Uma pérola do Rei

DO TEXTO:


Por: Cidocarlos


"Não apenas os filmes vendem ilusões, as músicas também possuem a mesma finalidade".... O melhor exemplo de tal afirmação é uma canção composta por Roberto e Erasmo Carlos em 1971, e gravada em um álbum considerado pela revista "Rolling Stone" o 28º (vigésimo oitavo) MELHOR DISCO DA MPB DE TODOS OS TEMPOS. Lembrança mais do que justa para um álbum que reúne grandes canções como "Todos Estão Surdos", "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos" (a famosa homenagem a Caetano Veloso, exilado em Londres), "Amada Amante", "De Tanto Amor", "Traumas", e a faixa inicial, música predileta de Roberto Carlos e de seus incontáveis fãs: "Detalhes".

Estamos falando aqui da música que define demasiadamente sobre a dor de amor... "Detalhes" narra em primeira pessoa a história de um homem que, apesar de ainda mostrar-se inconformado com o fato de ter sido trocado por outro alguém ("Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido/ Palavras de amor como eu falei"), não se deixa afligir. Aliás, muito pelo contrário, alimenta a convicção de que jamais será esquecido, imaginando que será constantemente lembrado pela ex-amante ("Se alguém tocar seu corpo como eu não diga nada/ Não vá dizer meu nome sem querer à pessoa errada"). Estamos, pois, diante de um homem que exorciza o fim de um relacionamento tendo a plena certeza de que seu amor do passado jamais encontrará alguém tão marcante quanto ele. É um paradoxo interessante, pois ao mesmo tempo em que parece desejar a insatisfação da ex ("Desesperada você tenta até o fim/ E até nesse momento você vai lembrar de mim"), o "eu" lírico da canção recorda um grande amor com toda a ternura que alguém que levou um "fora" é capaz de nutrir.

Na biografia que foi embargada pela Justiça, seu autor, Paulo Cesar de Araújo, relata o nascimento de "Detalhes". Em uma noite de março de 1971, Roberto Carlos teve uma inspiração, pegou o violão, dedilhou alguns acordes e registrou-os em um gravador. No dia seguinte, ao ouvir a fita, considerou os primeiros versos que havia composto tão ruins que chegou a pensar que havia bebido quando os concebeu. Passou a trabalhar naquela promissora composição e recriou os primeiros versos, desta vez em caráter definitivo: "Não adianta nem tentar me esquecer/ Durante muito tempo em sua vida eu vou viver.". Mais tarde Roberto ligou urgentemente para seu parceiro Erasmo Carlos: "Meu irmão, vem pra cá porque pintou uma música que eu acho que não poderemos deixar pra depois". Erasmo viajou imediatamente do Rio para São Paulo, e a dupla passou uma tarde inteira trabalhando na canção até que ela ganhasse contornos definitivos.

Sobre a gravação registrada no disco de 1971, Roberto comenta: "Nesta composição, consegui dizer tudo o que queria e da forma que queria dizer". Não à toa, tornou-se a música predileta do Rei e da grande maioria maciça dos seus ardorosos fãs. Méritos também devem ser compartilhados com o arranjador e criador da antológica introdução instrumental, o maestro norte-americano Jimmy Wisner.

"Detalhes" é um auto de defesa narrado por um homem que relembra um amor do passado. Porém, não encontraremos na canção de Roberto Carlos nenhum ódio, mágoa ou ressentimento. É simplesmente o desabafo de um homem sensível que, ferido em seu orgulho, reconhece sua dor ao mesmo que busca disfarçá-la com certo ar de "pouco caso". E faz isso com perfeição, através da clareza de versos que, ao final de cada estrofe, entoam o mantra dos amantes que nutrem o sentimento de que, por mais amores que possam surgir, permanecerão intactos em um canto intocado da memória sentimental do coração: "você vai lembrar de mim!"

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