Parto normal: mais saúde, menos cesáreas desnecessárias

O Brasil lidera nas cesáreas, mas especialistas explicam por que o parto normal é mais saudável e deve ser incentivado.
 Médico e mãe segurando recém-nascido em maternidade, promovendo os benefícios do parto normal para a saúde e a redução de cesáreas desnecessárias.

Especialistas alertam sobre excesso de cesáreas e defendem parto natural


Cultura da cesariana, medo da dor, influência médica, conveniência profissional, falta de incentivo, estrutura hospitalar inadequada e até fake news explicam por que o Brasil faz tanta cesárea, indo na contramão das recomendações da Organização Mundial da Saúde


São Paulo – julho 2025 - O Brasil é um dos países com maior taxa de cesarianas no mundo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto a recomendação é que esse procedimento seja realizado em cerca de 10 a 15% dos nascimentos, no Brasil ele ultrapassa 55%, chegando a mais de 80% na rede privada. “Esse número expressivo reflete um fenômeno complexo, que envolve desde fatores culturais e médicos até a organização do sistema de saúde. No entanto, a ciência é clara ao afirmar que o parto normal traz inúmeros benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê, reforçando a importância de incentivar e apoiar essa escolha sempre que possível”, esclarece o Dr. Nélio Veiga Junior, ginecologista e obstetra, Mestre e Doutor em Tocoginecologia pela UNICAMP. “O parto normal é um evento fisiológico que desencadeia uma série de processos hormonais fundamentais para o início da vida do bebê fora do útero”, completa o médico.

O ginecologista explica que existem vários motivos para o alto número de cesáreas, como a cultura da cesariana, o medo da dor, a influência médica, a conveniência profissional, a falta de incentivo, a estrutura hospitalar inadequada, violência obstétrica e até as fake news. “No Brasil, muitas mulheres crescem com a ideia negativa de que o parto vaginal é marcado por intervenções desnecessárias e violentas e ouvindo relatos sobre dores intensas relacionadas ao parto normal, sem receber informações adequadas sobre alívio da dor, como analgesia e métodos não farmacológicos (banho morno, massagens etc.). Isso leva muitas gestantes a optarem pela cesariana antes mesmo de entrar em trabalho de parto”, diz o ginecologista. “Muitos médicos preferem realizar cesarianas por questões de agenda e praticidade. O parto normal pode durar horas e ser imprevisível, enquanto a cesárea eletiva é rápida e pode ser programada. Esse fator pesa especialmente na rede privada”, completa. O obstetra ainda explica que a ausência de um pré-natal que valorize o protagonismo da mulher no parto também pode impactar na indução para a cesárea. “Além disso, é importante destacar que, embora o parto normal seja fisiológico, ele exige um ambiente acolhedor e humanizado. Muitos hospitais não oferecem salas de parto adequadas, com liberdade de movimento para a gestante, uso de métodos de alívio da dor ou equipe capacitada para uma assistência de qualidade ao parto vaginal. Isso torna a cesariana uma escolha mais ‘prática’ dentro do modelo hospitalar tradicional”, explica.

Quanto às fake news, o médico explica que há um mito difundido de que a cesárea seria sempre a opção mais segura para mãe e bebê. “No entanto, a ciência mostra que, quando não há indicações médicas, a cesárea pode trazer riscos, como maior chance de infecções, hemorragias, perfuração de órgãos e, para o bebê, maior dificuldade respiratória e problemas gastrointestinais”, diz o ginecologista. “A recuperação no parto normal também costuma ser mais rápida, permitindo que a mulher retome suas atividades habituais em menos tempo. Além disso, mulheres que passam pelo trabalho de parto têm menor risco de desenvolver depressão pós-parto, possivelmente devido à ação dos hormônios envolvidos no processo natural do nascimento”, diz o médico.

Os benefícios do parto normal e a liberação do hormônio do amor
Ao entrar em trabalho de parto, há a liberação hormonal e um dos principais hormônios envolvidos é a ocitocina, conhecida como o "hormônio do amor". “Produzida naturalmente pelo organismo materno, a ocitocina tem papel essencial nas contrações uterinas, auxiliando no trabalho de parto e garantindo a progressão adequada para a expulsão do bebê. Além disso, essa substância é determinante para a criação do vínculo entre mãe e filho. Pesquisas demonstram que a liberação de ocitocina durante o parto facilita a interação afetiva, promovendo maior envolvimento emocional e fortalecendo o instinto materno”, explica o médico.

A amamentação também é beneficiada pelo parto normal, de acordo com o Dr. Nélio. “Isso ocorre porque a ocitocina liberada no parto segue ativa no pós-parto imediato, estimulando a ejeção do leite materno e favorecendo o início precoce da amamentação. O contato pele a pele entre mãe e bebê logo após o nascimento, muitas vezes dificultado em cesarianas, também é um fator determinante para o sucesso da amamentação e a regulação da temperatura e do ritmo cardíaco do recém-nascido”, completa o médico.

Outro benefício do parto normal é o estímulo à respiração do bebê. “Durante a passagem pelo canal vaginal, o tórax do recém-nascido é naturalmente comprimido, eliminando líquidos pulmonares e facilitando a transição para a respiração aérea. A ciência mostra que bebês nascidos de parto normal têm menos risco de desenvolver desconforto respiratório e necessidade de suporte ventilatório quando comparados àqueles nascidos por cesárea eletiva. Além disso, a ocitocina tem um papel importante na indução do sono do bebê após o nascimento, favorecendo o descanso necessário para sua adaptação ao novo ambiente”, completa o médico.

Por fim, o médico lembra que, embora existam situações em que a cesariana seja necessária e salve vidas, o uso indiscriminado desse procedimento pode trazer prejuízos tanto para a mãe quanto para o bebê. “Garantir que as mulheres tenham acesso a informações de qualidade, apoio de equipes capacitadas e um ambiente hospitalar que favoreça o parto normal é essencial para reverter esse cenário e promover um início de vida mais saudável para milhares de recém-nascidos brasileiros”, finaliza o ginecologista.

*DR. NÉLIO VEIGA JUNIOR: Médico ginecologista e obstetra, Mestre e Doutor em Tocoginecologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP). Atua em consultório privado e já foi médico preceptor no curso de Medicina da UNICAMP e médico pesquisador no Centro de Pesquisa em Saúde Reprodutiva de Campinas. Participa periodicamente de congressos, eventos e simpósios, além de ser autor de diversos artigos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais. CRM 162641 | RQE 87396 | Instagram: @neliojuniorgo
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