O verdadeiro perigo não está na inteligência artificial, mas no que abdicamos para a criar
"Antes de programarmos máquinas,
precisamos de decifrar a nossa própria humanidade." Vimara Porto
Por: Armindo Guimarães
Talvez o grande erro da Humanidade tenha sido pensar que o "progresso" seria sempre um trilho iluminado, quando, na verdade, é mais como um nevoeiro que disfarça o abismo com promessas de glória.
Depois de inventar os deuses à sua imagem, o Homem inventou as máquinas à imagem da sua soberba. Começou com o ferro, passou ao silicone e agora avança com códigos que aprendem sozinhos. Criámos inteligências artificiais antes de decifrarmos a nossa própria consciência. Que pressa nos move?
A obsessão pelo "melhoramento" tecnológico deixou para trás perguntas básicas: Quem somos? Para onde vamos? E o mais perturbador: quem decide por nós quando já não decidirmos? A lógica do algoritmo — fria, imparcial, estatística — poderá algum dia entender o valor de uma lágrima? O sabor da dúvida? O peso de um arrependimento?
Ao delegarmos às máquinas o poder de "escolher por nós", sob a ilusão da eficiência, não estaremos a abdicar do que nos torna humanos? Talvez seja esse o verdadeiro salto para o desconhecido: não o avanço, mas o esquecimento.
Estamos, aos poucos, a externalizar a memória, a delegar a imaginação, a substituir a empatia por reações programadas. Um mundo onde as experiências são quantificadas em likes, onde o luto é anunciado com emojis e onde a presença física é apenas um atraso logístico.
Mas ainda há tempo.
Tempo para travar. Tempo para recordar. Tempo para nos interrogarmos.
E se, afinal, o futuro não estiver "lá à frente", mas escondido dentro do que deixámos para trás?
É que, há um momento — sempre houve — em que o ser humano se cansa de olhar para o ecrã e volta a fitar o céu. É aí que tudo recomeça.
Quando os deuses silenciam e os algoritmos já não satisfazem, a alma começa a bater à porta. Não a alma teológica, com dogmas e penitências, mas aquela centelha antiga que habita os olhos de uma criança que pergunta "porquê?" sem precisar de resposta.
É curioso como os grandes saltos da humanidade começaram com mitos, não com dados. Foi a curiosidade do navegante que nos levou além do horizonte, não o cálculo do GPS. Antes do Google Maps, houve o astrolábio; antes do astrolábio, o instinto. E antes disso… o sonho.
Se um dia as máquinas assumirem o comando, não será porque nos venceram, mas porque nós desistimos. Desistimos de ser imprevisíveis, ilógicos, poéticos, contraditórios — humanos, no fundo.
Mas enquanto houver quem folheie as páginas de um livro, quem escreva à mão, quem chore por um verso, quem olhe um por do sol o mar e pense “e se...”, haverá futuro. Não o futuro programado, mas o que nasce da dúvida, da arte e da alma.
Afinal, foi esse 'e se...' que impulsionou a gesta heroica dos grandes navegadores — os mesmos que, como Camões celebrou, 'deram novos mundos ao mundo' e para quem 'se mais mundo houvera, lá chegara'.
A globalização permitiu, pela primeira vez, o estabelecimento de uma rede de comércio e comunicação que ligou Europa, África, Ásia e Américas, moldando a economia global moderna ao permitir a troca de produtos, ideias, culturas e tecnologias em escala mundial, criando tanto oportunidades como desafios.
Curiosamente, a própria palavra 'navegar' ainda nos liga a esse passado de exploradores. Hoje, cruzamos oceanos digitais, mas o desafio já não é desbravar territórios — é não deixar que a bússola da nossa humanidade se perca nos algoritmos. Porque, no fim, como lembrou o poeta O´Neill: 'há mar e mar, há ir e voltar' — e talvez o verdadeiro progresso seja saber quando voltar atrás.
Após reler a frase acima referida "Hoje, cruzamos oceanos digitais, mas o desafio já não é desbravar territórios…) não posso agora deixar escapar um esgar de ironia sobre a mesma. Na verdade, ainda há quem queira desbravar territórios, leia-se "terrenos" à venda no Metaverso ou parcelas de Lua em NFT. A humanidade não perde o vício: trocámos espadas por smart contracts, mas a sede por conquista (e por terras ricas) permanece. Será que os algoritmos também vão herdar a nossa ganância?
