"Mau, já começo a chatear-me. Não lhes disse a vossa mãe que eu sou o homem do saco?"
Por: Armindo Guimarães
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Há dias perguntaram-me quem era afinal o "Homem do saco" que antigamente as mães anunciavam às crianças, caso elas se portassem mal: "Olha que vem aí o homem do saco e leva-te!"
A minha mãe nunca me assustou com o homem do saco, mas lá na rua não eram poucas as mães que tinham que se valer dele.
Até hoje nunca ninguém soube quem era o homem do saco, mas lembro-me que estava muito associado ao homem do ferro-velho que de longe a longe passava pela rua a apregoar o seu mister: "Compro garrafas, papéis, trapos, roupa usada, guarda-chuvas, móveis velhos!". O pregão do homem do ferro-velho há muito que deixou de ser ouvido pelas ruas da minha cidade, assim como outros pregões que ainda me recordo e que deixei registados sob o título "Pregões do Porto".
A atestar a associação do homem do ferro velho ao homem do saco, lembrei-me do grande cantor/compositor catalão reconhecido internacionalmente, Joan Manuel Serrat, que gravou algumas das suas obras em português, entre elas "O Ferro-velho" que, trago à estampa, convicto que irá ser do agrado dos nossos estimados leitores.
O Ferro-velho
Joan Manuel Serrat
Sempre de manhã,
com chuva ou com sol,
mesmo com frio ou nevoeiro,
de ruela em ruela,
ouvíamos gritar:
"Mulheres, chegou o ferro-velho!"
Todas as manhãs
te víamos chegar...
com um grande saco às costas,
um charuto apagado,
o fato esfarrapado,
a boina e as alpargatas.
E sempre, sempre seguido
pela canalha miúda.
Eras a grande atracção.
Tu, o teu saco e a canção.
Sou o ferro-velho,
compro garrafas, papéis,
compro trapos, roupa usada,
guarda-chuvas, móveis velhos...
Sou o ferro-velho,
os miúdos gritam e cantam.
"Mau, já começo a chatear-me.
Não lhes disse a vossa mãe
que eu sou o homem do saco?"
E até à noite assim,
de ruela em ruela,
e de taverna em taverna.
Com os teus papéis
encharcado em vinho,
voltarás à tua casa.
E voltas feliz,
porque tudo compraste:
o peixe, o vinho, uma vela.
E um pouco de amor
que te deve ter dado
qualquer rameira velha.
Sem tempo para pensar.
Toca a dormir. Sopra a vela.
E amanhã pelo mundo a girar
tu, teu saco e a canção...
Joan Manuel Serrat - O Ferro-velho