Dor Crônica: O Sofrimento Invisível que Isola

Pesquisa analisa o apagamento social e laboral enfrentado por pessoas com dor crônica, destacando o descrédito e as graves consequências emocionais e

Cartaz ilustrativo sobre dor crônica mostrando pessoa isolada em meio a uma multidão, com texto sobre estigma e sofrimento invisível.


A Dor que Ninguém Vê: Estigma e Invisibilidade no Soffrimento Crônico


A incompreensão no trabalho leva a demissões e desespero

                         "Ter que provar a sua dor é um sofrimento sobre o sofrimento."
                                                                                                 Alda Jesus                                                                                                                                                                                              
São Paulo – dezembro 2025 - Invisível (apesar de afetar quase quatro a cada 10 pessoas), a dor crônica despeja sobre as pessoas com esse diagnóstico diversos estigmas. Dramáticos, fracos, exagerados, preguiçosos... a lista de insensibilidade é longa e afeta os campos sociais, familiares e profissionais. “A dor crônica é uma condição subjetiva e interna. Diferente de uma fratura exposta, uma ferida sangrando ou uma erupção cutânea, não há um ‘sinal visível’ que as outras pessoas possam ver e imediatamente compreender. Nossa sociedade é muito visual e tende a validar apenas o que pode ser constatado com os olhos. Além disso, a dor crônica não tem um roteiro previsível: um dia a pessoa pode parecer bem e no seguinte, estar incapacitada. Essa inconsistência, para quem não vive a realidade, pode ser mal interpretada como ‘dramatismo’ ou ‘falta de vontade’, quando na verdade é a própria natureza imprevisível da doença”, esclarece o ortopedista Dr. Fernando Jorge* (@dr.fernandojorge), membro efetivo da SBED (Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor) e especialista em Intervenção em Dor (Hospital Albert Einstein) e em Medicina Intervencionista em Dor (Faculdade de Medicina da USP - Ribeirão Preto). Fibromialgia, enxaqueca, dor miofascial crônica, síndrome da fadiga crônica, síndrome do intestino irritável, neuropatia periférica, dor pélvica crônica, artrite reumatoide e lúpus são alguns dos diagnósticos com impacto devastador na vida dos pacientes. “No caso da enxaqueca, o impacto vai além da dor intensa e recorrente, refletindo-se no bem-estar emocional, nas relações pessoais, na vida profissional e até nas finanças”, destaca o Dr. Tiago de Paula*, neurologista especialista em Cefaleia pela Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP), membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC).

O médico ortopedista explica que se cria um apagamento social desses pacientes, principalmente porque a cultura, especialmente a ocidental, valoriza muito a produtividade, a resiliência e a ideia de "superar a dor com força de vontade". “Quando um paciente com dor crônica não se encaixa nesse ideal, ele é frequentemente julgado e taxado de ‘fraco’, ‘pouco esforçado’ ou que ‘está exagerando para ganhar atenção ou benefícios’. Esse julgamento é uma das maiores barreiras que esses pacientes enfrentam e uma fonte enorme de sofrimento adicional, sendo um desafio à melhora”, comenta o Dr. Fernando. Muitos pacientes relatam que precisam justificar constantemente sua dor para familiares e colegas de trabalho, o que é encarado como um descrédito que agrava o sofrimento. “Os médicos chamam isso de ‘dor secundária’ ou ‘sofrimento sobre o sofrimento’. A dor física já é debilitante por si só. Ter que constantemente provar que ela é real, inventar desculpas para não conseguir cumprir compromissos ou ouvir frases como ‘mas você não parece doente’ gera um enorme desgaste emocional. Isso leva à ansiedade, depressão, isolamento e sentimento de solidão profunda. O paciente começa a duvidar de si mesmo e de sua própria experiência”, explica o ortopedista. “Enquanto um gesso numa perna gera imediata empatia e oferecimento de ajuda, uma enxaqueca crônica severa ou uma fibromialgia, que são incapacitantes, muitas vezes são recebidas com um ‘toma um analgésico e vai descansar’, como se fosse algo simples. A falta de um sinal físico concreto torna a tarefa de comunicar e validar a dor um desafio monumental para o paciente”, acrescenta o Dr. Fernando. O Dr. Tiago reforça que, no caso da enxaqueca, esse descrédito agrava os sintomas emocionais, na medida em que conviver com crises frequentes pode gerar ansiedade e medo constante de um novo episódio. “A frustração por perder momentos importantes e a sensação de falta de controle sobre o próprio corpo estão ligadas a quadros de depressão e baixa autoestima. Trata-se de uma relação de mão dupla: a enxaqueca aumenta o risco de depressão, enquanto a depressão pode intensificar a percepção da dor e a frequência das crises”, explica o neurologista.

