Vontade do Rei - Aquelas canções do Roberto -

DO TEXTO:


O filme À beira do caminho conseguiu apenas quatro das 12 canções pedidas a Roberto Carlos. Um exemplo de que o Rei só faz o que é de sua vontade, nem que para isso tenha que mudar o próprio passado

Renato Contente


No Top 10 das “perguntas frequentes” no site oficial de Roberto Carlos – espécie de mural de desejos e dúvidas recorrentes dos fãs do cantor – está traçado um pequeno recorte da relação de afeto e devoção que parte dos brasileiros nutre pelo Rei. Em destaque, pairam por lá “Quando ele vai se apresentar na minha cidade? Existe uma previsão?”, “Como faço para tirar uma foto ou entrar no camarim?” e “Como posso saber mais sobre Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)?” – esta última para os que querem compreender melhor o distúrbio com o qual o ídolo convive. Mais metódica, a dúvida coletiva de número cinco é lançada: “Quero gravar uma música de Roberto Carlos, como proceder?”.
A equipe do site dá uma explicação rápida, e orienta o solicitante a fazer um pedido formal à editora que detém os direitos da canção desejada. O fator Roberto Carlos, no entanto, determinante para o veredicto final, não é mencionado – mas o que prevalece sobre esses pedidos, sobretudo os de utilizar canções com a voz do cantor em filmes e outros projetos, é a vontade do Rei. Foi esse o obstáculo encontrado pelo cineasta Breno Silveira, que após um ano de tentativas conseguiu a autorização para usar quatro canções das doze solicitadas para o filme À beira do caminho, que estreou em todo o País na última sexta-feira. E ele já se deu por satisfeito.
“Roberto praticamente me deu as quatro músicas. Foi um preço simbólico, muito barato, de quem não queria inviabilizar o projeto”, defendeu o diretor, também responsável pelo megasucesso Dois filhos de Francisco, que em 2005 arrastou 5,3 milhões de espectadores para o cinema. Se no primeiro filme o mote foi a trajetória da dupla Zezé di Camargo e Luciano – repleto de temas sertanejos sabidos de cor por quase todo mundo –, em À beira do caminho a trama gira em torno de um caminheiro e de um menino – o primeiro fugindo do passado, e o outro atrás das origens. De fundo, as canções de Roberto, nosso domínio público afetivo desde as primeiras audições em discos de pais, avós e tios.
Diante do “Tem músicas que eu não cedo” vindo do Rei, Breno se sentiu realizado ao conseguir justamente as quatro canções que, além de contarem bem a história das personagens, marcaram seus 17 anos quando ele ouvia o ídolo na tentativa de emendar um coração em frangalhos. Na voz de Roberto, estão no filme Outra vez, O portão (“A essência do filme!”), Como vai você e A distância – esta última sugerida pelo próprio compositor para substituir a vetada Tanto amor. O diretor desconversa sobre as outras não autorizadas, mas confessa que Detalhes era uma delas. “Talvez fossem íntimas demais”, sugere.
Acentuar emoções no cinema com o amor e a ira de Roberto Carlos é estratégia antiga, mas costuma vingar. Desde sua rara “trilogia explosiva” (Roberto Carlos em ritmo de aventura, RC e o diamante cor de rosa e RC a 300 km por hora, feitos entre 1969 e 71 e procurados pelos fãs nas “perguntas frequentes” do site) até O caminho das nuvens (2003) e À beira do caminho, os versos azul-marinho de Roberto vasculham nossa memória íntima mesmo que sem qualquer convite.

O REI QUE MUDA SEU PASSADO

Além dos vários filmes que levam na trilha uma canção assinada por Roberto, há aqueles cujo título foi inspirado por elas – caso do próprio À beira do caminho Amada amante (1978, de Cláudio Cunha). Neste último, o diretor registrou o título assim que ouviu a canção, mas outro cineasta, Luiz Carlos Barreto, comprou os direitos da música para rodar – simultaneamente – um filme com o mesmo nome. Depois de várias brigas na justiça, Cunha conseguiu o título, mas não a música. Roberto, no entanto, se manteve alheio às farpas dos dois.
Mas o cantor ainda iria se envolver – e cada vez mais – no que é de sua propriedade íntima e intelectual. No disco em que Nara Leão gravou apenas canções suas, batizado de Eu quero que vá tudo pro inferno (1978), um supersticioso Roberto de anos depois exigiu que o título fosse trocado por Debaixo dos caracóis dos seus cabelos.

Outros exemplo é Roberto Carlos em detalhes (2006), a biografia escrita por Paulo Cesar de Araújo e embargada pelo compositor. Mais emblemático ainda é o caso de Louco por você (1959), o disco de estreia em que Roberto, como tantos cantores de sua geração, seguiu à risca a cartilha do canto cool, quase rasteiro, de João Gilberto. No começo de 2012, ao ser notificado da venda ilegal do disco via iTunes, Roberto reconsiderou liberar a raridade, mas depois voltou atrás. É assim, “olhando com desconfiança pelo retrovisor”, que o Rei tenta manter o controle sobre seu passado, nem que para isso tenha que exigir alguns retoques em sua própria história.

Publicado em 11/08/2012

Breno Silveira fala sobre "À Beira do Caminho"









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