Em “poemas para Liz”, Bruna Escaleira transforma versos molhados de leite, suor e lágrimas em livro sobre maternidade

DO TEXTO: Dividido em três partes, “poemas para Liz” organiza os lampejos e epifanias em frases curtas proporcionadas pela embriaguez hormonal da gravidez e...

Autora Bruna Escaleira e capa do livro “poemas para Liz”.
 

"Uma maternidade nem sempre vista em capas de revista ou redes sociais"


Escrita durante a gestação e o puerpério de sua primeira filha, obra da jornalista lança um olhar sensível e revelador sobre essa experiência feminina historicamente tão silenciada


“não se culpe, mãe poeta

por estar em falta com seus cadernos

mas preocupar-se em registrar

cada primeira coisa dos seus filhos

pois não há livro mais importante do que a infância

quando se acolhe cada gesto

com a receptividade de uma folha em branco”

Trecho do poema “produti.vaidade” (pág. 61)



É um livro construído pelo afeto, que revela o esplendor e a grandiosidade de um cotidiano muitas vezes maçante ou até mesmo doloroso. Os poemas de Bruna relembram que a doçura também pode ser um modo de resistência, e retratam uma experiência tão singular quanto coletiva”

Juliana Goldfarb, no prefácio


O livro “poemas para Liz”, da escritora e jornalista paulistana Bruna Escaleira (@bru_esc), explora, de maneira poética, a maternidade. Da gravidez ao puerpério, a obra aborda com leveza e sensibilidade o processo da descoberta de si como mãe, sem romantizar ou demonizar a função e conta com o posfácio assinado pela professora, mãe e doutora em literatura Juliana Goldfarb.


Publicada pela editora artesanal Arpillera (@editoraarpillera, 88 pág.), a poesia da autora ganha corpo em exemplares costurados um a um. Essa proposta manual, junto ao nome da editora, que homenageia o movimento de resistência das bordadeiras chilenas na época da ditadura, foi o que levou a autora a tentar a chamada para publicação desta pequena casa editorial. Para ela, esse modo de fazer as coisas combina perfeitamente com a forma e o momento em que seu livro foi escrito: “no tempo das coisas, no tempo da vida”. “Foi amor à primeira vista”, resume.


Dividido em três partes, “poemas para Liz” organiza os lampejos e epifanias em frases curtas proporcionadas pela embriaguez hormonal da gravidez e do puerpério. As seções “Surpresa”, “Portal” e “Mundo novo”, tratam, respectivamente, sobre a gestação, o parto e o puerpério. O livro também inclui bordados feitos por Bruna com imagens de ultrassom e linhas coloridas.


A poeta conta que, durante a gravidez de sua primeira filha, entendeu que também estava gerando uma nova forma de escrever: “A novidade, os hormônios, as expectativas e as sensações únicas da gestação me inspiravam poesia a todo momento. Logo percebi que aqueles textos que estavam surgindo tinham uma identidade em comum: eram ‘poemas para Liz’”. 


O livro foi escrito nas mais diversas e improváveis situações, especialmente após o nascimento de Liz: “São textos molhados de leite, suor e lágrimas, muitos vezes com uma bebê no peito, no escuro das sonecas de dia, nas madrugadas em claro, nos refúgios no banheiro, no desespero da privação de sono e no êxtase do encanto com a vida.”


Além do desejo de expressar o que vivenciou durante seu processo de se tornar mãe, Bruna afirma ter sido motivada a publicar esse livro por considerá-lo necessário: “As mulheres tiveram suas experiências de gestação, parto e puerpério historicamente silenciadas, distorcidas e medicalizadas por séculos. Precisamos recuperar nossas vozes e promover um debate que leve nossas vivências reais em conta.”


Juliana Goldfarb considera que a poesia de Bruna Escaleira revela uma maternidade nem sempre vista em capas de revista ou redes sociais e destaca isso no posfácio que assina: “Bruna fala de lugares ou comportamentos invisíveis, sujos ou interditos na poesia: a falta de privacidade no momento de suas necessidades básicas, a privação de sono, o banheiro como um lugar de fuga e respiro, as espinhas e pêlos que invadem esse novo corpo já com tão pouco tempo para si, o cansaço e o corpo marcado por novas dores, novos contornos”.


A escrita como ofício e sobrevivência

Bruna Escaleira nasceu em 1988 em São Paulo. Além de escritora, é formada em Jornalismo pela USP, pós-graduada em Jornalismo Cultural pela FAAP e Mestra em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP, com dissertação sobre poesia erótica e feminismos. Além disso, foi editora da Revista Nova Escola e atuou em projetos de organizações feministas, como Chicas Poderosas. Hoje, é sócia da Canôa, consultoria de diversidade e inclusão para empresas e escolas. Também mantém uma coluna sobre literaturas feitas por mulheres e maternidades para a Revista AzMina e ministra oficinas de escrita criativa, literaturas e feminismos.


Tem três livros de poesia publicados, entranhamento (Patuá, 2014), algo a declarar.;’ (Com-Arte, 2016) e “poemas para Liz” (Arpillera, 2023) e um no prelo: terraíz (Triluna, 2025). Participou de diversas coletâneas, como: As cidades e os desejos (Aliás, 2018), 69 poemas e alguns ensaios (Oficina Raquel/Jandaíra, 2020) e Coleção Desaguamentos (Escaleras, 2021).


Escreve como ofício, mas, como poeta, afirma que a escrita está presente em sua vida desde muito antes disso e funciona como uma questão de sobrevivência. Entre suas obras prediletas estão “Magma”, de Olga Savary e “Educação sentimental”, de Maria Teresa Horta. A lista de referências de Bruna é bem mais vasta, contendo também Adélia Prado, Ana Cristina César, Clarice Lispector, Hilda Hilst, Carlos Drummond de Andrade, Ítalo Calvino, Ondjaki, Adília Lopes, Angélica Freitas, Adelaide Ivánova, Lubi Prates e Lupe Gómez. 

Em setembro, a autora prevê a publicação do seu primeiro livro infantil, "O dia em que a lua fugiu", pela Editora "Escuta Aqui Bem-te-vi".


Confira mais um poema do livro:

“descobrir o mundo com minha filha é encontrar argila fresca no fundo do riacho da

minha infância

e descobrir que ele que não secou” 

“poemas para Liz” no site da Editora Arpillera


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