Discriminação ou incompreensão no ambiente de trabalho são queixas comuns. “Pacientes são demitidos por ‘baixa produtividade’ sem que sua condição seja levada em consideração. São pressionados a cumprir jornadas e metas irreais para suas capacidades. Colegas e chefes fazem piadas ou comentários passivo-agressivos do tipo ‘mais uma dorzinha hoje?’. Muitos escondem a condição por medo de represálias, o que gera um estresse adicional enorme e piora ainda mais sua saúde”, explica o Dr. Fernando. Além do tratamento ser oneroso, o risco de perder o emprego pode piorar ainda mais a condição crônica. No caso da enxaqueca, esse impacto é ainda mais evidente, segundo o Dr. Tiago: “Pessoas com crises frequentes podem ter dificuldade em manter o mesmo rendimento no trabalho, precisando se ausentar em função da dor, da sensibilidade à luz e ao som, ou da necessidade de repouso. Isso prejudica não apenas o desempenho individual, mas também as relações dentro da equipe, além de gerar custos indiretos pela perda de dias de trabalho e oportunidades profissionais”, comenta o neurologista. “Em casos extremos, a dor incessante e a sensação de estar preso em um corpo que dói e em uma sociedade que não acredita podem levar a pensamentos suicidas. A dor crônica é um fator de risco significativo para o suicídio”, alerta o médico Dr. Fernando Jorge.

As consequências mentais incluem diminuição da autoestima, isolamento social, ansiedade e depressão e sentimento de invalidação. Mas como se não bastasse ter o descrédito de pessoas próximas, esses pacientes podem enfrentar também a chamada “peregrinação médica”. “Muitos profissionais de saúde, por falta de treinamento específico, podem minimizar os sintomas do paciente, atribuindo-os a "estresse" ou "problema psicológico" antes de esgotar as investigações físicas. Isso atrasa o diagnóstico por anos”, explica o Dr. Fernando. “Frustrado e sem suporte, o paciente pode se automedicar de forma perigosa, podendo desenvolver dependência química ou sofrer efeitos colaterais graves”, comenta o médico. “Além disso, a dor crônica exige uma abordagem multidisciplinar: medicamentos, fisioterapia, terapia psicológica, acupuntura, etc. Como o problema é subestimado, o acesso a essa rede de cuidados integrados é limitado e, muitas vezes, não coberto por planos de saúde ou pelo SUS de forma adequada”, completa o ortopedista.

O ortopedista destaca que medidas sociais, médicas e até de políticas públicas são necessárias para dar visibilidade à dor crônica e seus impactos. “Campanhas públicas, como as existentes para o câncer ou HIV, podem explicar à população o que é dor crônica, que é real e incapacitante. No campo da atuação médica, incluir o ensino da dor (área da medicina chamada de Medicina da Dor) de forma obrigatória e robusta na graduação e pós-graduação médica é importante. Para as políticas públicas de saúde, reconhecer a dor crônica como uma doença por si só, e não apenas um sintoma, é fundamental. Isso garante verba específica, criação de centros multidisciplinares de tratamento da dor e a garantia de acesso a terapias diversas pelo SUS e planos de saúde”, destaca o especialista. “Também é necessário criar mecanismos que protejam o trabalhador com dor crônica, incentivando adaptações da jornada e do ambiente de trabalho (telemedicina, horários flexíveis), combatendo a discriminação. E, também, incluir associações de pacientes na formulação de políticas de saúde. Quem vive a dor sabe melhor do que ninguém o que é necessário”, finaliza o Dr. Fernando Jorge.

*DR. FERNANDO JORGE: Médico ortopedista, especialista em cirurgias do Joelho e cirurgias do Quadril (HSL-RP), em Medicina Regenerativa (Orthoregen-BR/USA), em Intervenção em Dor (Hospital Albert Einstein) e em Medicina Intervencionista em Dor (Faculdade de Medicina da USP - Ribeirão Preto). Membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), da Sociedade Brasileira de Médicos Intervencionista da Dor (SOBRAMID), da Associação Brasileira de Medicina Regenerativa (ABRM), da Sociedade Americana de Medicina Regenerativa (ASRM) e do Conselho Americano de Medicina Regenerativa. Especialista em Tratamento Médico por Terapia por Ondas de Choque e membro da SMBTOC (Sociedade Médica Brasileira de Tratamento por Ondas de Choque).  Além disso, é membro efetivo da SBED (Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor) e Mestre em Biomecânica do aparelho locomotor (BIOENGENHARIA) pela Faculdade de Medicina da USP. ⁠Professor, palestrante e mentor nas áreas em que atua. @dr.fernandojorge
*DR. TIAGO DE PAULA: Médico neurologista especialista em Cefaleia pela Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP), membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC). Tem especialização em Neurocefaleia pela EPM/UNIFESP, onde também realizou a graduação em Medicina e a residência médica em Neurologia. Atuou como preceptor dos ambulatórios de enxaqueca infantil, enxaqueca do adulto e migrânea vestibular da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e atualmente integra o corpo clínico do Headache Center Brasil, em São Paulo (SP). Pesquisador sobre dores de cabeça, o médico também é palestrante em congressos nacionais e internacionais e autor de artigos, capítulos, livros e publicações científicas. CRMSP 168999 | RQE 18111 | Instagram: @drtiagodepaula

 

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