Ainda que não surpreenda no repertório, o Rei faz, invariavelmente o público
ficar vidrado nele
Embora
seja tudo programático, assistir a um show do Rei é carimbar o passaporte da
brasilidade
THIAGO PEREIRA
A
ensaísta norte-americana Susan Sontag escreveu, em 1964, um influente artigo,
chamado “Notas sobre o Camp”. Nele, apontava a ascensão de uma nova
sensibilidade, o camp, uma espécie de brega aceitável. Cá para nós, onde a
indecisão é o regime, o camp já deitava e rolava há tempos – e nem a bossa nova
foi capaz de varrer nossa natural barangália pelo tapete.Ao ver Roberto Carlos subindo ao palco, em pleno
2013, em um ginásio lotado, introduzido por uma intervenção da orquestra, cheio
de cerimônia kitsch, é difícil não pensar: ele é nosso camp máximo e bem
resolvido.
Com um pequeno “detalhe”: ele é muito, muito
maior do que isso. E nem a tradicional péssima acústica do seu castelo local, o
Mineirinho (que não é uma brasa; é fogo, é dureza), conseguiu esconder isso.
Vê-lo interpretar canções como “Lady Laura” ou“Mulher Pequena” é carimbar um
furo no passaporte da brasilidade; são preciosas sínteses do que é viver por
aqui; por causa da Jovem Guarda, do romântico, do apostólico e, evidentemente,
por causa do lado brega – que felizmente já assumimos como coisa nossa. Não é
síndrome terceiro-mundista, não é arroubo patriótico: é só uma sensibilidade,
como diria Sontag.
Os milhares de súditos fiéis estão ali –
estranhamente desanimados –, fazendo o coro em delay, as vozes que ecoam
microssegundos depois do rei cantar. Senhoras com a escova em dia, rapazes bem
trajados, a mãe daquele amigo de infância que não vemos há tempos... Show de
Roberto é a missa matinal de um domingo, uma tradição que insiste em
permanecer.
Tem seu valor? É óbvio! É necessário até. Levamos
muito tempo para entender que, na lupa, a distância entre Caetano, Wando e, sei
lá, “Anna Júlia”, não é tão grande assim. Todos fazem parte de um grande pacote
colecionável chamado “canção brasileira”, cuja figurinha mais versátil é ele,
Roberto Carlos.
Pode pegar todos: no show, fica claro que nenhum
artista é mais “nossa cara” que ele. Transforma um gibi da infância no cão que
sorri latindo (“O Portão”); discorre charmosamente sobre o sexo cotidiano
(“Côncavo e Convexo”), transfigura um hino de igreja numa linda canção pop – ou
seria o contrário? – (“Nossa Senhora”). Ninguém mais consegue ser o hitmaker do puteiro
(no pout-porri “sensual”), da festa de final de ano da firma (no pout-porri
“rock”) e dos camarotes de astronômicos preços espalhados pelo ginásio ao mesmo
tempo.
Converte os milhares e intermináveis gritos de
“Roberto, eu te amo” em discursos do tipo “sou igual a vocês”. Mas os
recém-conquistados ombros largos não escondem: é o super-herói que não se deixa
errar, que faz um show programático e profissional.
“Esse Cara”, na verdade, é ele mesmo. Por mais
que uma senhora na plateia dê a real depois do discurso do rei: “Esse cara só
existe na novela”. E nas primeiras fileiras, o que se vê é o público filmando o
cantor com celulares, olhos vidrados no telão.
“Camp é a resposta ao problema de como ser um
dândi na era da cultura de massa”, escreveu Sontag. O dândi é como um pôr do
sol: mantém o calor final de um tempo que está morrendo, escreveu o poeta.
Então, o show de Roberto é puro exercício de dândismo, é camp em estado bruto. E
nem o remix de Memê (bem 1994, diga-se) em “Fera Ferida” resolve essa
angústia.
Seguimos sonhando com um Rick Rubin conduzindo o
rei como fez com Cash; com um disco de inéditas para valer. Ah, bicho, fazer
como Erasmo em “Rock n’ Roll”, mora? Renovar. Talvez o que falta ao rei é a
calibragem certa na democracia. E talvez esse Roberto já esteja ali no show, na
pausa voz e violão de “Detalhes”. Basta ele próprio perceber isso.
Ainda que não surpreenda no repertório, o Rei faz, invariavelmente o público ficar vidrado nele
Ninguém mais consegue ser o hitmaker do puteiro (no pout-porri “sensual”), da festa de final de ano da firma (no pout-porri “rock”) e dos camarotes de astronômicos preços espalhados pelo ginásio ao mesmo tempo.
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