O verdadeiro perigo não está na inteligência artificial, mas no que abdicamos para a criar
Vimara Porto
Por: Armindo Guimarães
Depois de inventar os deuses à sua imagem, o Homem inventou as máquinas à imagem da sua soberba. Começou com o ferro, passou ao silicone e agora avança com códigos que aprendem sozinhos. Criámos inteligências artificiais antes de decifrarmos a nossa própria consciência. Que pressa nos move?
A obsessão pelo "melhoramento" tecnológico deixou para trás perguntas básicas: Quem somos? Para onde vamos? E o mais perturbador: quem decide por nós quando já não decidirmos? A lógica do algoritmo — fria, imparcial, estatística — poderá algum dia entender o valor de uma lágrima? O sabor da dúvida? O peso de um arrependimento?
Ao delegarmos às máquinas o poder de "escolher por nós", sob a ilusão da eficiência, não estaremos a abdicar do que nos torna humanos? Talvez seja esse o verdadeiro salto para o desconhecido: não o avanço, mas o esquecimento.
Estamos, aos poucos, a externalizar a memória, a delegar a imaginação, a substituir a empatia por reações programadas. Um mundo onde as experiências são quantificadas em likes, onde o luto é anunciado com emojis e onde a presença física é apenas um atraso logístico.
Mas ainda há tempo.
Tempo para travar. Tempo para recordar. Tempo para nos interrogarmos.
E se, afinal, o futuro não estiver "lá à frente", mas escondido dentro do que deixámos para trás?
É que, há um momento — sempre houve — em que o ser humano se cansa de olhar para o ecrã e volta a fitar o céu. É aí que tudo recomeça.
Quando os deuses silenciam e os algoritmos já não satisfazem, a alma começa a bater à porta. Não a alma teológica, com dogmas e penitências, mas aquela centelha antiga que habita os olhos de uma criança que pergunta "porquê?" sem precisar de resposta.
É curioso como os grandes saltos da humanidade começaram com mitos, não com dados. Foi a curiosidade do navegante que nos levou além do horizonte, não o cálculo do GPS. Antes do Google Maps, houve o astrolábio; antes do astrolábio, o instinto. E antes disso… o sonho.
Se um dia as máquinas assumirem o comando, não será porque nos venceram, mas porque nós desistimos. Desistimos de ser imprevisíveis, ilógicos, poéticos, contraditórios — humanos, no fundo.
Mas enquanto houver quem folheie as páginas de um livro, quem escreva à mão, quem chore por um verso, quem olhe um por do sol o mar e pense “e se...”, haverá futuro. Não o futuro programado, mas o que nasce da dúvida, da arte e da alma.
Afinal, foi esse 'e se...' que impulsionou a gesta heroica dos grandes navegadores — os mesmos que, como Camões celebrou, 'deram novos mundos ao mundo' e para quem 'se mais mundo houvera, lá chegara'.
A globalização permitiu, pela primeira vez, o estabelecimento de uma rede de comércio e comunicação que ligou Europa, África, Ásia e Américas, moldando a economia global moderna ao permitir a troca de produtos, ideias, culturas e tecnologias em escala mundial, criando tanto oportunidades como desafios.
Curiosamente, a própria palavra 'navegar' ainda nos liga a esse passado de exploradores. Hoje, cruzamos oceanos digitais, mas o desafio já não é desbravar territórios — é não deixar que a bússola da nossa humanidade se perca nos algoritmos. Porque, no fim, como lembrou o poeta O´Neill: 'há mar e mar, há ir e voltar' — e talvez o verdadeiro progresso seja saber quando voltar atrás.
Após reler a frase acima referida "Hoje, cruzamos oceanos digitais, mas o desafio já não é desbravar territórios…) não posso agora deixar escapar um esgar de ironia sobre a mesma. Na verdade, ainda há quem queira desbravar territórios, leia-se "terrenos" à venda no Metaverso ou parcelas de Lua em NFT. A humanidade não perde o vício: trocámos espadas por smart contracts, mas a sede por conquista (e por terras ricas) permanece. Será que os algoritmos também vão herdar a nossa ganância?
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