DO TEXTO:
Nossa civilização global está sustentada pelos livros, nossas crenças – com tudo o que têm de bom e de mal -
Por: Luiz Vadico*
Sim, eu acredito no livro! Alguns dizem que creem em Deus, mas eu creio no livro. Não vai aqui nenhum desprezo para a tradição verbal e a experiência mística e as vivências sensoriais do ser humano, não. Muito pelo contrário. Entretanto, a “tradição” há muito tempo é passada por livros e sempre com a nota de rodapé que diz: “a tradição...” “O” livro, e não “um” livro, foi o melhor suporte – como dizem hoje – encontrado pela humanidade para passar seu conhecimento adiante. Conhecimento e tudo o que isso significa: ficção, diversão, matemáticas, música, medicina etc.
“Praticamente uma internet” você me diria. Não, a internet é uma espécie de lago gigantesco, extremamente raso na maior parte do tempo; em alguns lugares possui profundos buracos nos quais você afunda e não volta mais. Suas águas plácidas e paradas têm pouco oxigênio e por isso suportam apenas algumas formas de vida muito simples ou perniciosas e daninhas. Os peixes mal conseguem respirar, ocorrem muitas algas, bactérias e vírus não é novidade. Em meio a um deserto quente, inexplicavelmente este lago de águas paradas, e praticamente podre, se mantém. E um monte de gente só recorre a ele por jamais ter imaginado que há poucos quilômetros dali existem rios de água fresca. Água viva, água verdadeira, rios potentes e profundos. Livros.
Tendo em vista a sua importância, o livro até nos parece algo banal em nosso cotidiano. Entretanto, o concreto e o tijolo também são banais e sem eles nada se constrói. E eu digo mais, só se constrói e só há concreto e tijolos por causa dos livros que ensinam. O livro é o repositório do saber humano, do conhecimento. Ele é fisicamente durável, é ao mesmo tempo detentor da memória e das revoluções, contém passado, presente e futuro. E, às vezes, quando menos se espera, eis que desenterram um Evangelho apócrifo de dois mil anos para revolucionar e modificar o nosso presente.
Quando se trata de ficção é algo espetacular, o livro é sempre novo para quem não o leu. E ainda mais surpreendente, enquanto não lido as representações que ali são contidas nada significam, até que sejam avidamente absorvidas, por um leitor ou leitora, e passam para o mágico mundo da abstração e das ideias; voltando, assim, para o lugar onde se originou.
Nossa civilização global está sustentada pelos livros, nossas crenças – com tudo o que têm de bom e de mal -, estão sustentadas nos livros: Os Vedas, O Talmud, A Bíblia, O Alcorão, O livro de Mórmon, O Livro dos Espíritos etc. Isto só para ficar na religião. Depois temos os livros dos que não desejam a religião, e um dos meus prediletos é “O Capital”. Em outras palavras, o livro é ao mesmo tempo repositório e veículo de ideias.
Até mesmo para um escritor é difícil falar dele sem escrever outro. O Livro é a base material da abstração e do imaginário. E não se enganem! Nossa vida e nossa sociedade parecem reais, mas só o parecem por que são imaginadas. E no livro encontramos alimento para que esta grandiosa fantasia que é a vida na terra se mantenha. Diferente daquele lago quase estagnado citado lá em cima, o livro nos permite superfícies diversas e profundidades inacreditáveis. Ele é cheio de vida, de vidas, de respostas e dúvidas. A fauna e a flora explodem nele por todos os lados. Eles são cheios de arte, coloridos, escritos e escrevinhados. E apesar de existirem em profusão, você não pode lê-los todos e nem achar que os absorverá todos. Você precisa – depois de alguma experiência – escolher.
E um livro, ao contrário de outras facilidades por aí, não se dá facilmente. Ele exige que você se esforce, que o desvende, e se construa e reconstrua através da sua leitura. Toma o seu tempo, e ele mesmo é detentor de tempos os mais diversos e sagrados... mas, o que é que você faz do seu tempo se não está lendo e aprendendo? Se entregando a um monte de prazeres “carnais” que te matarão mais cedo... Ler é um prazer vital, espiritual no melhor sentido dessa palavra. Ler é um ato criador e cocriador. O livro possui poder, e ele concede este poder a quem o abre e lê em profundidade.
Numa necessidade rápida, até podemos contar com um trago de águas quase podres, mas para a vida, para beber água viva, o livro é o único lugar onde nos encontraremos com a civilização, com o melhor dela. É por isso que eu e reafirmo: “eu acredito no Livro!” E em Deus?! “Ele está nas entrelinhas...”
E se esse texto te pareceu difícil, é sinal que está intoxicado por águas rasas... corra urgentemente para a água viva.
(*) Luiz Vadico - Escritor, historiador e doutor em Multimeios (Unicamp). Dividido entre a escrita e a carreira acadêmica, publicou: “Maria de Deus” (1999), “Filmes de Cristo”. “Oito aproximações” (2010), “Memória impura” (2012), “Noite escura” (2013), “O campo do filme religioso”. “Cinema, religião e sociedade” (2015), “Fábulas cruéis” (2016), “Cinema e religião”. “Perguntas e respostas” (2016). Ganhou vários prêmios ao longo dos anos. Sua produção literária situa-se entre a fantasia histórica e as relações humanas contemporâneas. Seus livros costumam romper com a forma e os gêneros literários; na busca pelo novo, acaba de lançar “O moinho que derrotou Dom Quixote”, pela Literare Books International.
