Informação distorcida pode gerar medo e ansiedade desnecessários
Especialistas e OMS afirmam que Tylenol é seguro na gravidez
Esta semana, o presidente Donald Trump esteve ao lado do secretário de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., para mais um anúncio em que distorce fatos. Dessa vez, o governo americano relacionou o uso do paracetamol (Tylenol) ao autismo. "Se você estiver grávida, não tome Tylenol e não dê ao bebê depois que ele nascer", disse Trump. "Existem certos grupos de pessoas que não tomam vacinas e não tomam nenhum comprimido e que não têm autismo", acrescentou, sem apresentar provas. "Eles injetam tanta substância nesses lindos bebês que é uma vergonha", continuou Trump. Mas, afinal, gestantes podem tomar Tylenol? E de onde surgiu essa história, que foi desmentida pela Organização Mundial da Saúde e por sociedades médicas? “Um informativo divulgado juntamente com o briefing da Casa Branca citou a análise de uma pesquisadora chamada Ann Bauer. Essa cientista publicou em agosto uma análise de 46 estudos anteriores sobre Tylenol, autismo e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Muitos não encontraram nenhuma ligação entre o medicamento e as condições, enquanto alguns sugeriram que o Tylenol poderia ocasionalmente exacerbar outras causas potenciais do autismo, como a genética. Ou seja, há uma distorção dos resultados apresentados pelo estudo”, esclarece o Dr. Nélio Veiga Júnior*, ginecologista e obstetra Mestre e Doutor em Tocoginecologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP). “Quanto ao uso na gravidez, ele é seguro, mas sempre recomendamos que seja tomado com orientação médica do obstetra. O próprio Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas recomenda o paracetamol ‘conforme necessário, com moderação e após consulta médica’", acrescenta.
A própria cientista, que é epidemiologista da Universidade de Massachusetts-Lowell, revelou que teme que tais declarações tenham consequências negativas. “As pessoas podem se colocar em risco quando optam por não se vacinar ou não utilizar o Tylenol, que é um dos analgésicos seguros durante a gravidez”, diz o Dr. Nélio. Os próprios pesquisadores do CDC (Centers for Disease Control and Prevention), geralmente solicitados para fornecer informações ou revisar relatórios para verificar sua precisão, disseram que não foram consultados a respeito desse anúncio. “A noção de que o analgésico e antitérmico amplamente utilizado é prejudicial ao desenvolvimento do feto e causa transtorno do espectro autista é inconsistente e não se baseia na ciência. São décadas de consenso médico e científico que indicam que não há uma fonte única, incluindo medicamentos, que possa ser atribuída ao autismo, e que essa condição é provavelmente o resultado de múltiplos fatores contribuintes, incluindo o fator genético”, destaca o médico.
Segundo o ginecologista, a simplificação excessiva de uma condição complexa é desumanizante na melhor das hipóteses e perigosa na pior delas. “Omitir essa complexidade engana as políticas, o financiamento e o atendimento médico. Quando o governo estadunidense declara isso como uma causa específica ou um fator de risco importante, muitas gestantes podem sentir culpa ou ansiedade, especialmente porque dores ou febre acontecem durante a gravidez", explica o médico. "Elas podem evitar os cuidados médicos necessários ou sofrer com febres não tratadas, o que pode representar um risco para a mãe e o bebê", completa.
Insistir na ideia de que o consumo de Tylenol durante a gravidez causa autismo remete a pseudociências do passado, que culpavam as mães por darem à luz crianças neurodivergentes, completa o médico. “Isso soa como a teoria da "mãe geladeira", há muito desacreditada, que teorizava que o autismo era causado por uma maternidade emocionalmente distante ou fria”, completa. “E isso repete a fórmula de responsabilizar a mãe. Criação fria, alimentação inadequada, escolhas erradas... Os alvos mudam, mas a mensagem subjacente é a mesma, de que o autismo tem um culpado e é a mãe", contesta o médico. “A desinformação prejudica a defesa de mudanças sistêmicas e a atenção e os recursos destinados ao que realmente melhora a qualidade de vida de todas as pessoas neurodivergentes e seus familiares, incluindo apoio, serviços, acomodações e direitos”, finaliza.
*DR. NÉLIO VEIGA JUNIOR: Médico ginecologista e obstetra, Mestre e Doutor em Tocoginecologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP). Atua em consultório privado e já foi médico preceptor no curso de Medicina da UNICAMP e médico pesquisador no Centro de Pesquisa em Saúde Reprodutiva de Campinas. Participa periodicamente de congressos, eventos e simpósios, além de ser autor de diversos artigos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais. CRM 162641 - RQE 87396 - Instagram: @neliojuniorgo
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Redatora Permanente do luso-brasileiro Portal Splish Splash. Uma sonhadora que acredita no verdadeiro amor, no romantismo e na felicidade, que carrega a fé em cada detalhe da vida. VER PERFIL
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