Numa encomenda e produção original da bienal BoCA, Dino D’Santiago foi desafiado a estrear uma ópera, que cruza história, cultura e a identidade multicultural portuguesa.
Adilson é uma ópera em cinco atos dirigida por Dino D’Santiago, com libreto de Rui Catalão e direção musical de Martim Sousa Tavares. Acompanhamos a jornada de um homem afrodescendente, nascido em Angola, filho de pais cabo-verdianos, que vive há mais de 40 anos em Portugal — sem nunca ter obtido cidadania portuguesa. Chamado D’Afonsa pelos amigos, Nuno pela família, Adilson no passaporte, a sua vida desenrola-se entre salas de espera, processos adiados e um labirinto burocrático que o impede de ser plenamente reconhecido pelo país onde sempre viveu.
Mais do que um indivíduo, Adilson representa milhares de pessoas deixadas nas margens do sistema. A ópera transforma a espera em poesia e faz da invisibilidade um ato de resistência. No culminar da obra, ouve-se o grito que ecoa para além do palco: “Eu não sou português. Eu sou Portugal. Um país à espera.”
Abordando temas como a injustiça social, a discriminação, a fragilidade humana e a esperança, esta primeira incursão de Dino D’Santiago no território da ópera assinala igualmente os cinquenta anos do fim da presença militar portuguesa em terras coloniais nos territórios africanos.
- - -
Adilson nasceu em Outubro de 1983, na cidade de Luanda. Filho de pais cabo-verdianos que se encontravam de passagem por Angola, antes de emigrarem para o sul de Portugal, em Setembro de 1984. Foi baptizado, fez a Profissão de Fé e frequentou a catequese na Igreja Matriz de Quarteira, ao lado dos seus cinco irmãos. Viveu toda a sua vida em território português, e apenas uma vez saiu do país, numa breve visita à cidade de Marselha, no final dos anos 90.
Apesar de, em 2025, completar 42 anos de vida em Portugal, Adilson continua sem cidadania portuguesa. O país onde cresceu, estudou, trabalhou, construiu laços e formou a sua identidade, jamais lhe reconheceu o direito à nacionalidade. A sua mãe, Matilde, tudo tentou para legalizar a situação do filho, mas partiu sem ver esse sonho concretizado - vítima de um ataque cardíaco fulminante. No seu último sopro de vida, chamou pelo nome do seu primogénito, Milton, irmão mais velho de Adilson, que se suicidara anos antes no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, em Grândola, na Vila Morena.
A Ópera “Adilson” atravessa a biografia emocional e política deste homem. Um filho da diáspora cabo-verdiana, nascido por acaso em Luanda, mas moldado no corpo e na alma pelas margens do Algarve. Cresceu a tentar ser aceite como português num país que, esquina após esquina, lhe foi armando armadilhas burocráticas e simbólicas. Um país que lhe ensinou a língua, mas nunca lhe deu a palavra final: pertença.
Este projecto nasce como um manifesto lírico pela justiça, uma denúncia poética dos mecanismos invisíveis que perpetuam o “não lugar” de milhares de vidas como a de Adilson. Vítima do extinto SEF e agora também da ineficiência da AIMA, ficou aprisionado numa teia de mais de 400 mil processos de autorização de residência pendentes; um nó que se apertou ainda mais com a paralisia global provocada pela pandemia da COVID-19.
Ao longo da ópera, outras histórias cruzam-se com a de Adilson, tecendo uma tapeçaria feita de resistência, amor, luto e esperança. Cada cena revela camadas de um sistema que falha os seus cidadãos invisíveis. E é no clímax desta jornada, entre coros de dor e vozes de resgate, que Adilson, enfim, proclama:
Uma ópera que cruza história, identidade e resistência, em cena no Grande Auditório do CCB
Comentários
Enviar um comentário
🌟Copie um emoji e cole no comentário: Clique aqui para ver os emojis