Por: Luiz Vadico*
Sim, eu acredito no livro! Alguns dizem que creem em Deus, mas eu creio no livro. Não vai aqui nenhum desprezo para a tradição verbal e a experiência mística e as vivências sensoriais do ser humano, não. Muito pelo contrário. Entretanto, a “tradição” há muito tempo é passada por livros e sempre com a nota de rodapé que diz: “a tradição...” “O” livro, e não “um” livro, foi o melhor suporte – como dizem hoje – encontrado pela humanidade para passar seu conhecimento adiante. Conhecimento e tudo o que isso significa: ficção, diversão, matemáticas, música, medicina etc.
“Praticamente uma internet” você me diria. Não, a internet é uma espécie de lago gigantesco, extremamente raso na maior parte do tempo; em alguns lugares possui profundos buracos nos quais você afunda e não volta mais. Suas águas plácidas e paradas têm pouco oxigênio e por isso suportam apenas algumas formas de vida muito simples ou perniciosas e daninhas. Os peixes mal conseguem respirar, ocorrem muitas algas, bactérias e vírus não é novidade. Em meio a um deserto quente, inexplicavelmente este lago de águas paradas, e praticamente podre, se mantém. E um monte de gente só recorre a ele por jamais ter imaginado que há poucos quilômetros dali existem rios de água fresca. Água viva, água verdadeira, rios potentes e profundos. Livros.
Tendo em vista a sua importância, o livro até nos parece algo banal em nosso cotidiano. Entretanto, o concreto e o tijolo também são banais e sem eles nada se constrói. E eu digo mais, só se constrói e só há concreto e tijolos por causa dos livros que ensinam. O livro é o repositório do saber humano, do conhecimento. Ele é fisicamente durável, é ao mesmo tempo detentor da memória e das revoluções, contém passado, presente e futuro. E, às vezes, quando menos se espera, eis que desenterram um Evangelho apócrifo de dois mil anos para revolucionar e modificar o nosso presente.
Quando se trata de ficção é algo espetacular, o livro é sempre novo para quem não o leu. E ainda mais surpreendente, enquanto não lido as representações que ali são contidas nada significam, até que sejam avidamente absorvidas, por um leitor ou leitora, e passam para o mágico mundo da abstração e das ideias; voltando, assim, para o lugar onde se originou.
Nossa civilização global está sustentada pelos livros, nossas crenças – com tudo o que têm de bom e de mal -, estão sustentadas nos livros: Os Vedas, O Talmud, A Bíblia, O Alcorão, O livro de Mórmon, O Livro dos Espíritos etc. Isto só para ficar na religião. Depois temos os livros dos que não desejam a religião, e um dos meus prediletos é “O Capital”. Em outras palavras, o livro é ao mesmo tempo repositório e veículo de ideias.
Até mesmo para um escritor é difícil falar dele sem escrever outro. O Livro é a base material da abstração e do imaginário. E não se enganem! Nossa vida e nossa sociedade parecem reais, mas só o parecem por que são imaginadas. E no livro encontramos alimento para que esta grandiosa fantasia que é a vida na terra se mantenha. Diferente daquele lago quase estagnado citado lá em cima, o livro nos permite superfícies diversas e profundidades inacreditáveis. Ele é cheio de vida, de vidas, de respostas e dúvidas. A fauna e a flora explodem nele por todos os lados. Eles são cheios de arte, coloridos, escritos e escrevinhados. E apesar de existirem em profusão, você não pode lê-los todos e nem achar que os absorverá todos. Você precisa – depois de alguma experiência – escolher.
E um livro, ao contrário de outras facilidades por aí, não se dá facilmente. Ele exige que você se esforce, que o desvende, e se construa e reconstrua através da sua leitura. Toma o seu tempo, e ele mesmo é detentor de tempos os mais diversos e sagrados... mas, o que é que você faz do seu tempo se não está lendo e aprendendo? Se entregando a um monte de prazeres “carnais” que te matarão mais cedo... Ler é um prazer vital, espiritual no melhor sentido dessa palavra. Ler é um ato criador e cocriador. O livro possui poder, e ele concede este poder a quem o abre e lê em profundidade.
Numa necessidade rápida, até podemos contar com um trago de águas quase podres, mas para a vida, para beber água viva, o livro é o único lugar onde nos encontraremos com a civilização, com o melhor dela. É por isso que eu e reafirmo: “eu acredito no Livro!” E em Deus?! “Ele está nas entrelinhas...”
E se esse texto te pareceu difícil, é sinal que está intoxicado por águas rasas... corra urgentemente para a água viva.
(*) Luiz Vadico - Escritor, historiador e doutor em Multimeios (Unicamp). Dividido entre a escrita e a carreira acadêmica, publicou: “Maria de Deus” (1999), “Filmes de Cristo”. “Oito aproximações” (2010), “Memória impura” (2012), “Noite escura” (2013), “O campo do filme religioso”. “Cinema, religião e sociedade” (2015), “Fábulas cruéis” (2016), “Cinema e religião”. “Perguntas e respostas” (2016). Ganhou vários prêmios ao longo dos anos. Sua produção literária situa-se entre a fantasia histórica e as relações humanas contemporâneas. Seus livros costumam romper com a forma e os gêneros literários; na busca pelo novo, acaba de lançar “O moinho que derrotou Dom Quixote”, pela Literare Books International.
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