Moscovo- Os dirigentes soviéticos preferiam Joaquim Chissano a Samora Machel à frente de Moçambique, vendo no primeiro um político mais culto, equilibrado e sensato, segundo o primeiro embaixador da então URSS em Maputo.
"Ele era um talento por natureza, como se costuma dizer, talento inato, mas faltava-lhe a instrução que possuía Eduard Mondlane, primeiro presidente da Frelimo", escreve nas suas "Memórias do Trabalho em Moçambique" o diplomata Piotr Evsiukov, que esteve em contacto com o dirigente moçambicano durante mais de dez anos.
"Durante a guerra de libertação nacional, quando um grupo de militares soviéticos, depois de realizar uma marcha numa das regiões libertadas pela
guerrilha em Moçambique, parou para descansar, um general nosso decidiu fazer um elogio a Samora Machel", recorda.
"O senhor caminha bem, é assim que eu imagino um Presidente'. Ao que Samora Machel retorquiu: 'Não, quando Moçambique for independente, terá um Presidente culto!' Não sei se nessa altura Machel pensava na presidência, mas não a recusou quando foi eleito", conta Piotr Evsiukov.
O diplomata soviético chama a atenção para o "extremismo de esquerda" de Samora Machel.
"Fui convidado por ele para uma reunião de trabalho. Esperavam-me Samora Machel e Marcelino dos Santos.
Os interlocutores interessaram-se pela minha opinião sobre a Revolução Cultural na China, mais precisamente, sobre os comités revolucionários e se era preciso realizar algo semelhante em Moçambique.
Eu dei uma nota negativa aos comités, sublinhando que em Moçambique já havia pessoas que ajudavam o partido e que era apenas necessário dirigir e controlar a sua actividade", escreve Evsiukov.
"Marcelino dos Santos ouvia as minhas considerações e apoiava. Mas Samora, segundo entendi, tinha uma opinião contrária, ele era pela imitação da experiência chinesa, que mostrou ser azeda", refere.
Após ressaltar o apego do dirigente moçambicano à vida e obra do ditador soviético José Estaline, Evsiukov acrescenta: "Só se pode compreender e
avaliar a actividade de S. Machel se soubermos os factos da sua vida contraditória e traços do seu carácter: talento inato, por um lado, e falta de instrução em combinação com tentativas de compensar essa insuficiência através da imitação dos poderosos deste mundo, por outro lado".
"Não sei quem foi o verdadeiro culpado da morte trágica do Presidente de Moçambique independente. Não duvido que os inimigos ficaram felizes com isso", conclui.
Opinião bem diferente tinha o diplomata soviético sobre Joaquim Chissano.
"Chama a atenção a sua intelectualidade, ponderação, equilíbrio nas palavras e a habilidade de manter o diálogo político e encontrar uma solução
satisfatória", considera Evsiukov, e acrescenta: "Se compará-lo com S. Machel, eram pessoas completamente opostas quanto ao temperamento".
"Eu tinha conhecimento que entre J. Chissano e S. Machel surgiam por vezes contradições nas avaliações políticas da situação e do desenvolvimento dos acontecimentos em Moçambique, nomeadamente das posições da Frelimo para com a população portuguesa", continua o diplomata.
"J. Chissano era bastante maleável com os portugueses, encontrava com eles linguagem comum. Neste campo, S. Machel nem sempre estava de acordo com J. Chissano", conclui Evsiukov.
Angola Press
25-06-2009
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