, jato que passa
Gente que olha um céu de fumaça
Meu amor não sei por onde anda
Será que os amores já morreram
Um astronauta eu queria ser
Pra ficar sempre no espaço
E desligar os controles da nave espacial
E pra ficar para sempre no espaço sideral
Não vou voltar pra terra, não
Não, não vou voltar pra terra, não
Bombas que caem, jato que passa
Gente que olha um céu de fumaça
Meu amor não sei por onde anda
Será que os amores já morreram
Um astronauta eu queria ser
Pra ficar sempre no espaço
Pra desligar os controles da minha nave espacial
E pra ficar para sempre no espaço sideral
E não voltar pra terra, não
Não, não vou voltar pra terra não
Bombas que caem, jato que passa
Gente que olha, céu de fumaça
Meu amor não sei por onde anda
Mas será que os amores já morreram, oh
Um astronauta eu queria ser
Pra ficar sempre no espaço
E não voltar
Grande abraço pra você, viu?
Olá, meu nobre e amigo Marley!
ResponderEliminarEssa foi boa!
Na verdade, até eu chego a pensar que isso já me aconteceu um dia.
Será? Os gajos lá sabem! eheheheh
Grande abraço
Meu nobre colega Marley, eu acho que tens razão.
ResponderEliminarO nosso querido Armindo, pelo que descreve ou relata, parece-me que os extraterrestres, já abduziram esse portuga, sequestrando-o das terras lusitanas, para desembarcar no território brsasileiro, que parece-me que esse gajo, pretende fixar morada e fugir da perseguição desses seres que o procuram frequentemente.
Mindo, concordo contigo, essa canção do nosso Rei, me fez lembrar, que servirá de orientação, para buscar conhecimentos desse espaço sideral que até o nosso Rei já tem grandeafinidade.
Só peço por favor, não desligue os controles da nave espacial, senão ficaremos sem o nosso grande escritor postador de contos tão lindos como esse! Se o fizer, vou reclamr pro nosso Roberto, que queres ficar no espaço e não mais voltar.
Beijos interplanetários sederais e Robertocarlísticos!!!